Anthony Esolen |
Como é que não prevemos isto? Como é que os católicos, e em particular os teólogos e filósofos, não compreenderam aquilo que pagãos como
Platão, Aristóteles, Zenão o Estóico, Cícero e Marco Aurélio viram, que mascarar
o pecado não altera o seu efeito, tal como polvilhar com açúcar não diminui o
efeito de um prato de veneno?
O meu interlocutor ficou admirado, respondendo que se a
pílula tivesse sido disponibilizada 40 anos antes, as pessoas de então teriam
agido exactamente da mesma forma que os seus descendentes. Estava a sugerir que
a geração do meu avô era tão fraca, egoísta e podre como a que aceitou a
pílula.
Respondi que não podemos julgar as pessoas por aquilo que
achamos que teriam feito, mas apenas por aquilo que de facto fizeram. Ele
admitiu que os mais antigos eram melhores na arte do cortejo, mas contrapôs que
fumavam cigarros em elevadores com crianças, ao que eu poderia ter
respondido que os nossos tempos também estão repletos de obscenidade públicas,
entretenimento ordinário e pornografia, tudo na presença de crianças e, no que
diz respeito aos primeiros dois, encorajando mesmo a sua participação.
Há que fazer distinções. A natureza humana não muda. Os
alemães que se tornaram nazis talvez fossem pilares das suas comunidades se
tivesse crescido noutro local ou tempo; e qualquer um de nós, sobretudo aqueles
com tendência para movimentos intelectuais ou para encontrar bodes expiatórios,
coisa não rara entre a humanidade, poderia ter-se tornado nazi.
Talvez seja mais seguro dizer que este exercício não faz
muito sentido. É como pensar como seríamos se tivéssemos nascido de outro sexo.
Isso implicaria ter todo um outro corpo, mas não existe um “eu” flutuando por
aí, dissociável do meu corpo.
Posso imaginar, ou adivinhar, o que eu, enquanto pessoa
já existente, teria feito caso não tivesse feito um curso em Princeton que
mudou a minha vida, ou caso não tivesse conhecido a minha mulher Debra, mas
mesmo aí estou em território minado. Se calhar, quando tentamos adivinhar o que
teríamos feito perante um determinado conjunto de circunstâncias, estamos na verdade a basear essa suposição naquilo que de facto já fizemos em circunstâncias
semelhantes.
Por exemplo, aqueles que actualmente se divertem em
difamar outros, ou em interpretar as suas palavras ou acções à pior luz
possível, talvez tivessem dado óptimos informadores. Ou, pegando na coisa de
outra forma, talvez os que actualmente partem do princípio que o lugar da
relação sexual é numa relação comprometida e exclusiva, com vista à permanência
(por mais iludidas que as pessoas possam estar em relação a tudo isso), teria
praticado a castidade e a continência antes do casamento naquela altura.
Não pretendo julgar a disposição eterna da sua alma. Deus
é o juiz. Mas aquilo que vemos, podemos declarar. O pecado deforma e o pecado
praticado com uma consciência tranquila, como parece ter ocorrido com Calhoun,
deforma ainda mais. Daí que a prostituta que chorou aos pés de Jesus estivesse em
melhor estado que Simão o Leproso, que pecava com orgulho e com a consciência
límpida como a luz do dia.
O pecado está para a alma como a doença para corpo, mas
com uma diferença fundamental que torna o pecado ainda mais perigoso. O corpo
consegue combater a doença com os seus próprios recursos. A alma não consegue
combater o pecado desta forma. Isto acontece, mais uma vez, porque o pecado é
mais do que um invasor. “Quem me libertará do corpo sujeito a esta morte?”,
clama São Paulo, descrevendo a luta daquele que sabe aquilo que é bom para a
alma, que quer escolher esse bem, mas dá por si a escolher o mal.
Pior ainda é a luta de quem já nem sequer reconhece o
bem. Deve ser claro que nenhum esforço da alma lhe pode valer, uma vez que a
escória está completamente misturada com o minério. O minério não tem qualquer
forma de expulsar a escória, salvo uma. Só a operação da graça divina pode valer, com
a palavra de Deus que penetra até à medula.
Daí decorre também a necessidade urgente de pregar a
verdade. Ninguém nos diz que que Deus vai julgar uma ficção de nós mesmos, algo
que poderíamos ter sido noutras circunstâncias, imaginárias. Ninguém nos diz
que Ele deve salvar a mesma percentagem de nazis e de carpinteiros amish. Somos
todos pecadores e todos ficamos aquém da glória de Deus.
Devemos voltar-nos para Deus e dizer: “Um novo coração me
dá Senhor”. É algo grandioso que pedimos, porque a re-criação de uma só alma é
uma maravilha maior do que a criação do mundo. Não devemos pedir a Deus que
“julgue aquilo que eu poderia ter sido”, mas sim “perdoa aquilo que sou, e faz
de mim uma pessoa nova”.
Anthony Esolen é tradutor, autor e professor no
Providence College. Escreveu,
entre outros, Out of the Ashes: Rebuilding American Culture, and Nostalgia: Going Home in a Homeless World, e mais recentemente The Hundredfold: Songs for the Lord. É professor e autor residente na Magdalen
College of the Liberal Arts, em Warner, New Hampshire. Pode visitor
o seu site em: Word and
Song.
(Publicado pela primeira vez no sábado, 11 de Março de
2023 em The Catholic Thing)
© 2023 The
Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de
reprodução contacte: info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica
inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus
autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o
consentimento de The Catholic Thing.
No comments:
Post a Comment