Francis Beckwith |
“Well,
George Lewis told the Englishman, the Italian and the Jew
«You can’t
open your mind, boys
To every
conceivable point of view»”
Bob Dylan, High Water (For Charley Patton)
Há vários anos fui convidado para participar num programa de
rádio para discutir um dos meus livros. Nem me lembro qual, mas recordo-me
perfeitamente de um diálogo com um ouvinte que ligou. Ele estava claramente
irritado pelo facto de eu estar a dar argumentos a favor da inviolabilidade da
vida humana nascitura e de estar a explicar, detalhadamente, por que razão
acreditava que um ser humano não nascido tem uma natureza pessoal e que o
aborto é um homicídio sem justificação.
Depois de alguma conversa de circunstância e de eu ter
respondido à sua questão sobre a personalidade humana, o ouvinte declarou,
claramente exasperado: “Dr. Beckwith, você é intolerante. Tem tanta certeza de
que está certo e que todos os outros estão errados.” Para alguém como eu que
gosta de brincar com questões filosóficas este tipo de declaração é boa de mais
para ser verdade. É o tipo de cliché mal pensado que tem ajudado a manter o meu
livro “Relativism:
Feet Firmly Planted in Mid-Air”, escrito com Gregory P. Koukl, nas
livrarias há 15 anos.
Respondi fazendo ao ouvinte a seguinte pergunta: “Estou
errado ao pensar assim?” Esta é uma resposta interrogativa que tanto eu como o
Greg já usámos inúmeras vezes, e que já partilhámos com o público em muitas
conferências. O ouvinte respondeu: “Sim”. Pelo que eu disse: “Então você é
exactamente igual a mim. Você pensa que tem razão, e que eu estou errado. A
diferença é que eu admito que algo é verdade. Você, por outro lado, acredita
que algo é verdade, mas age como se não acreditasse”.
Então ele tentou dizer a mesma coisa de outra maneira, mas
passava o tempo a tropeçar. Não o conseguia dizer sem entrar em contradição. A
dada altura confessou: “Não consigo dizer o que quero dizer sem parecer
ridículo”. Respondi: “Isso é porque o que está a tentar dizer é ridículo”.
Reparem que o ouvinte ignorou simplesmente a substância do
meu caso, embora isso não me tenha surpreendido. A maioria das pessoas com quem
me cruzo, mesmo aquelas que tiraram licenciaturas de instituições de elite, não
se preocupa muito com argumentos, apesar de se definirem como campeões da
“razão” e inimigos da “superstição religiosa”.
Claro que também afirmam ser defensoras da “diversidade” e
do “multiculturalismo” ao mesmo tempo que consideram que todas as instituições,
tanto públicas como privadas, devam parecer idênticas na sua composição étnica
e de género, bem como nas suas posições fundamentais sobre a sexualidade
humana, o conhecimento e o papel do Estado.
É por isso que a recusa da Igreja Católica em mudar o seu ponto de vista sobre o sacerdócio masculino, o casamento, a sacralidade da vida, contracepção e a instrumentalização da reprodução é confrontada com histeria e não com um apelo à defesa das contribuições distintivas que o Catolicismo introduz na nossa sociedade multicultural.
Uma vez que os críticos da Igreja confundem antropologia com
cosmetologia, acabam por apelar à conformidade forçada, travestida de
diversidade. O que a muitos de nós parece uma hostil exigência de hegemonia
liberal, eles dizem ser apenas um convite a alegrarmo-nos no pluralismo.
A minha conversa com aquele ouvinte é um microcosmo desta
incoerência. A maioria das pessoas com tendências liberais, tal como este
ouvinte, invocam muitas vezes a “tolerância” sem se aperceberem verdadeiramente
do que isso implica numa democracia liberal como a nossa.
Se a tolerância é uma virtude cívica, então implica que
reconheçamos que aqueles com quem discordamos estão errados. Porque quando eu e
outro cidadão estão de acordo não nos estamos a tolerar, estamos de acordo. Porém,
ironicamente, muitos na nossa sociedade pensam que o facto de considerar que
alguém está errado é em si um acto de intolerância.
Sob esta definição de tolerância o estar de acordo, em vez
de estar em desacordo, é que se torna uma condição necessária para a
tolerância. Neste caso a tolerância fica de pernas para o ar e torna-se,
paradoxalmente, intolerância.
Muitos dos meus amigos liberais, tal como o ouvinte, dizem
que devemos ser cépticos em relação à confiança que depositamos nos nossos
juízos relativos a assuntos sobre os quais pessoas razoáveis podem discordar.
Mas é precisamente em relação a alguns desses assuntos que os seus amigos são
mais impiedosos, punitivos e prontos a fazer juízos de valor. Parecem
dispostos, ironicamente, a copiar precisamente o tipo de dogmatismo e
fechamento mental que apontam de forma pejorativa aos “fundamentalistas
cristãos”. Defendendo, embora, a rejeição de instituições e formas de vida que
excluem quem é diferente, não praticam o que pregam e, na prática, fazem
questão de excluir todos os que pensam de forma diferente da oficial.
A tolerância não pode ser infinitamente elástica. Tanto
liberais como conservadores estão de acordo a este respeito. Mas se em questões
fracturantes, para as quais o liberalismo foi inventado para fornecer um modus vivendi, a tolerância não pode ser
aplicada de forma coerente, então chegámos ao ponto em que o liberalismo
abraçou aquilo que, em tempos, afirmava rejeitar: “Não existe o direito ao erro”.
Se assim é, então a tolerância morreu.
(Publicado pela primeira vez na Sexta-feira, 7 de Junho 2013
em The
Catholic Thing)
Francis
J. Beckwith é professor de Filosofia e Estudos Estado-Igreja na
Universidade de Baylor. É
autor de Politics
for Christians: Statecraft as Soulcraft, e (juntamente com Robert P. George
e Susan McWilliams), A Second Look at
First Things: A Case for Conservative Politics, a festschrift in honor of
Hadley Arkes.
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