Outros recursos sobre este assunto
Thursday 29 September 2022
Hospital de Campanha Ep. 10 - A Crise dos Abusos em Portugal (Parte 2)
Outros recursos sobre este assunto
Wednesday 28 September 2022
A Pobreza da Riqueza
Notem bem a descrição curta,
mas esclarecedora, do homem rico: “vestia-se de púrpura e de linho finíssimo, e
todos os dias banqueteava-se e regalava-se”. Fala-se aqui da sua roupa luxuosa
e das ricas comidas, mas não de amigos ou convidados. Mais ninguém é referido.
Ele não está a ter festas ou jantares. Nem sequer está a esbanjar a sua fortuna
numa vida de promiscuidade, como o filho pródigo. Não, é só ele, mesmo. Há algo
de solitário e de isolado na sua riqueza.
O estado lastimável do homem
rico é traduzido para a vida eterna. De facto, o seu destino é mais revelador
que punitivo. Está isolado e só no inferno porque tinha feito por isso no mundo.
Lázaro, por outro lado, está no regaço de Abraão (uma tradução melhor que
“junto de”). Está em comunhão com outro. O homem rico está desprovido dessa
comunhão por causa da sua avareza (e não apenas como castigo por ela). Viveu e
morreu isolado dos outros e por isso entrou no isolamento eterno.
Este isolamento do homem rico
não nos é estranho. Quando Ebenezer Scrooge é convidado a dar esmola para
ajudar os pobres responde: “quero que me deixem em paz”. A sua afeição pelo
dinheiro faz com que despreze não só a generosidade, mas também a companhia. Do
mesmo modo Gollum, no “Senhor dos Anéis”, está tão obcecado pelo anel que,
fugindo à companhia dos outros, passa anos na profundidade de uma caverna,
sozinho com o seu “precious”.
O forreta é miserável porque
está isolado pelas suas posses. Quer tudo só para ele, o que o obriga a estar
absolutamente só. A sua ligação à riqueza significa que não se pode ligar a
outros. As coisas que mais ama são o que o impedem de amar.
A avareza coloca as posses
acima das pessoas. Pela sua própria natureza, isola-nos uns dos outros.
Habituamo-nos a possuir e a usar, duas coisas que não são compatíveis com
relações humanas autênticas. O homem avarento pode ter pessoas que o ajudam a
gerir o seu dinheiro, ou a ganhar mais, mas isso só comprova a teoria. Essas
pessoas não são amadas, são usadas.
Não existem pecados
inteiramente pessoais. Há sempre uma dimensão social no pecado, porque envolve
sempre um virar-se para dentro, e por isso para longe dos outros. Como disse
São João Paulo II, “o mistério do pecado é formado por esta dupla ferida, que o
pecador abre no seu próprio seio e na relação com o próximo. Por isso, pode
falar-se de pecado pessoal e social: todo o pecado sob um aspecto é pessoal, e
todo o pecado sob um outro aspecto é social, enquanto e porque tem também
consequências sociais.” (Reconciliatio
et Penitenza).
Vemos assim que a avareza
produz uma indiferença ao sofrimento do outro. “Ai daqueles que vivem
comodamente em Sião”, diz o profeta Amós, (Am. 6, 1 e 4-7). Ele associa esse
comodismo à riqueza. Afeta todos os que se encontram “deitados em leitos de
marfim, estendidos em sofás, comem os cordeiros do rebanho e os novilhos do
estábulo. Deliram ao som da harpa, e, como David, inventam para si instrumentos
de música; bebem o vinho em grandes copos, perfumam-se com óleos preciosos”.
O vício da avareza isola o
avarento. Mas ao fazê-lo também priva os pobres da atenção de que precisam para
a sua subsistência.
Riqueza e isolamento. Estas
duas características da nossa cultura estão relacionadas entre si. Quanto mais
temos, mais isolados nos tornamos e menos notamos ou nos interessamos pelos
outros. Os confinamentos durante a pandemia foram pensados e impostos pelos
ricos, a chamada “geração laptop”, que se podia dar ao luxo de se sequestrar e
de prosseguir com a sua vida. Existiu uma indiferença cruel aos efeitos que
este isolamento teria ao empobrecer ainda mais os pobres. Os sinais que vimos a
dizer “estamos todos juntos” eram uma treta.
“Não se pode servir a Deus e a
Mamon”, disse Nosso Senhor recentemente no Evangelho. E quatro domingos antes fez
um aviso semelhante: “Quem de vós não renuncia a tudo o que possui não pode ser
meu discípulo”. Esta ligação à riqueza – por mais pequena que seja – corrói a
nossa capacidade de nos preocuparmos com os outros e isola-nos. Tornamo-nos
prisioneiros da avareza.
Damos aos pobres porque
precisam da nossa ajuda. As suas vidas disso dependem. Mas damos também porque
as nossas vidas disso dependem. Quando damos, desprendemo-nos daquilo que nos
empobrece e libertamo-nos do que nos isola. Assim tornamo-nos capazes de ver,
de conhecer e de amar os outros.
