Wednesday 30 April 2014

Não fala o Manuel, fala o Manuel! (E canta o Bob)

Actualidade Religiosa confirma que
Bob Dylan não é o porta-voz da CEP
D. Manuel Clemente foi reeleito presidente da Conferência Episcopal, ontem ao final da tarde. O porta-voz, padre Manuel Morujão, está de saída, sendo substituído pelo padre Manuel Barbosa.

Também ontem D. Ilídio Leandro comentou a questão das “barrigas de aluguer”, manifestando a oposição da Igreja a este assunto que está a ser discutido no Parlamento.

Nasceu hoje uma plataforma que torna o voluntariado mais fácil. Chama-se Dar e Receber e é um projecto do EntreAjuda e da Cáritas.

Atentado na China. Não há mortos, por enquanto, mas há feridos e há os suspeitos do costume, os militantes Uighur, que são muçulmanos e reivindicam independência para a sua região.

Hoje é quarta-feira e por isso trago-vos mais um artigo do The Catholic Thing. Confesso que sou fã de Francis J. Beckwith, que por sua vez é fã de Bob Dylan, o que resultou no artigo do qual sublinho este excerto: “Frequentemente media o Cristianismo dos outros, não com base na sua identificação com Cristo mas de acordo com a sua concordância inequívoca com uma série de “doutrinas essenciais”, como se o primeiro evento da vida depois da morte fosse um exame de teologia. Estudei, defendi e protegi Jesus, como se ele precisasse da minha ajuda. Não o amava.”

“Trouble in Mind”

Francis J. Beckwith
“When the deeds that you do don’t add up to zero
It’s what’s inside that counts, ask any war hero
You think you can hide but you’re never alone
Ask Lot what he thought when his wife turned to stone
Trouble in mind, Lord, trouble in mind
Lord, take away this trouble in mind”
Bob Dylan, “Trouble in Mind”

Fez sete anos esta segunda-feira, dia 28 de Abril, que fui recebido novamente na Igreja Católica, depois de quase três décadas como Evangélico. Como já escrevi em vários locais, incluindo no meu livro “Return to Rome” e na minha contribuição para o livro “Journeys of Faith”, havia certas questões teológicas para as quais eu precisava de respostas plausíveis antes de poder ser reconciliado com a Igreja. Pelo menos foi assim que compreendi a minha própria peregrinação.

Mas agora, olhando para trás, com o benefício tanto do conhecimento actual e de sete anos como católico praticante, estou convencido de que a procura dessas respostas às questões teológicas, embora central para o meu regresso, foi auxiliada por uma sede mais profunda, de que não estava bem ciente em 2007.

A minha fé cristã tinha-se tornado, em grande parte, uma extensão dos meus projectos académicos enquanto filósofo profissional. É claro que não há mal em encarar a nossa fé como pertencendo a uma tradição intelectual que pode ser racionalmente compreendida, explicada e defendida. Afinal de contas, alguns dos nossos antecessores mais admiráveis, incluindo Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, para não falar no agora santo Papa João Paulo II, eram filósofos cristãos da melhor qualidade.

Mas no meu caso, quase tudo sobre as minhas crenças tinha sido reduzido a uma questão de procurar argumentos e criticar os meus adversários. A minha fé, ou o que restava dela, tinha-se tornado um programa de investigação intelectual, que agora, em retrospectiva, parecia mais um exercício de autoconvencimento, mais do que uma tentativa de persuadir os outros. Era como um homem que, tendo-se casado, passa todas as horas a tentar ser um bom marido lendo livros sobre o matrimónio, mas ignorando a sua mulher.

Trouble In Mind ( Slow Train by Bob Dylan on Grooveshark

Eu tinha adoptado uma visão sobre-intelectualizada da fé cristã que me tinha fornecido um tesouro inesgotável de críticos a derrotar e de discussões para vencer, mas que me tinha deixado com uma espiritualidade diminuída, sustentada apenas pelas cascatas de ansiedade e de euforia que acompanham o pugilismo filosófico. Por esta razão, frequentemente media o Cristianismo dos outros, não com base na sua identificação com Cristo mas de acordo com a sua concordância inequívoca com uma série de “doutrinas essenciais”, como se o primeiro evento da vida depois da morte fosse um exame de teologia. Estudei, defendi e protegi Jesus, como se ele precisasse da minha ajuda. Não o amava.

Recentemente vi um bocadinho desse antigo “eu” numa série de comentários de um escritor, blogger e apologista protestante. Num post em que descreve o Papa Francisco como um “falso professor”, este autor escreve: “Embora Francisco lave os pés de prisioneiros e beije a face aos deformados, fá-lo com base em, e apontando para, este falso Evangelho, que não conduz a Cristo, mas sim directamente para longe dele”.

Este “falso Evangelho”, segundo o autor, consiste na visão católica da justificação, que, como referi num post, ele claramente não compreende. Mas estas confusões à parte, pensem na mensagem que isto transmite aos evangélicos, bem como não crentes, que o lêem: Seguir Jesus, obedecendo aos seus mandamentos, não é a forma correcta de conduzir pessoas a Nosso Senhor. O que é preciso é convencer as pessoas de que os seus argumentos são melhores que os deles.

Esse era eu, antes do meu regresso a Roma. O que eu não compreendi durante muitas décadas, aquilo que a Igreja Católica de facto ensina, é que a vida da fé, como o estado do matrimónio, requer devoção total de corpo, alma e mente. Estar em comunhão com a Igreja não pode ser reduzido a uma lista de “doutrinas essenciais” para as quais se reúnem uma série de argumentos apologéticos capazes de contrariar os desafios da descrença. Embora a tradição intelectual da Igreja ofereça ao mundo um vasto reservatório de autores, perspectivas, santos e sábios para satisfazer a sede filosófica, a sua sabedoria acumulada deriva da riqueza da sua vida litúrgica.

Era dessa vida que eu tinha sede. Os sacramentos e os sacramentais, as devoções e os livros de orações, a Bíblia e o breviário, fazem tanto parte da minha vida cristã que não consigo imaginar-me sem eles. Mas não é uma piedade de mera solidão. Está fortemente amarrada a uma compreensão do Evangelho vivido na prática das virtudes teológicas: fé, esperança e caridade. É a graça suave, expressada nas mãos estendidas de um Papa a lavar os pés aos seus irmãos. E essa é uma boa nova.


(Publicado pela primeira vez na Sexta-feira, 25 de Abril de 2014 em The Catholic Thing)

Francis J. Beckwith é professor de Filosofia e Estudos Estado-Igreja na Universidade de Baylor. É autor de Politics for Christians: Statecraft as Soulcraft, e (juntamente com Robert P. George e Susan McWilliams), A Second Look at First Things: A Case for Conservative Politics, a festschrift in honor of Hadley Arkes.

