A criação de Eva |
Transcrição integral da entrevista feita ao padre Miguel Pereira e a Maria José Vilaça, a propósito do IV Simpósio sobre Teologia do Corpo, que se está a realizar em Fátima. A notícia encontra-se aqui.
Como é que surgiu a
ideia de organizar este simpósio?
Maria José Vilaça:
Desde 2003, quando esteve cá o Christopher West, começámos a acompanhar a
Teologia do Corpo e a deixarmo-nos fascinar por tudo isto e começámos a ir aos
simpósios internacionais na Europa, Áustria 2007 e Irlanda 2009. Desde aí
surgiu a ideia de fazer um em Fátima, curiosamente os estrangeiros que lá estavam,
incluindo muitos americanos e sul-americanos, vieram pedir para fazermos em
Fátima.
Não é organizada só por nós, conta com a participação do professor
Peter Colosi, professor de Filosofia no Seminário de São Carlos Borromeu, em
Filadélfia, e ele coordena isto com uma organização local.
Padre Miguel:
Somos mais ou menos 12 pessoas em Portugal, sempre em contacto com o Peter
Colosi e fazemos essa ligação com ele, vamos informando-o sobre o que acontece
localmente, para ele ir dinamizando até em relação a recolha de fundos.
A Teologia do Corpo,
para quem não conhece, o que é?
Padre Miguel: O
Papa João Paulo II esteve na comissão que redigiu o primeiro esboço da
encíclica “Humanae Vitae”. Foi uma encíclica muito complicada e de difícil
acolhimento porque pedia uma grande conversão. A encíclica foi promulgada por
Paulo VI em 1968, depois de uma viagem que fez a Fátima, e falava especialmente
dos temas relacionados com a vida, sobretudo aborto, contracepção, relações
sexuais, estamos a falar do âmbito da intimidade conjugal. E como pedia aí uma
grande atenção e que demorássemos ali algum tempo, não foi muito bem acolhida.
O Papa João Paulo II esteve na comissão que redigiu o
primeiro esboço do Humane Vitae, e ficou ali com um bichinho. O Papa Paulo VI dizia
que para entender o texto tinha de se conceber uma antropologia adequada, uma
maneira cristã de conceber o homem, capaz de dizer as razões do proceder. Foi
nesse texto que o Papa trabalhou desde 68 a 79. Em 79, já Papa, ele queria ter
editado o livro, mas como foi eleito Papa disseram-lhe que não podia publicar
sem ser magistério. Então, o Papa João Paulo II dividiu o livro em 169
catequeses, mais seis sobre o Cântico dos Cânticos. A partir da palavra de Deus
e a partir da filosofia personalista e da fenomenologia ele compõe uma maneira
de ver o mundo que torna possível não só entender mas passar a viver uma
experiência diferente na nossa intimidade. Isto é assim o básico da história.
Em relação ao conteúdo das catequeses, o Papa faz uma
catequese bíblica, ou seja pega em várias passagens da Sagrada Escritura para
explicar o que é o homem. Primeiro, no princípio o que Deus quis para o homem,
porque Deus diz que criou o homem à sua imagem e semelhança, e quando
procuramos a imagem e semelhança de Deus em cada um de nós procuramos
normalmente na nossa alma, nas coisas que nos chamam para o belo, o eterno, o
bom, o verdadeiro. Muito ao género do que é mais espiritual.
Mas o Papa diz que não só no Espírito mas também no corpo
Deus deixou marcas daquilo que é. É importante perceber, se Deus é comunhão, as
marcas que Deus deixa no nosso ser são sempre marcas de comunhão. Quando Deus
cria, cria-os homem e mulher. Deus diz “Façamos o homem à nossa imagem e
semelhança”, depois diz “Assim aconteceu. Deus criou o homem à sua imagem e
semelhança. Homem e mulher os criou”. E podemos questionar-nos, porquê homem e
mulher? Porque não criou só um, fantástico? Porque é que criou dois? E dois que
na sua sexualidade se complementam, dois que são feitos na relação um com o outro?