O Pe. Paul Scalia é sacerdote
na diocese de Arlington, pároco da Igreja de Saint James em Falls Church e
delegado do bispo para o clero.
(Publicado pela primeira vez
no domingo, 25 de Setembro de 2022 em The
Catholic Thing)
© 2022 The Catholic Thing. Direitos
reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org
The
Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões
expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este
artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The
Catholic Thing.
Tuesday 27 September 2022
Comentário na SIC Notícias sobre nomeação de D. José Tolentino
Brought to you by SIC Notícias
Monday 26 September 2022
Hospital de Campanha Ep. 9 - A Crise dos Abusos em Portugal
De volta de férias, depois de um verão quente marcado pela revelação de casos de abusos na Igreja portuguesa, quisemos sentar-nos com Pedro Gil, especialista em comunicação de crise, que partilhou uma perspectiva verdadeiramente humana centrada na vítima e na restauração da confiança, e na fé em Deus e na Sua Igreja.
Esta é uma conversa difícil, mas necessária. A crise dos abusos é uma ferida aberta que deve ser exposta ao sol para curar, e não deixada no escuro para infectar.
Sendo um tema tão importante, gravámos não um, mas dois episódios com o Pedro Gil. O próximo irá para o ar ainda esta semana, se Deus quiser.
Thursday 22 September 2022
Rapto nos Camarões e hipersensibilidade no Reino Unido
A Igreja quer ser parte da solução para o conflito em Moçambique. Recorde-se que há
pouco tempo foi atacada uma missão católica e uma freira assassinada.
A Igreja no Paquistão avisa
que os próximos tempos podem ser de fome e epidemias, devido às terríveis cheias que
assolaram o país. Queixam-se ainda de discriminação aos cristãos na
distribuição de ajuda humanitária.
Claro que o grande evento da
semana foi o enterro da Rainha Isabel II. Nos dias depois da sua morte houve
polémica porque algumas pessoas foram detidas por se manifestarem contra a Monarquia.
Neste texto explico porque é que isso é mau, independentemente de concordarmos,
mas que é apenas parte de um problema maior, que também afecta a liberdade
religiosa.
Há dias saiu mais uma
reportagem sobre um caso de abusos, neste caso na Diocese de Braga. O caso já está aqui, onde encontram links para os artigos originais. Aproveito
para avisar que a questão dos abusos será tema do próximo episódio do podcast Hospital
de Campanha, que deve ser publicado no início da próxima semana. Fiquem
atentos, porque vai mesmo valer a pena.
Somos todos idólatras? Até certo ponto sim, considera o autor do mais recente
artigo do The Catholic Thing em português. Na verdade, sempre que damos
prioridade a nós mesmos do que a Deus estamos a cair na autolatria, argumenta,
de forma convincente.
Por fim, foram acrescentadas várias declarações de líderes religiosos sobre a Ucrânia ao artigo no blog. Entre outros, temos o Patriarca Cirilo de Moscovo, que numa altura em que a Rússia anunciou a mobilização de 300 mil homens para servirem de carne para canhão na Ucrânia continua a culpar inimigos imaginários por dividirem o que ainda pensa serem “povos irmãos”.
Wednesday 21 September 2022
Idolatria Escondida (com o rabo de fora)
Talvez mais umas coisas, caso
tenhamos andado na catequese. Ainda assim, o nosso “deus” é o nosso “objecto de
suprema preocupação”, segundo o existencialista protestante Paul Tillich. E
sabemos que o dinheiro, o prazer, o sucesso, ou o poder podem transformar-se em
deuses quando se tornam uma preocupação maior do que qualquer outra coisa nas
nossas vidas.
Duvido que muitos de nós
admitiríamos ser idolatras. “Nem tanto ao mar, nem tanto à terra”, diríamos.
“Não há qualquer mal em procurar estes bens, desde que não abandonemos a crença
em Deus.” Justificamos as nossas buscas com a desculpa de que temos Deus à
mistura.
Mas será que a crença em Deus
nos livra da idolatria? Não será antes uma questão de justiça litúrgica? Afinal
quem é que merece o nosso louvor?
A religião é uma virtude
porque dá a Deus o que é de Deus. Quando nos perguntam a quem devemos “latria”
(a adoração suprema), a resposta justa é de que apenas devemos adorar o
não-criado, e nunca a criatura.
Mas há algo mais grave – e
talvez mais comum – do que prestar culto a uma imagem (eidolon-latria).
Trata-se de adorar-nos a nós mesmos: auto-latria. A autolatria é mais
secreta e mais grave do que a idolatria porque o falso deus habita em nós.
Somos nós.
Muitas são as personalidades
da tradição que atestam isto.
A abadessa beneditina Cécile Bruvère
escreveu que “A acreditar no apóstolo, a idolatria não está confinada à
adoração de falsos deuses. Podemos erguer em nós mesmos muitos ídolos, e
cegamente lhes oferecer sacrifícios” (Vida
Espiritual e Oração).