© 2014 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte:info@frinstitute.org

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.

Tuesday 29 April 2014

De concílios, revoluções e discussões

A caminho de Paris?
Começou esta manhã a reunião plenária da CEP. D. Manuel Clemente fez o discurso de abertura e recordou que tanto o Concílio Vaticano II como o 25 de Abril estão ainda por cumprir plenamente.


Faz hoje 9 meses que foi raptado o padre Paolo Dall’Oglio, na Síria. A sua família voltou a pedir a libertação do jesuíta e um site italiano diz que a informação indica que ele está vivo. Bom sinal, pelo menos!

Por fim, andam cabeções na estrada em França. Dois mil padres, diáconos, religiosos e seminaristas disputem o troféu de ciclismo para o clero.

Ontem apontei para uma reflexão que publiquei no blog sobre a questão dos divorciados, recasados e o acesso à comunhão. Tem motivado bastante discussão, tanto no espaço dos comentários como no Facebook. Gostaria de realçar três coisas.

1º Esta é uma reflexão, não mais que isso. Admito perfeitamente que esteja enganado em relação ao assunto. Se os bispos reafirmarem o “status quo”, serei o primeiro a aceitar e a recomendar que quem “fura o esquema” actualmente, acate obedientemente essa decisão.

2º Ao contrário do que eu mesmo esperava, a discussão à volta do tema tem sido civilizadíssima e muitíssimo interessante. Este é um tema que toca muita gente e que infelizmente é rapidamente visto como uma guerra entre “conservadores e liberais”. Fico muito contente por ver a elevação com que tem decorrido tanto no blogue como no Facebook.

3º O que mais gostaria de sublinhar é que desde que publiquei o texto, e no seguimento das discussões, já três pessoas me enviaram e-mails ou mensagens pessoais a contar as suas próprias experiências, algumas profundamente dolorosas. São testemunhos nalguns casos contrários. Mas o que realço é que isto só é possível porque estas pessoas entenderam que eu entro nesta discussão de boa-fé e não com qualquer “agenda escondida”. Temo que haja quem não tenha compreendido bem isso, gostaria por isso de salientá-lo. Obrigado a todos!

Monday 28 April 2014

Papas (e mais papas), islamitas e divorciados

Foi um fim-de-semana em grande para assuntos papais.

Dois Papas canonizaram outros dois papas diante de mais de um milhão de pessoas. É seguro dizer que Roma nunca viu nada assim.

Mas a verdade é que, para a Igreja Católica, João Paulo II e João XXIII são agora santos.

Na sua homilia o Papa Francisco disse que são os santos que fazem crescer a Igreja. Mas no fim da homilia houve também uma referência ao sínodo para a família… leiam e tirem as vossas conclusões.

Por isto, e por causa da questão do telefonema do Papa, decidi escrever uma curta reflexão (que não pretende ser mais que isso), sobre a questão do acesso à comunhão por parte dos divorciados e recasados. Leiam e deixem a vossa opinião.

Mudando de assunto, o Tribunal no Egipto recomendou a pena de morte para cerca de 700 militantes da Irmandade Muçulmana. Recomendou? Pois… é complicado, mas o artigo explica.

Termino com três avisos.

Primeiro, para todos os ex-membros das Equipas de Jovens de Nossa Senhora, inscrevam-se no jantar de angariação de fundos para o encontro internacional, que este ano se realiza em Portugal. São 20 euros por pessoa, mas é por uma causa boa! Eu vou.

Segundo, a II Semana de Cultura e Identidade Cristã, organizada pelo Instituto Superior de Ciências Religiosas de Aveiro (ISCRA).

E por fim, o MSV está a organizar um jantar de angariação de fundos também, para financiar um projecto no Príncipe. É no dia 30 de Abril, em Lisboa. Os interessados devem pedir mais informação para este contacto

Divorciados, recasados e comunhão

 [Nota: A seguir a este texto escrevi um novo, com as conclusões da discussão que decorreu a este propósito. Aconselho a sua leitura também]

Este ano não há nada a fazer, o tema do casamento, das segundas uniões e do acesso aos sacramentos para pessoas em uniões irregulares não vai acalmar.

Em Outubro do ano passado o Papa convocou um sínodo para a Família, que vai inevitavelmente abordar estes temas, entre outros. Foi feito um inquérito aos fiéis, o que conduziu logo a uma maior atenção mediática e maior discussão nas redes sociais.

Desde essa altura temos assistido, a meu ver tristemente, a uma guerrilha pública entre cardeais, com uns e outros a apresentar os seus argumentos procurando marcar terreno. Pior, nalgumas dioceses vemos mesmo uma antecipação ao sínodo, procurando dessa forma condicionar as suas conclusões.

Até agora, tanto quanto vi, toda a discussão se tem centrado na indissolubilidade do casamento. Mas será a única abordagem? E se víssemos a questão pela perspectiva do acesso à comunhão?

Hoje em dia estamos habituados à ideia de que todos podem comungar, todos os dias se quiserem. Mas nem sempre foi assim. Antigamente a comunhão, para os leigos, era uma coisa rara. Comungava-se na Páscoa, e eventualmente numa ou noutra celebração importante. E para isso era necessário ter-se confessado imediatamente antes.

Aliás, tudo isto apenas é possível porque se verificaram mudanças no entendimento do acesso à confissão. Antigamente a pessoa confessava-se uma vez, de preferência à beira da morte. Mais tarde, por iniciativa de monges irlandeses, nasceu o hábito da confissão frequente.

E se os bispos chegarem à conclusão que, da mesma maneira que se mudou a prática em relação à comunhão frequente, era agora possível dar mais este passo e admitir à comunhão pessoas que anteriormente estariam excluídas? Se em vez de se encarar a Eucaristia como o coroar de um “Estado de Graça”, se encarar como um auxílio também para quem falhou mas quer continuar a caminhar e não desistir de crescer na proximidade com Deus?

Há um grande obstáculo a este raciocínio. “Portanto, todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente será culpado de pecar contra o corpo e o sangue do Senhor. Examine-se cada um a si mesmo e então coma do pão e beba do cálice. Pois quem come e bebe sem discernir o corpo do Senhor come e bebe para sua própria condenação”, diz São Paulo numa epístola aos Coríntios.

Contudo quem, se não a Igreja, tem a legitimidade para determinar quem é digno ou indigno? No tempo de São Paulo, provavelmente uma pessoa a viver em estado de adultério seria considerada indigna de comungar, mas na mesma medida, digo eu, seria considerada indigna sequer de ir à missa, de estar à mesa do Senhor.