A marca de Deus é este sinal da relação, feita não apenas a nível mental,
psicológico e espiritual, mas também a nível do corpo.
Se isto é assim quer dizer que o nosso corpo é feito para a
comunhão, que também o nosso corpo foi feito para tocar o mistério de Deus, da
Santíssima Trindade. E se é assim a nossa vida precisa de dar uma volta. Se o
nosso corpo foi feito para amar a Deus e só para isso, é importante que todos
os nossos gestos falem de amor, e também a nossa sexualidade.
O Papa diz que a relação sexual é o lugar da maior
intimidade, onde as pessoas se entregam mais, porque entregam não só o seu
pensar, não contam apenas as suas ideias, entregam-se a si próprias. Depois de
me entregar na relação sexual que tenho com o meu cônjuge não há mais nada a
entregar, porque já entreguei o meu corpo, é por isso que também existem tantas
feridas, em tantos e tantos casais, que não se respeitaram nessa entrega.
Porque sendo esse um lugar para chegar tão alto ao amor de Deus, se em vez de
amarmos utilizarmos as pessoas também se desce muito fundo, deixam-se marcas
muito profundas.
O Papa tinha este conhecimento porque antes de ser Papa, em
Cracóvia, primeiro como padre e depois como cardeal, fez uma experiência muito importante,
a que ele chamava a rede, um género de equipas de casais com quem falava, às
vezes até individualmente. Ele tinha um profundo conhecimento da vida de cada
um daqueles, não como quem vive a experiência, mas como quem sabe, como quem vê
de fora mas percebe muitas vezes porque como nós estamos tão dentro das
relações que não conseguimos ter um olhar claro sobre elas, mas o Papa
conseguia tê-lo.
Tobias e Sara |
A sociedade em geral
tende a pensar que a Igreja tem um olhar negativo e pessimista sobre a
sexualidade, mas aqui vemos um discurso completamente diferente do estereótipo…
As pessoas ficam muito admiradas quando falamos da Teologia
do Corpo e da maneira que a sua sexualidade foi feita para chegarem tão alto,
muitas vezes foram instruídas de forma a privilegiar o espiritual e a descurar
o seu corpo. Mas é o próprio São Paulo que diz que o nosso corpo é templo do
Espírito Santo. Se o próprio Espírito Santo pode habitar no nosso corpo é
porque de certeza que é uma coisa boa. Hoje em dia as pessoas precisam muito
disso, de saber que o seu corpo é o maior tesouro que têm, e é por isso que
devem respeitá-lo imenso. Quando a Igreja diz que devemos cobrir o corpo e
vestir-nos dignamente, não expormos muito o nosso corpo porque pode ser olhado
indignamente, não é porque diga que o corpo é mau, pelo contrário, diz que o
corpo é muito bom e se tens um tesouro não o dês a qualquer um, dá-o a quem o
possa respeitar verdadeiramente.
Apesar de o Papa falar mais para os casais isto tudo implica
uma nova forma de ver. Com os meus amigos, com os meus familiares, com os meus
filhos, os meus gestos são chamados a ser outra coisa, a ter outro peso. As
pessoas ficam surpreendidas porque vêem que afinal toda a sua vida foi feita
para ter um peso diferente, uma glória diferente.
Consta que Jesus um dia falou directamente à Madre Teresa de
Calcutá e disse “Quero que tu vás onde sem ti eu não consigo ir”. Isto
significa que cada vez que estou num lugar estou não só em nome de Deus, mas
nos meus gestos aqueles a quem eu amo provam o próprio Deus. Isso é absolutamente
extraordinário.
Quando falamos só da sexualidade falamos principalmente
daquele que é o maior acto de amor, a maior possibilidade de entrega da vida.
Aqui é importante, e o Papa fala disso, que a entrega seja total. Não só do meu
corpo, mas também do meu espírito, não só do meu espírito mas também do meu
corpo.