Esta doi. Posso excluir-me
presunçosamente da idolatria externa dos terríveis pecadores que me rodeiam,
mas devo recordar-me que “em todos os momentos da vida existe uma idolatria
interior”, como escreve François Fénelon. “Tudo o que amamos fora, amamos
unicamente por nós” (Perfeição Cristã).
Tanto a crença em Deus como o
amor por Deus devem manifestar-se como obediência a Deus. É por isso que os
autores espirituais referem as palavras de Samuel a Saúl, quando disse: “A
rebelião é tão culpável quanto a superstição; a desobediência é como o pecado
de idolatria” (I Samuel, 15). Um dos mestres do asceticismo, Giovanni Battista Scaramelli S.J., explica o que Samuel
queria dizer: “A razão é que pela desobediência colocamos a nossa opinião e a
nossa vontade própria acima da vontade de Deus que nos é revelada pela sagrada
obediência”.
A idolatria é semelhante à
desobediência uma vez que no caso daquela adoramos um ídolo de madeira ou de
pedra em vez do único verdadeiro Deus, o único a quem é devido o culto e nesta
desviamo-nos da verdadeira regra para seguir uma enganadora, que é a dos nossos
próprios juízos e dos ditames do mundo. A falsa adoração e o falso juízo estão
relacionados. A adoração correcta e a rectidão também estão ligadas.
A vontade de Deus deve ser
atendida liturgicamente, isto é, com adoração.
Fénelon descreve desta forma essa
situação: “Fingem amá-lo sob, mas desde que isso não diminua o amor-próprio
cego que depois se transforma em idolatria e que, em vez de se referir a Deus
como o Fim para o qual fomos criados, procura arrastá-lo ao seu próprio nível,
usando-o como algo que ajuda e conforta quando a criatura falha.”
O meu professor Aidan Kavanagh
costumava definir a liturgia como “fazer o mundo como o mundo deve ser feito”.
O oposto disto é a mundanidade, que trata o mundo e as acções no mundo sem
referência a Deus.
A mundanidade é um estado
antilitúrgico: é latria mal-direccionada. É auto-adoração, a idolatria mais
secreta de todas. Por isso é que Frederick William Faber descreve o homem
mundano como aquele que vive como se nunca tivesse de “prestar contas de si
mesmo a um poder maior” (Criador e
Criatura).
Onde é que pretendo chegar?
A descoberta desta idolatria secreta
não traz Deus para a praça pública? Não introduz no espaço secular uma
preocupação com o sagrado? O crime da idolatria não é cometido apenas quando
escolhemos o templo em que vamos prestar culto, é cometido sempre que a vontade
própria se sobrepõe à vontade divina.
A autolatria acontece quando elevamos
a nossa própria opinião e vontade acima da vontade de Deus. Em relação a quê?
Não apenas nas questões religiosas (embora exista aí muita autolatria também), mas
nas coisas do mundo.
Como é que podemos ajuizar de
forma recta assuntos como política, normas sociais, sexo, género, família, a
vida intrauterina, o estranho, o criminoso e a vítima se colocámos a nossa
vontade acima da de Deus? São João Eudes diz que “o orgulho leva o pecador a
fazer de si mesmo um ídolo, e a colocar-se no lugar de Deus, uma vez que quando
estão em causa a sua satisfação, vontade e desejos, prefere-se a si do que a
Deus” (Meditações).
Os nossos interesses,
satisfação, vontade e desejos estão sempre em causa. O problema
espiritual do orgulho mete-se em tudo, não apenas no contexto religioso. A quem
vamos prestar culto? Vamos escolher-nos a nós em vez de a Deus?
Esta é uma questão espiritual,
mas é colocada a partir do coração do mundo. Por isso, os assuntos externos e
sociais não estão totalmente separados do conflito interno, espiritual. A
Igreja tem uma ou duas coisas a dizer sobre este último.
E tem toda a alegria em
partilhar a sua experiência e sabedoria com todas as sociedades em que se
encontra.
David
W. Fagerberg é professor emérito de teologia litúrgica na Universidade de Notre
Dame. O seu mais recente livro é Liturgical Dogmatics.
(Publicado
pela primeira vez em The Catholic Thing no Domingo, 14 de Setembro de 2022)
© 2022 The Catholic
Thing. Direitos reservados. Para os
direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.
Monday 19 September 2022
Detidos por protestar no Reino Unido? O problema não é de agora
Tem levantado alguma polémica o facto de várias pessoas terem sido detidas, ao longo da última semana e meia, por se manifestarem de uma forma ou de outra durante as cerimónias fúnebres da Rainha Isabel II.
Alguns foram detidos depois de
gritar ofensas em locais públicos, outros por segurar em cartazes com palavras
de ordem contra a Monarquia. Eventualmente os poucos antimonárquicos que
optaram por se manifestar fizeram-no em silêncio e ostentando folhas em branco.