Se a Igreja já disse várias vezes que os divorciados e recasados podem e devem estar integrados na vida da Igreja, que devem estar à mesa do Senhor, então não os pode admitir à comunhão? Faz sentido convidá-los para se sentarem à mesa mas não comer?

Pessoalmente, penso que este pode ser um caminho que dá aos milhões de pessoas que aguardam uma resposta da Igreja o sinal de esperança que não os desilude, sem no entanto abdicar da ideia da indissolubilidade do casamento, que é fundamental.

Este texto é uma mera reflexão. Não é uma reivindicação, nem quero colocar no lugar dos bispos. Eles que reúnam, que discutam, que decidam, é isso que esperamos deles!

Thursday 24 April 2014

No Chibo, No Fly!

A polémica estalou ontem, com a notícia de que o Papa Francisco terá telefonado a uma mulher a viver em união de facto, dizendo-lhe que podia comungar. Ao fim do dia o Vaticano confirmou a existência da conversa, recusando comentar o conteúdo.

Esta manhã a sala de imprensa lançou um comunicado sobre a conversa pessoal do Papa, dizendo que uma vez que a conversa era pessoal, não devemos esperar comunicados da sala de imprensa. (Podia ser inventado, mas não é). E a deixar claro que os telefonemas do Papa não afectam o magistério.

A dias da canonização, mais um trabalho de grandes dimensões, desta feita sobre o Concílio Vaticano II, iniciado por João XXIII e no qual participou João Paulo II. Aura Miguel está em Roma por isso quem quiser acompanhar tudo sobre a canonização já sabe que o pode fazer na antena ou no site da Renascença.

Uma notícia interessante dos Estados Unidos. Parece que o FBI andou a ameaçar muçulmanos, dizendo que os colocava na lista de proibição de voar, caso não se tornassem informadores.

Wednesday 23 April 2014

Tristeza de Francisco, condolências de Erdogan

Gilberto Rodrigues Leal
Ontem, ao fim do dia, um grupo islamita do Mali anunciou que um refém que estava na sua posse há mais de um ano e meio tinha morrido. Não se sabe como nem porque é que Gilberto Rodrigues Leal (que como o nome indica é luso-descendente) morreu, mas França já prometeu que isto não passará impune, enquanto a família aponta o dedo ao Governo e aos media franceses.

Também ontem D. Manuel Clemente foi orador convidado no Grémio Literário, tendo recordado a análise feita pelos bispos de então ao estado do país, antes do 25 de Abril.

Esta manhã o Papa Francisco falou da sua tristeza pelos desempregados, depois de ter recebido um vídeo enviado por trabalhadores de uma fábrica que que vai fechar.

Esta tarde o primeiro-ministro da Turquia surpreendeu ao falar da forma como os arménios foram tratados pelo Império Otomano, em 1915. Erdogan enviou condolências aos descendentes e falou em actos com consequências desumanas.

Estamos cada vez mais próximos da canonização de João XXIII e João Paulo II. É precisamente disso que fala Robert Royal, no artigo desta semana do The Catholic Thing, em português.

Um Século de Grandes Papas

João XXIII e João Paulo II: Não estamos a falar só de dois dos Papas mais influentes, mas de dois dos homens mais influentes do século XX – e não só. Não é fácil imaginar como seria a Igreja Católica, ou o mundo, sem eles. Mas facilmente percebemos que quer aquela quer este seriam muito diferentes, de muitas formas. Esse facto, associado à clara santidade de ambos os líderes modernos, é a razão pela qual o Papa Francisco os vai canonizar, em conjunto, este Domingo.

Mas estão em boa companhia. Desde que o grande Leão XIII inaugurou a Doutrina Social moderna da Igreja Católica e renovou os estudos tomistas, a Sé de Pedro tem sido ocupada por homens muito diferentes. Académicos, diplomatas, filósofos, até montanhistas (Pio XI e João Paulo II). Tiveram de lidar com ideologias modernas como o fascismo, nazismo e comunismo – e venceram, eventualmente. O Papa Francisco confronta o materialismo funcional e o ateísmo do nosso tempo. Mas não devemos pensar que isto é algo fora do comum: todos os Papas modernos tiveram de enfrentar desafios sérios.

Ainda assim, como praticamente toda a gente compreende, incluindo não-católicos, João XXIII e João Paulo II ocupam um terreno especial. João XXIII, por exemplo, fez toda a sua carreira como diplomata do Vaticano e nunca foi pároco, mas foi sempre um homem do povo. Ele identificou a necessidade de uma Igreja mais “pastoral” e evangélica – sem que fosse preciso alterar a doutrina para lá chegar. Mas sabemos o que aconteceu depois do Concílio Vaticano II – Grandes renovações, mas também grande confusão. (Lidei com esta questão aqui, no 50º aniversário da abertura do Concílio).

Muito se tem especulado sobre as intenções do Papa Roncalli ao convocar o Concílio e o que ele teria achado do resultado. Mas olhando para a sua vida – mesmo através das muitas biografias que se aproximam do “espírito do Concílio” – é difícil encontrar provas de que o Papa pretendia a grande ruptura de vocações, prática religiosa e ensinamento que se seguiu. Caso tivesse vivido tempo suficiente para assistir a isso teria achado um desastre. O azar dele foi ter convocado o Concílio no mesmo instante em que a cultura ocidental estava prestes a mudar de paradigma, de residualmente cristã, um mundo que ele acreditava que podia ser vigorosamente catequizado, para um mundo pós-, e em grande medida anticristão.

Essa é a cultura em que vivemos actualmente e na qual a Igreja é agora chamada a fazer caminho.

João Paulo II era um bispo activo e jovem durante o Concílio e mostrou na sua diocese de Cracóvia aquilo que ele, e muitos outros, consideravam que o Concílio significava verdadeiramente. Organizou uma série de sínodos em Cracóvia, que ainda decorrem, que implementaram o Concílio de uma forma muito mais fiel e ordenada que em qualquer outra parte do mundo. Para além do seu papel gigante no palco do mundo, e o seu papel na derrota do Comunismo – levando o seu compatriota e também vencedor do Nobel da Paz, Czeslaw Milosz, a dizer que era o único líder mundial do seu tempo que poderia ter sido um dos reis de Shakespeare – a sua mão firme em Roma durante o último quarto do Século XX estabilizou a Igreja inteira.