Quando isto toca a relação conjugal toca o lugar da maior
entrega. Porque no dia do meu casamento eu digo que sou todo teu para o resto
da vida e a minha vida vai girar à volta da tua, na presença de Deus, porque eu
quero o teu bem. Hoje em dia reduzimos muitas vezes o amor a um sentimento, mas
isso não é a verdade toda, o amor é sobretudo uma vontade, a vontade de querer
bem ao outro, que implica um gostar, um sentir, este impulso de querer o outro,
de querer o bem dele.
Hoje em dia o que acontece muito nos casais é que em vez de
se amarem usam-se muito. E o Papa apercebeu-se disso.
Que temas vão ser
abordados neste simpósio?
Maria José: Tivemos
o cuidado de tornar isto um bocadinho teórico e muito prático. Embora se chame
um simpósio de Teologia não é uma coisa inalcançável. No primeiro dia vamos ter
uma apresentação sobre a relação da Teologia do Corpo com Fátima. Não só pela
questão do Papa Paulo VI ter vindo a Fátima antes de publicar a Humanae Vitae,
mas por toda a ligação que João Paulo II estabeleceu, que nos permite concluir
que sem Nossa Senhora de Fátima não teria havido Teologia do Corpo, porque o
Papa sofreu um atentado no dia 13 de Maio, precisamente o dia em que ia lançar
a fundação do Instituto João Paulo II, cujo objectivo é ensinar a teologia do
corpo e aprofundar estes temas.
Depois vamos ter um segundo dia em que a maior parte das
nossas comunicações vão ser sobre o que é a Teologia do Corpo, portanto vamos
ter uma vertente mais académica mas com pessoas com experiência muito grande em
falar destes temas, tornando-as mais perceptíveis. A experiência que eu tenho
de os ouvir é de repente perceber que a nossa vida vai ter de mudar, isto é
tudo tão bonito, Deus gosta de nós de tal maneira, que isto só pode provocar
uma mudança na nossa vida.
No fim deste dia de Sexta-feira vamos ter já uma passagem
para a parte mais prática, como é que isto se aplica, como é que se vive, e a
experiência que as pessoas têm no seu próprio trabalho. Vamos abordar a
pornografia, a ausência de pai na sociedade ocidental, um dos dramas com que
nos deparamos, vamos ter pessoas a falar sobre a terapia conjugal e como é que
a Teologia do Corpo ajuda nisto, vamos ter oradores, já no Sábado, a falar da homossexualidade
e da complementaridade entre homem e mulher e depois, no Domingo, vamos ter
pessoas de África para falar da experiência da teologia do corpo em África,
porque lá acolheram melhor e muito mais rapidamente a teologia do corpo do que
na Europa, o que terá a ver com a pureza do coração e a abertura de espírito
das pessoas. Convidámos duas pessoas que nos vêm falar dessa experiência e
vamos ainda ter uma apresentação sobre a NaProTechnology, que muito pouca gente
conhece em Portugal, mas que é uma alternativa à procriação medicamente
assistida, chamada NaPro Technology. Vem cá um professor Phil Boyle que vem
falar de um estudo que fez com 400 casais que passaram pela procriação
medicamente assistida e não tiveram sucesso e que teve consequências complicadas
na vida deles, ele vem-nos dar o resultado desta investigação depois de ter
usado esta “Natural Procreation Technology”.
No Domingo o tema era a teologia do corpo e a nova
evangelização e vamos ter abordagens que nos remetem para a essência do que é a
nossa ligação com Deus e vida de comunhão com Deus porque é daí que tudo parte.
Há muitas inscrições?
Pe. Miguel: Está
a correr tão bem como esperávamos, ligeiramente acima. Pensava que não íamos
ter mais de 120 inscrições, mas como os portugueses se inscrevem sempre em cima
da hora, vamos agora com 210. Temos tido muita gente a querer nos ajudar
generosamente.
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