Podemos ter as mais variadas
opiniões sobre isto. Quer se seja monárquico ou não – e eu sou – podemos achar
que é de muito mau gosto aproveitar um momento de profundo pesar e luto
nacional para dar voz a essas opiniões em público. Mas também podemos achar que
o mau gosto não é necessariamente crime, e que mesmo essa liberdade de
expressão deve ser protegida.
Mas voltando ao Reino Unido, há
um ponto muito importante neste debate. É que esta hipersensibilidade das
autoridades britânicas não é nova. Vejamos mais alguns exemplos*
- Em 2002 Harry Hamond, de 69 anos, foi atacado por transeuntes, chegando a ser lançado ao chão, quando mostrou um sinal que criticava a conduta homossexual. Quando a polícia chegou ao local decidiu, contudo, deter Hammond. Acabou por ser condenado a uma multa de 300 libras e a pagar as custas do processo. Perdeu o recurso, e morreu antes de sair o resultado de mais um recurso.
- Em 2008 o pregador Anthony Rollins foi detido por pregar numa rua em Birmingham e por ter dito que os actos homossexuais são moralmente errados. Acabou por ser libertado e indemnizado.
- Em 2008 um rapaz de 15 anos foi chamado a uma esquadra por ter participado numa manifestação contra a Igreja da Cientologia, e ter ostentado um cartaz a dizer “a Cientologia não é uma religião, é uma seita”. O caso acabou por ser arquivado.
- Em 2010 Dale McAlpine estava a pregar na rua quando foi abordado por um agente da polícia que se identificou como homossexual. Enquanto os dois conversavam, em privado, o pregador disse que “a Bíblia diz que a homossexualidade é pecado”. Foi detido por outros três polícias fardados e passou sete horas numa cela. Mais tarde ganhou um processo contra a polícia por estes factos.
- Em 2011 o adepto do Glasgow Rangers Stephen Birrell foi condenado a oito meses de prisão por ter feito comentários ofensivos a adeptos do Celtic, a católicos e ao Papa, numa página do Facebook.
- Em 2014 o eurodeputado Paul Weston foi detido por citar uma passagem de um livro de Winston Churchill em que este critica o Islão. O caso acabou por ser arquivado.
- Em 2014 Tony Miano foi detido por criticar publicamente o “pecado sexual”, incluindo o adultério, a promiscuidade e a prática homossexual”. Passou uma noite na esquadra depois de uma mulher ter feito queixa dele. Uma vez que tudo tinha sido gravado, foi possível, porém, provar que as acusações da queixosa eram infundadas e foi libertado.
- Em 2014 outro pregador de rua, John Craven, foi abordado por dois adolescentes que lhe pediram a opinião sobre a homossexualidade. Ele citou a Bíblia, ressalvando que “Deus odeia o pecado, mas ama o pecador.” Todavia, os rapazes queixaram-se a um polícia, dizendo que tinham-se sentido ofendidos pelas palavras do pregador, que foi então detido durante 19 horas, 15 das quais sem comer e sem poder tomar medicamentos. Mais tarde foi indemnizado.
- E, por fim, em 2021 aseptuagenária Rosa Lalor foi detida e multada por estar a rezar o terço diante de uma clínica de aborto em Liverpool. Recorreu da multa e ganhou.
É certo que esta questão não
se coloca só no Reino Unido, existe em vários outros países, com uma preponderância
para o norte da Europa, mas agora é do Reino Unido que estamos a falar.
Aquilo a que temos vindo a assistir
é o fruto de uma cultura que começou a interiorizar a ideia de que ferir os
sentimentos de outra pessoa deve ser tratado como um crime. O problema é que
quando essa caixa de Pandora se abre, as consequências são imprevisíveis. Mais valia,
se calhar, voltarmos a perceber que o debate público nem sempre é bonito, e que
para nós termos liberdade de expressão, os idiotas que só dizem porcaria quando
abrem a boca também a devem ter. Até porque, sei-o bem, para muitos deles o idiota
sou eu.
*Todos estes casos são retirados do livro “Censored” de Paul Coleman, com a excepção do último, que é posterior à publicação da obra
Friday 16 September 2022
Papa no Cazaquistão, entre sincretismos, guerras regionais e amuos
Ainda sobre este assunto, recomendo a entrevista do principal bispo do Cazaquistão, que considera que o encontro em que o Papa participa tem as suas raízes nos encontros de Assis, iniciados pelo Papa João Paulo II.
Quando mandei o mail da semana passada ainda não tinha sido confirmada a morte de Isabel II, de Inglaterra. Hoje partilho convosco os artigos que escrevi para a Rádio Renascença sobre ela, a sua vida e o seu reinado. Estes foram dos últimos trabalhos que fiz para a Renascença antes de sair.
Morreu Isabel II, a Rainha da força tranquila que marcou uma era
Isabel II – O “annus horribilis” de 1992
Isabel II – Dez frases que marcaram 70 anos de reinado
Morreu Isabel II. 42 voltas ao mundo e duas visitas a Portugal
Esta quinta-feira termina na Síria uma importante peregrinação que visa recordar os cristãos que morreram durante a infindável guerra civil. Saiba mais sobre o ícone de Nossa Senhora das Dores, Consoladora dos Sírios.