Já estamos a ver algumas fontes seculares a contestar o seu legado, dizendo que está “manchado” pelo falhanço em lidar com a crise dos abusos sexuais (João Paulo II também foi enganado pelo padre Marcial Maciel nos seus anos finais). Mas ninguém pode fazer tudo. Derrotar o comunismo e recuperar o ensino da Igreja já seria um trabalho a tempo inteiro para a maioria das pessoas, João Paulo II fez ambos e muito mais. O seu pontificado trouxe respeito renovado para a Igreja e um reconhecimento da sua liderança moral que não tinha paralelo em qualquer outro líder mundial do seu tempo.

A Igreja Católica precisa muito de uma integração verdadeira daquilo que é o melhor do legado de ambos estes homens enquanto procura lidar com um mundo que só pode ser descrito como crescentemente hostil ao Catolicismo. Foi genial por parte do Papa Francisco não só decidir canonizar ambos, mas fazê-lo no mesmo dia, este domingo.

O melhor que podemos esperar deste gesto é um regresso a um Catolicismo completo, um Catolicismo definido pela lealdade a todo o corpo doutrinal da Igreja e não a agendas políticas ou ideológicas. Roncalli e Wojtyla estavam ambos suficientemente convencidos da sua fé para entrarem em diálogo com o mundo moderno. Ambos acreditavam ainda que seria possível fazê-lo sem comprometer a doutrina.

Há anos que debatemos a abordagem “pastoral” versus a “doutrinal” – e aplicamos os rótulos com demasiada facilidade a este ou aquele Papa. Os Papas João Paulo I e II tentaram, com as escolhas dos seus nomes, criar uma ponte entre a abertura de João XXIII e a fidelidade agonizada de Paulo VI (que o Papa Francisco recentemente caracterizou como “heróico” e “profético” ao manter o ensinamento quanto à contracepção). Mas isso não resolveu o problema; há mais trabalho a fazer.

Temos de começar por compreender que o pastoral é simplesmente o doutrinal, aplicado de forma caridosa e inteligente. Já o disse antes, mas vale a pena repetir: Uma abordagem pastoral sem a orientação da doutrina é como um médico que lida lindamente com os doentes mas não percebe nada de medicina. Se queremos ajudar os outros, primeiro temos de saber o que é o bem para todos. A aplicação rígida e descuidada de doutrina não é boa prática nem teoria sã. “O conhecimento dirigido ao coração”, para usar um termo do Cardeal Newman, é o ideal católico. João Paulo II e João XXIII, por mais diferenças que tinham entre eles, davam corpo a esse ideal. Esperemos que a Igreja e o mundo compreendam isso um dia.

***************

O The Catholic Thing fará um acompanhamento intensivo das canonizações, que podem acompanhar através do site, a partir de quinta-feira. Ao longo dos próximos dias vamos ainda proceder à angariação de fundos que ajudam a financiar o nosso projecto.

[Nota: Quaisquer donativos vão directamente para o The Catholic Thing e não para o Actualidade Religiosa]


Robert Royal é editor de The Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute em Washington D.C. O seu mais recente livro The God That Did Not Fail: How Religion Built and Sustains the West está agora disponível em capa mole pela Encounter Books.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quarta-feira, 23 de Abril de 2014)

© 2014 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org


The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.

Tuesday 22 April 2014

Páscoa em Roma, na Síria, e numa prisão paquistanesa

Narendra Modi
Antes de mais, espero que todos os cristãos e judeus tenham tido uma Santa Páscoa. Talvez não tenham notado, mas este ano a Páscoa calhou no mesmo dia no calendário gregoriano e no calendário juliano, e na mesma semana que as festividades dos judeus.


É ainda com tristeza que vemos que esta foi mais uma Páscoa atrás das grades para Asia Bibi, a paquistanesa acusada de blasfémia.

Passada a Páscoa, as atenções focam-se nas canonizações de João Paulo II e João XXIII, que terão lugar no próximo Domingo. Ontem a Aura Miguel fez um trabalho excelente sobre João XXIII. Esta terça-feira foi a vez de João Paulo II, visto pelos olhos do seu “porta-voz” de 20 anos, Joaquín Navarro-Valls.

A Renascença aproveitou ainda estes dias para relançar um trabalho multimédia, devidamente actualizado, sobre João Paulo II, que não devem mesmo perder.

Mudando de ares… os cristãos e os muçulmanos na Índia estão preocupados com a possível eleição de Narendra Modi para primeiro-ministro. Saiba aqui porquê…

Wednesday 16 April 2014

Ressurreição, Pureza e Fúria


Depois de duas reportagens da Aura Miguel sobre morte, vida e ressurreição, hoje foi a minha vez. Cinco personalidades públicas dão o seu testemunho sobre porque faz sentido acreditar na Ressurreição… Desde o cantor rock até ao ex-deputado do Bloco de Esquerda. Ver para crer… aliás, crer sem ver… vejam.

Num ano em que vemos serem realizados filmes bíblicos, um olhar pela história deste género que tem quase 100 anos e algumas recomendações de filmes imperdíveis.

Fartos de matar homens inocentes, mulheres e crianças, os corajosos militantes do Boko Haram decidiram agora raptar 100 alunas de uma escola na Nigéria.

Hoje há artigo novo do The Catholic Thing. Randall Smith explica porque é que se recusa a comentar politiquices do Vaticano. Bons conselhos para todos, a começar por mim.

E vai decorrer já no início de Maio um encontro ibérico de capelães prisionais. Todos os interessados são convidados a participar. O programa promete e o tema é importantíssimo! Ainda por cima é barato… inscrições ou dúvidas para aqui.

Eu volto na segunda-feira. Já sabe que na Renascença pode acompanhar toda a actualidade nestes dias de Páscoa.

Porque Não Escrevo sobre o Vaticano

Randall Smith
Na qualidade de professor de teologia recebo vários pedidos para comentar “desenvolvimentos” no Vaticano. “Pode comentar o facto do Papa Francisco ter mandado este cardeal para aqui e mudado aquele para ali?” “O que é que isto significa para a Igreja?” “Como é que vai afectar os católicos?” Tenho de lhes dizer: “Desculpe, mas não comento politiquices do Vaticano”.

Em primeiro lugar, não sei se as pessoas percebem isto ou não, mas geralmente não cobrem políticas do Vaticano nas licenciaturas de Teologia. Estranhamente, “Mudanças de Cardeais no Vaticano” não foi uma das cadeiras da licenciatura que frequentei. “Lidar com Dicastérios” também não, nem “Arrumar a Casa no Banco do Vaticano”. Por alguma razão, as universidades preferem concentrar-se em Jesus Cristo, a Trindade, as Escrituras, a Igreja, a Salvação, as Virtudes, a Graça, os Sacramentos – coisas desse género.

