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Casey Chalk |
O romancista católico americano Walker Percy perguntou
certa vez: “Porque é que ninguém acha incrível que na maior parte das cidades
do mundo existem judeus, mas não existe um único hitita, apesar de os hititas
terem tido uma rica civilização numa altura em que os judeus eram um povo fraco
e obscuro? Quando encontramos um judeu em Nova Iorque ou em Nova Orleãs, ou em
Paris, ou em Melbourne, é incrível que ninguém ache isso incrível. O que fazem
aqui? Se há aqui judeus, porque não existem hititas? Mostrem-me um hitita em
Nova Iorque”.
É uma boa pergunta, sobretudo à luz dos recentes ataques
antissemitas em Nova Iorque e noutras partes do mundo. Mas eu vou mais longe e
digo que os judeus atestam a credibilidade da existência de um Deus pessoal, de
aliança.
A credibilidade, embora frequentemente menosprezada, é
uma parte importante da nossa fé católica. É abordada logo no início do
Catecismo da Igreja Católica (#156). O teólogo e judeu convertido ao
catolicismo, Lawrence Feingold, argumenta que há vários “sinais sobrenaturais
que manifestam a ação milagrosa de Deus”.
O Catecismo explica: “para que a homenagem da nossa fé
fosse conforme à razão, Deus quis que os auxílios interiores do Espírito Santo
fossem acompanhados de provas exteriores da sua Revelação”. Estas incluem “os
milagres de Cristo e dos santos, as profecias, a propagação e a santidade da
Igreja, a sua fecundidade e estabilidade” que servem como “sinais certos da
Revelação, adaptados à inteligência de todos (…) mostrando que o assentimento
da fé não é, de modo algum, um movimento cego do espírito”.
Feingold comenta: “Os judeus vêem a existência continuada
do povo e da fé judaicos através de tantos séculos, e por entre tantas
calamidades, incluindo de um exílio de dois mil anos da sua pátria ancestral,
como um grande sinal da credibilidade da revelação mosaica que formou a fé.”
Pense em todas as nações que desapareceram da história.
Genesis 15 refere, entre as tribos que ocupam a terra de Canaã, os quineus, os
quenizeus, os cadmoneus, os hititas, os refaítas, os perizeus, os amorreus, os
cananeus, os guirgaseus e os jebuseus. Ou, para quem teve de aprender latim no
liceu, consideremos as tribos da Gália conquistadas por Júlio César:
tectósages, arvernos, bitúriges, sénones, vénetos, etc..
Assim, o teólogo judeu Michael Wyschogrod observa que
“parece um povo indestrutível. Enquanto que todos os povos do mundo antigo
desapareceram há muito, o povo judeu continua a viver como vive há dois mil
anos.” É certamente um facto admirável, embora haja outras culturas que possam
traçar uma ligação aos seus antepassados de há milénios, como os iranianos
(persas), os chineses e as tribos dos Andes, na Bolívia e no Perú, entre
outros.
Passamos então para outro aspecto de credibilidade: a fé
judaica. Não é simplesmente o faco de os judeus terem aguentado a prova do
tempo, é também a sua tradição de fé única. Ser judeu é ser membro de uma
comunidade religiosa, cujas tradições remontam ao início da história. Desde o
tempo das pirâmides e da Troia de Homero, os judeus adoram YHWH, lêem as
escrituras hebraicas, praticam ritos como a circuncisão e observam as mesmas
restrições alimentares. Como diz Feingold, “mantêm a mesma fé há bem mais de
três milénios!”.
Tudo bem, dirá um céptico, e os hindus, do subcontinente
indiano, não praticam a mesma religião há cerca de quatro mil anos? Muitos
destes hindus, pelo menos os das classes mais altas da sociedade, os brâmenes,
estão igualmente focados em proteger a pureza e a exclusividade do seu grupo
religioso, linguístico e racial.
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Marcas da existência de judeus em Portugal |
O que nos leva a um elemento paradoxal desta teoria da
credibilidade: a bizarra recusa dos judeus de se despegarem da sua identidade,
mesmo quando já rejeitaram a maioria dos seus elementos. Apercebi-me disto
quando encontrei um exemplar da Atlanta Jewish Times. A revista, com cerca de
40 páginas, tem várias histórias sobre judeus e judaísmo – os seus feriados,
notícias, sucessos. Mas apesar de uma série de histórias sobre sinagogas e
rabinos, não encontrei uma única referência a Deus em toda a publicação. Nada
de teologia. Nem uma coluna, como costuma existir nos jornais diocesanos, sobre
crescimento espiritual.
É verdade que a minha experiência limitou-se a uma edição
do Atlanta Jewish Times, mas ficaria muito admirado se YHWH aparece mais do que
uma mão cheia de vezes na revista, anualmente. Isto deve-se ao facto e a
maioria dos judeus serem agnósticos ou ateus. Um estudo de 2011 revelou que
metade de todos os judeus americanos têm dúvidas sobre a existência de Deus.
Isto comparado a 10-15% de outros grupos religiosos americanos.
Contudo, apesar do que poderíamos considerar uma profunda
“falta de fé” dos judeus, até os ateus mantêm-se comprometidos com os seus,
mesmo quando os pais, ou até os avós, não são crentes, como acontece cada vez
mais.
Conheço muitos judeus que, apesar de não terem fé, mantêm
certas observâncias judaicas e até vão com frequência à sinagoga. Porquê? Porque
é que um grupo demográfico de língua inglesa, nacionalidade americana e crenças
religiosas inexistentes continua a identificar-se tão fortemente com o judaísmo?
Talvez porque algum poder transcendente (como Deus) os
marcou, marcou de forma tão indelével, que mesmo quando perderam a fé em YHWH
essa marca persistiu. De que outra forma podemos explicar, citando Feingold, “a
sua contínua vitalidade, através de tantos séculos, até aos dias de hoje?”. Não
tenho melhor resposta do que acreditar, como alguns judeus e muitos cristãos,
que Deus os escolheu.
Como lemos no nosso próprio catecismo: “É ao povo judaico
que ‘pertencem a adopção filial, a glória, as alianças, a legislação, o culto,
as promessas [...] e os patriarcas; desse povo Cristo nasceu segundo a carne’;
porque ‘os dons e o chamamento de Deus são irrevogáveis’.”
O povo judeu, e a sua fé, são mais do que curiosidades históricas
– são um dos sinais da credibilidade do Deus da Revelação. Se assim for, ser
antissemítico é mais do que apenas preconceito. É uma declaração de guerra
contra o próprio Deus.
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