“Quando deres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos”.
Há mandamento mais universalmente ignorado pelos cristãos?
No artigo desta semana do The Catholic Thing, Michael Pakaluk ajuda a aplicar
esta passagem aos nossos dias, com um piscar de olho às Famílias Numerosas!
E recupero ainda um dos artigos do The Catholic Thing publicado durante as férias, que muito gosto me deu traduzir. Elizabeth A. Mitchell escreve sobre uma das mulheres mais impressionantes do Século XX, a Santa Edite Stein. Leiam que vale bem a pena.
Por fim, continuo a coligir as declarações dos líderes religiosos relevantes sobre a guerra na Ucrânia. Com as coisas a piorar para os russos, as declarações do Patriarca de Moscovo parecem cada vez mais desligadas da realidade. Vejam por vocês mesmos. A análise mais detalhada das suas últimas declarações está aqui e aqui. Sugiro darem também uma vista de olhos à leitura feita pelo líder da Igreja Ortodoxa da Ucrânia à história do martírio de São João Baptista, e aqui podem ler a análise às mais recentes declarações de Sviatoslav Shevchuk, líder da Igreja Greco-Católica da Ucrânia.
Thursday 15 September 2022
Francisco a ser Papa no Cazaquistão
Diálogo sem sincretismo
Francisco está na capital do
Cazaquistão, uma ex-república da União Soviética gigante que, curiosamente, tem
investido muito em promover o diálogo inter-religioso ao longo das últimas
décadas.
Os cristãos são uma minoria de
25% no país, e católicos são apenas 1%, na grande maioria membros de outros
grupos étnicos, desde polacos a coreanos. A história da Igreja no país também é
curiosa, uma vez que muitos dos católicos descendem de pessoas que foram
deportadas para a região durante as perseguições na União Soviética. No
Cazaquistão havia 11 campos de concentração, parte do sistema Gulag.
A relação da Igreja Católica
com o diálogo inter-religioso é complexa. Durante séculos a atitude era de que esta
é a Igreja fundada por Deus, quem quiser pode entrar, mas não há mais nada para
discutir. O Concílio Vaticano II cristalizou uma mudança gradual de posição,
tanto ao nível ecuménico como de diálogo inter-religioso, e Roma passou a
interessar-se no diálogo. Em 1986 o Papa João Paulo II iniciou os encontros
inter-religiosos de Assis, para rezar pela paz. Foi muito criticado por isso,
com os seus adversários a dizer que os encontros promoviam o sincretismo e o
relativismo, mas ele persistiu, tentando sempre deixar claro que juntar pessoas
crentes para suplicar a Deus pela paz é diferente de dizer que essas crenças
são todas igualmente válidas, ou que as diferenças não interessam.
Estes encontros no Cazaquistão
surgem desse mesmo espírito de Assis. Quem o diz
é o bispo de Almaty, no Cazaquistão, que é espanhol e foi entrevistado
recentemente pela fundação Ajuda à Igreja que Sofre. Mas os críticos não desarmam
e continuam a levantar o fantasma do relativismo.
Francisco está, por isso, em
terreno difícil no Cazaquistão, mas no seu discurso ao Congresso de Líderes de
Religiões Mundiais e Tradicionais não desiludiu e falou precisamente como Papa
que é. Encorajou a colaboração inter-religiosa pela paz, condenou a utilização
da religião para justificar a guerra e criticou, usando mesmo esse termo, o
sincretismo. Foi um bom discurso, pleno de referências locais, que
pode ser lido aqui. Deixo-vos com uma das principais citações:
Queridos irmãos e irmãs,
avancemos juntos, para que seja cada vez mais amistoso o caminho das religiões.
(…) O Altíssimo liberte-nos das sombras da suspeita e da falsidade; conceda-nos
cultivar amizades ensolaradas e fraternas, através do diálogo frequente e da
sinceridade luminosa das intenções. E desejo agradecer aqui o esforço do
Cazaquistão neste ponto: sempre procura unir, sempre procura incentivar o
diálogo, sempre procura construir a amizade. Isto é um exemplo que o
Cazaquistão dá a todos nós e devemos segui-lo, apoiá-lo. Não procuremos falsos
sincretismos conciliatórios – não servem –, mas guardemos as nossas identidades
abertas à coragem da alteridade, ao encontro fraterno. Só assim, por este
caminho, nos tempos sombrios que vivemos, poderemos irradiar a luz do nosso
Criador.
Falar de paz numa região de
guerra
É certo que Francisco fala
muito de paz, e que tem falado sobretudo muito da guerra na Ucrânia. Podem
ver aqui a extensa lista das declarações sobre o assunto que tem feito nos
últimos meses, desde que a Rússia invadiu o país vizinho. Mas é preciso ter em
conta o contexto em que o faz agora, no Cazaquistão. Aqui Francisco está ao
lado da Rússia, na sua esfera de influência, e as suas palavras têm mais peso.