Por isso eu não sou mais qualificado para comentar a confusão mais recente no Vaticano do que qualquer outra pessoa. E quando ouço outras pessoas a comentar estes assuntos, normalmente também não sabem do que estão a falar. Pode-se contar o número de comentadores fiáveis sobre o Vaticano nos dedos de uma mão – mesmo que tenha perdido alguns dedos.

Já reparei que muitas pessoas papagueiam a ideia de que precisamos de “reformas no Vaticano”, apesar de não terem a menor ideia do que as pessoas no Vaticano fazem. Simplesmente ouviram pessoas a dizer que é preciso reformar o Vaticano tantas vezes que repetem a ideia. A minha suposição é que claro que precisamos de reformas. Quando é que não precisámos de reformas? Reformas constantes, renovação, arrependimento de falhas e dedicação renovada aos objectivos primeiros da instituição – de qualquer comunidade humana! É um dos efeitos do pecado original.

Claro que há alturas em que o Vaticano está melhor e outras em que está pior. Prefiro o melhor ao pior. Mas mesmo quando está “melhor”, é sempre composto por pecadores desgraçados necessitados do perdão, da redenção e da santificação oferecidos por Jesus Cristo.

Não é que eu não queira saber o que se passa no Vaticano, é só que não há nada que possa fazer sobre o assunto. Só sei que precisamos de rezar pelo Papa e todos os membros da Cúria. Portanto é isso que faço. Eles não precisam dos meus conselhos.

Estarei ingenuamente convencido de que farão sempre as escolhas certas? Um olhar rápido por qualquer período da história da Igreja sugere redondamente que não. Mas por outro lado, um olhar para toda a história da Igreja sugere (para quem tem ouvidos para ouvir e olhos para ver) que o Espírito Santo continua a guardar a Igreja e a guiá-la por entre as brumas da história. Dado o carácter de alguns dos coitados que têm sido responsáveis por ela (como aquele tipo que negou sequer conhecer Cristo e que viria a ser o primeiro Papa e a rocha sobre a qual foi edificada), se o Espírito Santo não tivesse protegido a Igreja todos estes anos, como é que teria sobrevivido?

Às vezes preocupo-me quando vejo uma pessoa com fé pouco esclarecida a atrever-se a olhar “para os bastidores” da Igreja. Quando alguém se torna ministro extraordinário da comunhão, por exemplo, o lidar directamente com as hóstias pode levar a uma certa “desmistificação” da Eucaristia. Uma pessoa que não esteja preparada para isso pode ser tentada a pensar: “afinal isto é só um pedaço de pão. Quer dizer, as hóstias são enviadas por correio num saco de plástico!”
 
"Deixem os homens trabalhar!"
Não, não são levadas misticamente por anjos até à porta traseira da Igreja. E antes da consagração, de facto é mesmo apenas pão. O problema é que há pessoas que simplesmente não têm maturidade para compreender que Deus pode pegar na coisa mais rasca e transformá-la na coisa mais maravilhosa.

De igual modo há pessoas que provavelmente não têm maturidade suficiente para pensar sobre a mais recente confusão no Vaticano, porque não terão capacidade para ver como Deus pode pegar até nesta confusão – a fuga dos discípulos, negações de Cristo, crucificação do Salvador – e torná-la um veículo de graça. Se não gosta de ver como a comida é preparada, saia da cozinha.

Na mesma medida, quando o Papa publica uma encíclica ou uma exortação apostólica, leia-a. Tente compreendê-la e vivê-la. É isso que o Vaticano faz e as pessoas deviam-se interessar.

Infelizmente não me parece que seja isso que acontece. Os blogs de queixas e de preocupações recebem muitas visitas. Os artigos que explicam os ensinamentos católicos não, ou pelo menos é isso que me dizem. Não foi São Paulo que nos alertou para “pensar nas coisas que são de cima”? Essa sabedoria encontra-se reflectida naquilo que lemos?

Bem sei que muitas pessoas gostam de saber das politiquices do Vaticano. Mas eu prefiro que os fiéis as ignorem, na medida do possível. Os fiéis têm coisas mais importantes com que se preocupar do que a última “intriga” do Vaticano – coisas do tipo, sei lá, dar de comer aos pobres, ir à missa, tomar conta de pais idosos, criar os seus filhos, melhorar as escolas, renovar os bairros, votar em políticos responsáveis, confessarem-se bem, serem esposos fiéis. A lista de coisas mais importantes que devem preocupar um católico – as coisas sobre as quais podemos, e devemos, fazer alguma coisa – é interminável.

Por isso, por favor rezem constantemente pelo Papa, pelos cardeais e pelos bispos. Rezem para que eles tenham a sabedoria e o amor para acudir fielmente aos apelos do Espírito Santo. Depois deixem o Santo Padre e os bispos fazer o trabalho para o qual receberam do Espírito Santo o Carisma especial. Deixem o Papa preocupar-se com a burocracia do Vaticano. Essa é uma das suas funções – das menos interessantes e mais aborrecidas. Nós, leigos, temos outras coisas com que nos preocupar, sobretudo agora que se aproxima o final da Páscoa.


Randall Smith é professor na Universidade de St. Thomas, Houston, onde recentemente foi nomeado para a Cátedra Scanlon em Teologia.

(Publicado pela primeira vez no Domingo, 6 de Abril 2014 em The Catholic Thing)

© 2014 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.

Tuesday 15 April 2014

Neo-pagão equivocado no Kansas

Odin, o Deus para anti-semitas confusos
No passado domingo um homem matou três pessoas a tiro no Kansas… O que é que isto tem a ver com religião? Para começar, as três vítimas foram escolhidas por serem judias. Para acabar, o autor dos homicídios é um “neo-pagão” que adora Odin. Entretanto todas as vítimas eram, afinal cristãs…

Cada vez mais próximos da Páscoa, hoje a Renascença transmitiu a reportagem sobre duas mulheres que vivem a vida de forma intensa, mas encaram a morte com serenidade. Isabel Jonet e Leonor Castro dão testemunhos que vale a pena ouvir.

E o bispo de Bragança-Miranda recorda na sua mensagem pascal que “não há Páscoa sem Cruz, mas também não há Cruz sem Páscoa”.

Não deixem de ler o artigo da semana passada do The Catholic Thing, que serve sobretudo de alento aos cristãos pessimistas com o rumo do mundo. Perseguição? Been there, done that, e os cistercienses estão de volta a Zirc.

Monday 14 April 2014

Ressurreições há muitas

Depois de uma semana de férias estou de volta.

O mundo não parou e não há espaço para dar conta de todas as notícias que houve entretanto, mas destaco, com particular tristeza, o assassinato de um padre jesuíta que não abandonou nunca o povo que tinha sido chamado a servir, em Homs, na Síria. Deus certamente será tão fiel para com Ele como ele foi para com os seus irmãos. O Papa Francisco não esqueceu este seu servidor.

