Correm versões aparentemente
contraditórias, acusações de mentira, lamentos, e nada disto contribui para a
dignificação dos bispos, ou dos membros da Comissão Independente, e certamente
nada contribui para melhorar a confiança na Igreja enquanto instituição ou a situação
das vítimas de abusos que de facto ocorreram.
No centro desta questão está a
famosa lista dos 100 padres. A lista foi entregue aos bispos, cada diocese
recebeu os nomes que a si diziam respeito.
Seguiu-se a confusão que já se
sabe, com D. José Ornelas a protagonizar uma conferência de imprensa em que conseguiu
a proeza de dizer quase tudo ao contrário do que devia ter feito e a dar uma
ideia inicial de que os bispos estavam a arrastar os pés e não queriam afastar preventivamente
os padres na lista.
A
situação foi agravada pela resposta de D. Manuel Clemente, no domingo
seguinte, quando lhe perguntaram sobre a suspensão preventiva, adensando a
confusão e reforçando a ideia de que os bispos iam meter a lista na gaveta. Já
expliquei que claramente não era isso que ele queria dizer, embora continue sem
perceber porque é que o Patriarcado não esclarece o assunto.
Passaram-se entretanto pelo
menos cinco dias em que apenas uma diocese mostrou alguma transparência sobre a
lista, com o bispo do Funchal a esclarecer que recebeu quatro nomes, um dos
quais não é conhecido na diocese e outros três já não exercem qualquer cargo.
Depois temos a própria questão
dos nomes. Os bispos dizem que só receberam nomes “em seco”, sem qualquer
contexto. A Comissão diz que não, que os bispos têm a informação de que
precisam. Nesta aparente contradição, parece-me que ambas as possibilidades podem
ser verdade. Nalguns casos, certamente as dioceses já têm informação sobre os
nomes, mas noutros muito claramente não têm. Tomando o caso do Funchal, como é
que a diocese pode ter acesso a mais informação sobre um padre que ou não
existe, ou está mal identificado?
O primeiro problema esteve na
forma como os bispos reagiram à recepção dos nomes. Estavam à espera de mais dados,
mas em vez de dizerem claramente que tudo iriam fazer para obter a informação
necessária e averiguar cada caso, enfatizaram as dificuldades processuais. Aos
poucos começamos agora a ver alguma luz no fundo do túnel, com cada vez mais dioceses
a publicar comunicados e a esclarecer exactamente o que é que a sua lista
contém e o que têm feito.
Mas à medida que esses dados
são revelados, a imagem da própria comissão também fica afectada, sabendo que uma grande percentagem dos nomes correspondem a padres que já morreram, que não são conhecidos ou que já não exercem e por isso estão fora da alçada da Igreja. Há ainda casos de padres que já têm processos a decorrer ou que já tiveram e foram concluídos. Só uma pequena minoria, por enquanto é que são casos novos e que podem ser afastados preventivamente.
Aqui encontram toda a informação sobre o que se vai sabendo da lista, sistematizada.
O que nos leva a fazer uma pergunta evidente. Para a Comissão Independente qual é exactamente o critério que foi usado para “activo”? Não há nenhuma forma de justificar a inclusão de um padre morto numa lista de abusadores activos. Um ou dois casos, por lapso, ainda se compreende, ou poderia ter acontecido um padre morrer desde que a lista foi elaborada, mas todos os padres que até agora se sabe que já morreram estão mortos há vários anos, incluindo num caso há 60 anos. O que é que esses nomes estão lá a fazer?
Mas mesmo em relação aos
vivos, o que é que é suposto um bispo fazer em relação a um homem que já passou
ao estado laical, não estando por isso sujeito a qualquer supervisão eclesial
ou processo canónico e se calhar nem vive em Portugal? Obviamente não pode
fazer nada.
E depois temos os casos – pelo
menos um já confirmado – de padres que não podem, nem devem ser suspensos, uma
vez que já foram investigados por estas alegações e concluiu-se que não existe
matéria para os acusar, ou então foram acusados e ilibados, ou mesmo, como
poderá acontecer, que foram acusados e condenados a outras penas que não a
remoção do estado clerical. A excepção será se emergirem novas informações que
permitam reabrir os processos, mas caso não existam, nada mais haverá a fazer.
Por fim – e ainda não foi
revelado nenhum caso, mas é natural que exista – pode haver nomes nas listas de
padres que já estão afastados do exercício do sacerdócio precisamente porque já
estão sob investigação.
Olhando para os números de que
já dispomos, a proporção de padres afastados cautelarmente é menor do que 18%,
pelo que numa lista que contém pouco mais de cem nomes, talvez possamos contar
com uma vintena de casos de novos afastamentos cautelares – claro que isto vale
o que vale. Por outro lado, a continuar a este ritmo, cerca de 40% dos padres
na lista já terão morrido, o que me parece chocante e revela um trabalho mal
feito pela Comissão Independente neste campo.
Qual é a conclusão que podemos
tirar daqui? É que os bispos e a Comissão Independente têm de voltar a falar. Os
bispos têm de parar de se escudar no facto de só terem listas de nomes a seco,
e fazer como pelo menos duas dioceses já fizeram, contactando a Comissão e pedindo
mais dados. Não me parece complicado. E a Comissão tem de parar de insistir que
os bispos já têm todos os dados quando muito claramente não têm e a própria Comissão
mostrou não conseguir fazer uma lista em condições.
Fechem-se numa sala, conversem
o tempo que for preciso e no final dêem uma conferência de imprensa conjunta em
que explicam como é que as dioceses e a comissão vão ultrapassar as
dificuldades que surgiram com esta lista.
Nem é uma questão de salvarem a própria face. Há 500 pessoas que estão a olhar para isto e esperam ver as suas histórias e as suas denúncias valorizadas. Mas há muitas outras, só Deus sabe quantas, que ainda não encontraram a coragem de denunciar as suas situações e que estão a ver se tudo isto vale a pena, ou se é uma futilidade. Essas pessoas merecem que vocês se orientem e que lhes dêem a esperança de que as suas histórias e experiências podem ser valorizadas. Por elas, por favor, façam esse esforço.
De acordo. Que se sentem para se explicarem. Ontem, na entrevista à RR, o Dr. Laborinho Lúcio manifestou o objectivo desconhecimento das decisões da CEP. Não percebeu que a nova CI vai ser constituída por leigos especialistas nas diversas áreas pertinentes, que a celebração formal do pedido de perdão da Igreja vai ser em Abril, em Fátima e não na JMJ, onde o que se vai fazer é a colocação de um memorial sobre as vítimas, etc...
ReplyDeleteQuanto aos números, era indispensável esta actualização. Falta fazer um pequeno quadro por diocese, com o nº de alegados abusadores (AA) indicados pela CI, os que já morreram, os que deixaram o ministério, os já foram objecto de medidas cautelares, os que já foram sancionados e os desconhecidos.
Explicar que as Dioceses que já se pronunciaram foram aquelas com menos AA. Aquelas que têm mais casos tem um trabalho acrescido de verificação e cruzamento de dados.
"Seguiu-se a confusão que já se sabe, com D. José Ornelas a protagonizar uma conferência de imprensa em que conseguiu a proeza de dizer quase tudo ao contrário do que devia ter feito"--> mas pq é que "devia ter feito"?
ReplyDelete"Há 500 pessoas que estão a olhar para isto e esperam ver as suas histórias e as suas denúncias valorizadas"--> será mesmo assim?
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