É aqui, nesta região unida por
um passado de forte perseguição às religiões e que se debate ainda com um pesado
legado comunista, que Francisco vem falar de paz. E em boa hora o faz.
Diálogo com os russos
Uma dimensão muito importante
desta visita é a do diálogo com a Igreja Ortodoxa da Rússia. Já escrevi e falei
várias vezes sobre o período difícil que a Igreja Russa atravessa, travando uma
luta pelo poder no interior da comunhão de Igrejas Ortodoxas e ao mesmo tempo
tentando sobreviver a uma relação demasiado estreita com o poder político em
Moscovo.
O Patriarca Cirilo, de Moscovo,
quis afirmar-se como o grande representante da ortodoxia no mundo, em oposição
a Bartolomeu de Constantinopla, mas acabou, pela sua proximidade a Vladimir
Putin, por se tornar um pária aos olhos do mundo religiosos. Tenho comentado, nas
minhas mais recentes análises às suas declarações, que já nem se percebe se
as suas palavras são para ser levadas a sério, se são críticas (muito) dissimuladas
ao regime de Putin, ou se simplesmente perdeu toda a noção. Só na última semana
lamentou o facto de o mundo estar a sofrer por causa dos ditadores que espalham
o conflito e elogiou a Rússia por não cometer crimes de guerra, algo que se
deve ao facto de ter um historial de líderes ortodoxos crentes. E não nos
esqueçamos da vez em que se regozijou no facto de a Rússia, apesar de ser um
país muito poderoso, nunca ter atacado ninguém. E sim, disse-o já depois da
invasão da Ucrânia.
O facto é que Cirilo está
quase totalmente isolado e ninguém parece disposto a falar com ele, excepto o
Papa Francisco. Há até quem considere que Francisco está a ser ingénuo quando
diz que quer falar com Cirilo, mas o Papa parece entender que por mais que esteja
a atravessar, digamos, um mau momento, a Igreja Russa não deixa de ser uma
grande denominação cristã e que não se deve desistir, por isso, desse diálogo.
Aliás, no seu discurso à
chegada ao Cazaquistão disse: “Precisamos de líderes que, a nível
internacional, permitam aos povos compreenderem-se e dialogarem, e gerem um
novo ‘espírito de Helsínquia’, a vontade de reforçar o multilateralismo, de
construir um mundo mais estável e pacífico pensando nas novas gerações. E, para
fazer isto, é preciso compreensão, paciência e diálogo com todos. Repito: com
todos.”
Mais uma vez, porém, Cirilo
perdeu a oportunidade de se agarrar a esta mão estendida. Se tivesse ido ao Cazaquistão,
como estava inicialmente combinado, teria conseguido tornar-se o centro do
evento e o seu encontro com o Papa Francisco seria o ponto alto do congresso,
em termos mediáticos. Mas temendo ser alvo de críticas, refugiou-se novamente
no seu palácio de cristal em Moscovo e tornou ainda mais pertinentes as
palavras do Papa que muitos acreditam terem sido ditas com ele em mente.
Se o Criador, a quem
dedicamos a existência, deu origem à vida humana, como podemos nós – que nos
professamos crentes – consentir que a mesma seja destruída? E como podemos
pensar que os homens do nosso tempo – muitos dos quais vivem como se Deus não
existisse – estejam motivados para se comprometer num diálogo respeitoso e
responsável, se as grandes religiões, que constituem a alma de tantas culturas
e tradições, não se empenham ativamente pela paz?
Irmãos e irmãs,
purifiquemo-nos, pois, da presunção de nos sentir justos e de não ter nada a
aprender dos outros; libertemo-nos das conceções redutoras e ruinosas que
ofendem o nome de Deus com rigidezes, extremismos e fundamentalismos, e o
profanam por meio do ódio, do fanatismo e do terrorismo, desfigurando inclusive
a imagem do homem. (…) Nunca justifiquemos a violência. Não permitamos que o
sagrado seja instrumentalizado por aquilo que é profano. O sagrado não seja
suporte do poder, e o poder não se valha de suportes de sacralidade! Deus é
paz, e sempre conduz à paz, nunca à guerra.
Mais uma vez, belas palavras. Haja
quem as oiça e as ponha em prática!
Wednesday 14 September 2022
Banquetes e Famílias
Michael Pakaluk |
Não sei de qualquer outro mandamento de Cristo que seja tão universalmente desobedecido que aquele que ouvimos recentemente no Evangelho de Domingo: “Quando deres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos” (Lc. 14,13).
“Ah, mas a minha paróquia organiza
um jantar para os sem-abrigo por altura do Natal, e nós contribuímos com bens enlatados…”
Lamento, mas não é isso que diz o Grego na Bíblia. Uma tradução mais literal seria
“Sempre que deres um banquete”. Jesus está a estabelecer uma regra geral, não
uma coisa que se possa satisfazer apenas de vez em quando. Em todas as ocasiões
em que se der um banquete, diz Ele, é isto que deve fazer.