Por falar em Síria, hoje é notícia que as tropas governamentais voltaram a controlar a vila de Maaloula, um dos mais significativos marcos do Cristianismo no Médio Oriente e que tinha estado nas mãos de islamitas durante vários meses.

Na Nigéria outros islamitas são os principais suspeitos de terem colocado uma bomba num terminal de autocarros que matou 71 pessoas inocentes

A dias da Páscoa, Aura Miguel foi à procura de histórias modernas de morte e ressurreição. Não percam a reportagem (áudio) feita com duas pessoas que estiveram na morte mas conseguiram “ressuscitar” para a vida. Porque ressurreições há muitas e nem todas envolvem morte física.

Chamo também a vossa atenção para o mais recente artigo em português do The Catholic Thing que, em tempos difíceis, traz esta mensagem de esperança: “Quando formos tentados pelo medo de que a Igreja vai ser «varrida pelas forças da história» – aborto, casamento gay, supressão de instituições e empresas católicas – devemos lembrar-nos que houve uma época em que as forças do poder e do dinheiro conspiraram com a elite intelectual da Hungria para suprimir os cisterciences e destruí-los completamente.” Mas sabem que mais? Os cistercienses estão de volta ao mosteiro húngaro de Zirc… Porque ressurreições há muitas, lá está.

Wednesday 9 April 2014

Os Cistercienses Estão de Volta a Zirc

Pe. Placid Czismazia.  Pe. Chris Rabay.  Pe. Roch Kereszty.  Pe. Gilbert Hardy. E, claro, o Pe. David Balas. Estes são os nomes de alguns dos Cisterciences húngaros com quem tive a bênção de estudar quando fiz os meus estudos de pós-graduação na Universidade de Dallas. Todos tinham fugido da Hungria depois da supressão do mosteiro cisterciense de Zirc (pronuncia-se Zeerts), nos arredores de Budapeste. Podíamos ouvir as suas histórias mil vezes e mal teríamos passado a superfície.

Há a história do Pe. Placid, por exemplo, a passear pelas ruas de Budapeste durante a ocupação nazi, arriscando execução sumária no caso de ser apanhado, para poder visitar os seus alunos nas suas casas e acompanhar os seus estudos de Latim e Grego. Disse-me uma vez que queria dar-lhes a máxima regularidade possível e uma sensação de esperança, de estarem a preparar-se para um futuro melhor depois da guerra. E que mais fazer quando o mundo está embrenhado em guerra do que estudar línguas clássicas?

Depois havia o Pe. Chris Rabay, com cerca de um metro e meio, mas duro que nem pedra e com a constituição de uma boca de incêndio, de quem se dizia que tinha carregado um dos seus irmãos cistercienses às cavalitas através das montanhas, depois de este ter partido o tornezelo durante a perigosa travessia.

Havia ainda o Pe. Gilbert Hardy, o paradigma do burocrata da Europa de Leste: os papéis todos em ordem, os formulários todos assinados, os ficheiros completos. Eu irritava-o imenso. Quando era reitor chamou-me ao seu gabinete e exigiu saber: “Rahndy, em que prrugrama estáz?”. “Estou a acabar o mestrado em Teologia e já comecei o mestrado em Filosofia”. Abanou a cabeça. Esta não era a ordem correcta. Perguntou de novo, muito de vagar: “Em que prrugrama estáz?”. Ao que dei exactamente a mesma resposta. Andámos assim para a frente e para trás onze vezes, ele a perguntar, eu a responder. Lembro-me de pensar na altura que ele daria um bom vilão do James Bond. Estava cheio de medo que ele carregasse num botão e me atirasse para uma piscina de tubarões.

As histórias não têm fim. Mas todas essas histórias individuais são parte de uma história maior. Um desses tipos de “história maior” – a história maior de todas – é a história da salvação: a história da nossa queda e redenção pela morte sacrificial de Cristo na Cruz, a sua ressurreição dos mortos e ascensão para a direita de Deus, de onde nos envia o seu Espírito Santo e onde espera para nos receber no seio do Seu Pai, na comunhão eterna de amor Trinitário.

A maioria dos homens que referi aceitaram, para usar as palavras de T.S. Elliot, a “constituição do silêncio". O que é feito agora das suas vidas, das suas lutas, da sua sabedoria, do seu amor? Enquanto cristãos acreditamos que nada foi obliterado nem se perdeu com a morte. Pelo contrário, ficou preservado e glorificado na sua verdadeira Fonte e Fim, naquele que é tanto o Alpha como o Omega.

Mas há outra história, um pouco mais próxima de nós. As autoridades comunistas mandaram esvaziar e fechar o mosteiro cisterciense em 1950. Muitos dos monges fugiram do país e estabeleceram novas abadias em locais inóspitos e selvagens como Spring Bank, Wisconsin e Dallas, Texas, enquanto outros continuaram a viver clandestinamente na Hungria, alguns como padres diocesanos, outros como leigos, mantendo os seus votos e celebrando missas em privado, na medida do possível.
 
A abadia de Zirc
Mas em 1989, depois de o povo da Hungria ter sido libertado do “paraíso comunista” que os soviéticos lhe tinham impingido, aconteceu uma coisa incrível: A ordem cisterciense recebeu o mosteiro de Zirc de volta, bem como quatro escolas. O problema era (e é), que o mosteiro de Zirc foi construído ao longo de séculos e em tempos passados tinha servido de abrigo a centenas de monges. Agora vivem lá cerca de 35. É como um miúdo de cinco anos a tentar calçar os sapatos tamanho 44 do pai. Vai levar uns quantos anos até caberem nos paramentos que lhes foram deixados pelos seus antecessores.

Mas recordo-me de um pequeno poema do Robert Frost, no qual ele avisa:

Quando, por vezes, a multidão for conduzida
A levar longe de mais o elogio ou a culpa,
[Devemos] escolher algo como uma estrela
Para fixar a nossa mente e para nos fixar.

Quando formos tentados pelo medo de que a Igreja vai ser “varrida pelas forças da história” – aborto, casamento gay, supressão de instituições e empresas católicas – devemos lembrar-nos que houve uma época em que as forças do poder e do dinheiro conspiraram com a elite intelectual da Hungria para suprimir os cisterciences e destruí-los completamente. Dizia-se que viviam “na idade das trevas” e que estavam condenados a “serem ultrapassados pela história”, enquanto se pensava (e alguns católicos concordavam), que os seus opressores representavam o futuro: algo brilhante, reluzente e novo. “Vamos enterrar-vos”, diziam (esquecendo que a ressurreição sempre foi o presente especial de Cristo para os fiéis).