E mais, Ele afirma que só
devem ser convidados aqueles que não tenham meios para retribuir (Lc. 14,14).
Convidar um ou dois pobres, simbolicamente, não cumpre com a intenção do
mandamento.
Eu já participei em milhares
de “banquetes” (a palavra “dochē” que Lucas usa abrange todo o tipo de
recepções ou mostras de hospitalidade, como encontros informais, cocktails,
copos de água, evidentemente, eventos de angariação de fundos, para não falar
de encontros de família e jantares festivos). De todas as vezes que os
anfitriões eram cristãos, esta regra de Nosso Senhor nunca foi seguida. Um
mandamento que devia ser seguido sempre, não é seguido nunca.
Então o que é que se passa aqui?
Estas palavras não são para seguir? A passagem é de tal forma hiperbólica que é
essencialmente impraticável.
Curiosamente, o próprio
ensinamento tornou-se mais claro para mim quando li a “Riqueza das Nações” de Adam
Smith. A certa altura ele pergunta “O que é feito dos banquetes? (III. iv). Nos
relatos históricos antigos e medievais podemos ler, diz ele, que os homens ricos
faziam banquetes quase diariamente. Esta era uma prática comum entre chefes dos
Highlands escoceses, diz o autor, mesmo no início do Século XVIII.
Recordo-me de Sir Walter Scott
iniciar o “Waverley” precisamente com uma descrição de um banquete desses. “Em
Quo Vadis” os banquetes da corte de César são uma grande tentação e, claro,
sabemos que João Baptista foi executado por um Herodes em estado de sedução.
Mas nas sociedades modernas a prática tinha caído em desuso. Adam Smith
explica.
“Num país que não tem comércio
exterior nem manufaturas mais aperfeiçoados”, explica Smith, “um grande
proprietário de terras, por não ter nada pelo que possa trocar a maior parte da
produção de sua terra que vá além do necessário para a manutenção dos agricultores,
consome tudo com seus hóspedes na casa senhorial. Se essa produção excedente
for suficiente para sustentar 100 ou 1 000 pessoas, só pode utilizá-la para
isso e apenas para isso.”
Daí que homens ricos, “desde o
soberano até ao mais pequeno barão” sempre tiveram os seus séquitos de
apoiantes leais, a quem banqueteavam constantemente. Qualquer excesso para além
deste era usado para criar maior dependência entre os agricultores arrendatários.
Era assim que os ricos mantinham o seu poder, diz Smith, criando dependência,
principalmente através de banquetes.
Aqui Smith está a desenvolver o
argumento feito por David Hume de que, curiosamente, o aumento da manufactura e
do comércio externo levou à dissolução do poder baronial, uma vez que os ricos
podiam agora gastar o seu dinheiro acumulando artefactos luxuosos. É verdade
que ao fazê-lo, estavam ainda a “suportar” uma rede de artesãos e de
comerciantes que forneciam estes luxos, mas não detinham qualquer poder sobre
esta rede, quer por causa da sua dispersão, quer porque o seu próprio
contributo para a manutenção desta era relativamente pequeno. Desta forma, a emergência
de uma sociedade comercial sustentava a emergência de uma sociedade livre.
Banquete diário de uma família numerosa |
Antes, o que quero realçar é
que nas sociedades tradicionais o “banquete” representa o destino dado à
riqueza excedentária. Nosso Senhor está a usar a técnica retórica de tomar a
parte pelo todo. Descreve um uso de riqueza excedentária, o único que existia
na altura, para se referir de forma vívida a qualquer uso de riqueza
excedentária.
Assim, o mandamento sobre
banquetes é de facto um mandamento sobre a importância de destinar a riqueza
excedentária à esmola. E essa, claro, mantém toda a sua validade nas sociedades
comerciais.
Cristãos há, porém, que têm
conseguido cumprir o mandamento de uma forma próxima do seu significado
original. Ocorrem-me Santa Isabel da Hungria e Santa Margarida da Escócia.
Estas mulheres trocaram as comitivas das suas cortes pelos mais pobres dos
pobres. Em vez de banquetear diariamente centenas de nobres, estas santas tornaram-se
conhecidas por montar hospitais junto aos seus palácios e cuidar dos aleijados,
dos coxos e dos cegos, antes de qualquer outro.
Mas há outros cristãos que
também o fazem, são os pais, especificamente os de famílias numerosas. Refiro-me
a famílias numerosas porque é nesses casos que se torna mais evidente o total
compromisso de riqueza excedentária e as suas mesas de jantar são o mais
próximo, visualmente, de uma corte medieval.
Os seus filhos são como os
cegos, isto é, sem educação; certamente que são pobres, uma vez que nem sequer
podem possuir bens; aleijados – alguns nem andar sabem – e coxos, isto é,
imaturos. Não podem retribuir agora nem, se a sua educação for bem dada, alguma
vez o farão, uma vez que a melhor forma que têm de mostrar gratidão é fazer o
mesmo, tendo os seus próprios filhos mais tarde.