E hoje, onde andam esses reformadores utópicos? Varridos para a lixeira da história, naquele espaço que reservamos não só para os falecidos, mas para os brutos, os reles e os cobardes. Não estão apenas mortos, a sua memória é motivo de desprezo.

E os cistercicienses? Os cistercienses estão de volta a Zirc – bem como em Spring Bank e Dallas. A rezar. A ensinar. Como fazem há séculos. Provando novamente que, apesar das mais recentes maquinações do Inimigo:

Tudo estará bem e
Todas as coisas estarão bem
Pela purificação do motivo
Na terra da nossa súplica


Randall Smith é professor na Universidade de St. Thomas, Houston, onde recentemente foi nomeado para a Cátedra Scanlon em Teologia.

(Publicado pela primeira vez no Domingo, 6 de Abril 2014 em The Catholic Thing)

© 2014 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.


Friday 4 April 2014

Tolerância à FireFox

O Papa Francisco vai oferecer milhares de “evangelhos de bolso” aos fiéis que participarem no Angelus do próximo Domingo.  É uma forma de encorajar os cristãos a ler os Evangelhos.

Esta manhã o Papa falou também dos cristãos perseguidos e alertou os poderosos para o facto de não poderem silenciar a voz dos que se lhes opõem.

Ao longo dos últimos meses tenho chamado atenção para o facto de os crentes estarem cada vez mais sujeitos a consequências por serem fiéis às suas consciências. Há quem ache que isto não passa de uma obsessão minha, mas por outro lado há casos como o de ontem, do recém-nomeado CEO da empresa Mozilla, que foi obrigado a demitir-se por ser opositor do casamento entre homossexuais.

Leram bem. A empresa emitiu um comunicado, que podem ler aqui, em inglês, com alguns comentários meus.

A listagem de casos de cristãos vítimas da marcha dos novos “direitos” dos homossexuais também foi actualizada com este novo caso.

Já agora, por curiosidade, aponto-vos para este artigo escrito por um veterano activista homossexual que em relação a este novo caso diz que “se isto é o movimento pelos direitos dos gays actual, então não contem comigo”.

É perante casos destes que somos levados a concordar com o pessimismo de Anthony Esolen... haverá algo a salvar nesta sociedade? Ou será tempo de deitar abaixo para construir de novo?

Termino com alguns avisos. Em primeiro lugar, na próxima semana estarei fora e por isso não haverá serviço de mails. Mas publicarei como de costume o artigo semanal do The Catholic Thing à quarta-feira.

Fica o convite para o teatro “O processo de Jesus”, este Domingo às 15h30 no Centro Cultural Franciscano, no Largo da Luz, em Lisboa; e também o desafio para uma conferência, no dia 14 de Abril, sobre os desafios do sínodo para a família, com o padre Duarte da Cunha, que também promete. O cartaz está no fundo do post.

Entretanto, um assunto que não é estritamente religioso, mas que interessa a todas as famílias. A minha colega Marina Pimentel dedica o tema do seu programa semanal aos regimes de protecção das crianças, comparando o caso inglês, onde recentemente cinco crianças foram retiradas a um casal português, com o nosso país. É para ouvir depois do noticiário das 12h, na Renascença, ou então podem ouvir mais tarde através da página do “Em Nome da Lei”.
(Clicar para aumentar)

Mozilla's blog post - improved

Mitchell Baker
Mozilla published a blog post regarding the resignation of Brendan Eich, hounded out as CEO because he supports traditional marriage.

In the spirit of transparancy, which Mozilla no doubt prizes, I decided to add my comments, to improve the text. All that is in bold is my addition.

Thank you Mozilla for making the world a better and more liberal place!

Mozilla prides itself on being held to a different standard [that of not employing people with dissenting views] and, this past week, we didn’t live up to it. We know why people are hurt and angry, and they are right [because we also hold ourselves to be the arbiters of who is right and who is wrong in the gay marriage debate, that is what we feel web companies are called to do]: it’s because we haven’t stayed true to ourselves.

We didn’t act like you’d expect Mozilla to act [i.e. only hire the sort of people who think in the right way]. We didn’t move fast enough to engage with people once the controversy started. We’re sorry. We must do better [perhaps question all employees on their social and religious views before hiring them?].

Brendan Eich has chosen to step down from his role as CEO. He’s made this decision for Mozilla and our community. [And the witch hunt had NOTHING to do with it...]

Mozilla believes both in equality and freedom of speech [so long as people who are conservative are not held to be equal to liberals and do not speak]. Equality is necessary for meaningful speech. And you need free speech to fight for equality. Figuring out how to stand for both at the same time can be hard [So we thought the best solution would be to give in to the masses and get rid of somebody who holds different views].

Our organizational culture reflects diversity and inclusiveness [But we are trying to change that, by hounding out conservatives]. We welcome contributions from everyone regardless of age, culture, ethnicity, gender, gender-identity, language, race, sexual orientation, geographical location and religious views [So long as they are pro-gay marriage]. Mozilla supports equality for all [except those who do not think that the definition of marriage as being between people of different sexes should be changed].

We have employees with a wide diversity of views [Again, we are doing our best to narrow that down]. Our culture of openness extends to encouraging staff and community to share their beliefs and opinions in public [So that you can hound them out if you don't agree with them]. This is meant to distinguish Mozilla from most organizations and hold us to a higher standard. But this time we failed to listen, to engage, and to be guided by our community [which is, apparently, the LGBT Community].

While painful, the events of the last week show exactly why we need the web [So that we can dig up dirt on people we hire and make them resign]. So all of us can engage freely in the tough conversations we need to make the world better [The best way to hold those conversations is to scream at people until they quit].

We need to put our focus back on protecting that Web. And doing so in a way that will make you proud to support Mozilla.

What’s next for Mozilla’s leadership is still being discussed [We are considering barring any religious believers from working for us, but haven't made our mind up yet]. We want to be open about where we are in deciding the future of the organization and will have more information next week. However, our mission will always be to make the Web more open so that humanity is stronger, more inclusive and more just: that’s what it means to protect the open Web [Making sure that people who we don't agree with don't get to speak out, or make them resign if they do].

We will emerge from this with a renewed understanding and humility — our large, global, and diverse community is what makes Mozilla special, and what will help us fulfill our mission. We are stronger with you involved [and with conservatives out].

Thank you for sticking with us. [All the rest of you, get lost]


Mitchell Baker, Executive Chairwoman [with a little help from Filipe]

Wednesday 2 April 2014

Nove anos sem JPII e o Santo das Três Pátrias


O padre Anchieta teve uma vida cheia. Limitou-se a fundar uma das mais importantes cidades do mundo e agora, 417 anos depois de morrer, vai ser santo. Três países alegram-se com o facto.


Anthony Esolen está preocupado com as pessoas que vivem nas margens da sociedade. Aliás, que nem às margens chegam. Por exemplo? “São jovens que procuram seguir a lei moral, que são ostracizados daquilo que passa por vida social nas suas escolas e colégios. São filhos de pais divorciados. São esposos abandonados, os seus casamentos dissolvidos contra a sua vontade. São católicos que anseiam por missas solenes. São lutadores pelos direitos dos nascituros”.

Um Tempo Para Destruir, Um Tempo Para Edificar

Anthony Esolen
Literalmente no centro das atenções, marchando pelas principais avenidas de Toronto, homens e mulheres homossexuais voltam a exibir os seus corpos e a simular os seus comportamentos favoritos, isto apesar de uma lei municipal que proíbe a nudez pública. Estas exibições de pseudo felicidade num mundo decaído são cansativas. Algumas pessoas estão preocupadas com o assunto. Temem a violação das augustas leis canadianas, e isso é algo a que as crianças não devem ser expostas. Pessoas envergonhadas que se preocupam com a etiqueta da legalidade quando as leis de Deus, o bem comum, o bem-estar da família e a decência humana foram postas de lado!

De acordo com um artigo publicado na Life Site News, os defensores da nudez admitem perfeitamente que o propósito da parada é mesmo de poderem expressar a sua “sexualidade lasciva e hedonismo”. “A sexualidade ‘na sua cara’ é o propósito da parada”, diz um dos promotores. Outro acrescenta: “Quem não gosta pode ficar em casa com os filhos e ver ‘padres a violar crianças’ na televisão”.

Entretanto os dirigentes da Associação de Professores Católicos de Ontário (OECTA) decidiram juntar-se às festividades. Dizem que querem mostrar-se solidários com o grupo mais – lá vem a palavra inevitável – “marginalizado” de pessoas na Igreja Católica. Para quem está nas margens, fartam-se de aparecer. Não se consegue abrir um jornal canadiano sem se ouvir falar deles, dia após dia. Não se pode ver televisão durante um dia no Canadá sem uma chamada de atenção para os homossexuais. Pelos vistos, não se pode frequentar uma escola católica em Ontário sem levar uma ensaboadela sobre o assunto.

Mas há muitos católicos que não são marginalizados. Não são, porque nem sequer chegam às margens da página. Não chegam sequer a uma nota de rodapé. São perfeitamente invisíveis. É como se não existissem.

São rapazes que – bom, são apenas rapazes. Ninguém no Canadá se preocupa com o seu bem-estar desde os dias em que a polícia montada andava a cavalo e os canadianos tinham uma cultura. São jovens que procuram seguir a lei moral, que são ostracizados daquilo que passa por vida social nas suas escolas e colégios. São filhos de pais divorciados. São esposos abandonados, os seus casamentos dissolvidos contra a sua vontade.

São católicos que anseiam por missas solenes. São lutadores pelos direitos dos nascituros, que ficam satisfeitos se pelo menos não forem tratados com nada pior do que indiferença pelos burocratas de carreira no cartório. São pais que querem que os seus filhos vivam num mundo são e saudável.

Ninguém lhes liga nenhuma. Ninguém faz paradas para esta gente. Nunca verão Ontário a homenagear os jovens homens e mulheres que mantiveram os seus corpos puros, que escolhem casar virgens. Nunca verão a OECTA a marchar ao lado de idosos que criaram os seus filhos e se mantêm fiéis aos seus votos. Não, estes católicos, lutando para ser fiéis num mundo sub-pagão, adorariam chegar sequer às margens.
Pensem bem no poder que os membros da OECTA detêm. São eles, não os bispos, os párocos ou os pais, que controlam as escolas “católicas” no Ontário. Mas como disse o Papa Leão XIII em Sapientiae Christianae (1890), cabe aos pais católicos “a autoridade exclusiva para dirigir a educação dos seus filhos, como for conveniente, de um modo cristão; e acima de tudo mantê-los afastados de escolas onde haja um risco” note-se, um “risco” e não uma certeza – “de que lhes seja dado a beber o veneno da impiedade”.

Participantes da marcha de
orgulho gay em Toronto

Mas as nossas escolas estão organizadas para a impiedade. Dão a beber veneno não por acidente, mas por princípio. Não lidam com liberdade, que apenas pode ser conquistada pela virtude e o ordenamento das paixões, mas desordem. “O prazer”, diz Leão XIII em Libertas praestantissimum (1888), torna-se “a medida do que é certo; e, dado um código de moralidade que tem pouco ou nenhum poder para controlar ou apaziguar as inclinações desregradas do homem, abre-se naturalmente caminho à corrupção universal”.

Por outras palavras, podemos confiar nos membros do OECTA, mas para corromper. Quem estiver interessado em rebolar no lodo da estupidez tem apenas que visitar o site de algumas das empresas que impingem manuais aos professores das nossas escolas, tanto públicas como privadas. Isso não deve surpreender ninguém. Quem está disposto a marchar orgulhosamente pelas ruas de Sodoma não hesitará em continuar a parada, sob a capa dos livros que indica aos seus alunos.

Não há maneira de reformar um grupo como a OECTA. É evidente que temos o dever de tentar livrar indivíduos da estrada que leva ao fogo que não se apaga. Mas quando uma organização como esta começa a endossar cheques a belzebu – com os olhos bem abertos e orgulhoso do facto – não há outra solução que não destruir o edifício e queimar o entulho.

Dito de outra forma, chegou a hora de edificar de novo. Precisamos urgentemente de escolas católicas. Mas apenas se podem assemelhar superficialmente às actuais escolas públicas e pseudo-católicas. Isto é, haverá aulas de inglês e matemática e tudo isso, mas o melhor que temos a fazer é largar o resto. Não podemos contratar professores dos mesmos lotes. Não podemos usar os mesmos manuais. Não podemos imitar os mesmos hábitos loucos de instrução.

Não podemos aceitar a mesma visão de uma vida “boa”. Não podemos tentar disfarçar um tumor maligno com maquilhagem religiosa. Temos de regressar a uma educação católica: uma educação verdadeiramente humana.


Anthony Esolen é tradutor, autor e professor no Providence College. Os seus mais recentes livros são:  Reflections on the Christian Life: How Our Story Is God’s Story e Ten Ways to Destroy the Imagination of Your Child.

(Publicado pela primeira vez na Quarta-feira, 26 de Março de 2014 em The Catholic Thing)

© 2014 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.

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