Devemos rejeitar o falso
argumento de que os pais que acolhem filhos apenas o fazem por razões egoístas,
para sua própria realização, ou que não fazem mais do que a sua obrigação, uma
vez que os geraram, e por isso não têm qualquer mérito. Certamente que estes
pais servem o bem comum tendo tantos filhos durante um catastrófico inverno
demográfico.
Sim, os pais de famílias
numerosas cumprem fielmente, e de forma muito evidente, este mandamento de
Nosso Senhor.
Michael Pakaluk, é um
académico associado a Academia Pontifícia de São Tomás Aquino e professor da
Busch School of Business and Economics, da Catholic University of America. Vive
em Hyattsville, com a sua mulher Catherine e os seus oito filhos.
(Publicado pela primeira vez
em The Catholic Thing na quarta-feira, 14 de Setembro de
2022)
© 2022 The Catholic Thing. Direitos
reservados. Para os direitos de reprodução contacte:
info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum
de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva
responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o
consentimento de The Catholic Thing.
Thursday 8 September 2022
Sinodalidades
Tenho evitado escrever sobre
este assunto, por uma série de razões, mas achei que nesta altura faria sentido
escrever um curto texto a dar conta do estado actual do debate em Portugal, e
apontando para os diferentes recursos que já existem.
Em primeiro lugar, temos o relatório
do processo sinodal em Portugal, que pode ser lido aqui. O relatório é suposto ser um resumo dos diferentes
relatórios diocesanos e foi elaborado por uma equipa de trabalho composta por
sete pessoas, entre leigos e religiosos, nomeadamente Carmo Rodeia,
Diretora do Departamento de Comunicação do Santuário de Fátima; Anabela
Sousa, Diretora do Departamento de Comunicação da Diocese de Setúbal; Isabel
Figueiredo, Diretora do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais da
Igreja; Paulo Rocha, Diretor da Agência Ecclesia; Pedro Gil,
Diretor do Departamento de Comunicação do Opus Dei; Padre Eduardo Duque,
Diretor Nacional da Pastoral do Ensino Superior e Padre Manuel Barbosa,
Secretário da CEP.
Diga-se o que se disser sobre o relatório, penso que dificilmente se pode fazer a acusação de este ser um elenco demasiado progressista ou demasiado conservador, muito menos de as pessoas envolvidas não serem sérias.
Há uma nota importante sobre este relatório que deve ser tido em conta. Ele não é o resumo apenas dos relatórios das 21 dioceses portuguesas, mas inclui ainda vários outros documentos que foram enviados por grupos de leigos e religiosos que pelas mais variadas razões não se enquadravam, ou não se sentiram enquadradas nos processos diocesanos. [Esta informação foi-me simpaticamente transmitida no dia 12/9 por um membro da equipa, e acrescentada ao texto no mesmo dia.]
Mal saiu o relatório surgiram
críticas de que este não era verdadeiramente representativo da Igreja em
Portugal. A primeira reacção foi na forma de uma carta aberta, que pode ser lida aqui.
Seguem-se os nomes dos primeiros signatários desta carta, que pode ser assinada
por outros através do link acima. Padre Gonçalo Portocarrero de Almada,
cronista do Observador e da Voz da Verdade; Mafalda Miranda Barbosa,
Professora da Faculdade de Direito de Coimbra; Bernardo Trindade Barros,
Advogado e Professor universitário; Gonçalo Figueiredo de Barros,
Jurista e Empresário; Luís do Casal Ribeiro Cabral, Médico; Cónego
Armando Duarte, Pároco dos Mártires, Lisboa; António Bagão Félix,
Economista e Professor universitário; Pedro Borges de Lemos, Advogado; João
Paulo Malta, Médico; Aida Franco Nogueira, Advogada; Paulo Otero,
Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; Padre
Mário Rui Leal Pedras, Pároco de São Nicolau, Lisboa.
Pouco depois de ter sido
publicada esta carta, o Padre Peter Stilwell, ex-diretor da Faculdade de
Teologia da Católica, e ex-vice-reitor da mesma universidade, escreveu um artigo
publicado no Sete Margens em que revela que também ficou com dúvidas e
frustrações em relação ao relatório, mas depois explica porque razão acha a
Carta Aberta premeditada e desnecessária. É um artigo interessante que também
vale a pena ler. (Full disclosure: o Padre Peter é meu tio e padrinho).
Entretanto surgiu uma outra
carta, desta vez assinada por jovens, que também contesta o relatório, nomeadamente
o seu “pendor negativista”. Pode ser lida e assinada aqui.
E, finalmente, temos uma outra
proposta que me pareceu interessante por ser uma abordagem crítica, mas ao
mesmo tempo construtiva. O Padre Duarte da Cunha e o Padre Ricardo
Figueiredo juntaram-se, leram todos os relatórios diocesanos e elaboraram
um relatório alternativo que consideram ser mais fiel aos textos das diferentes
dioceses. Pode ser lido aqui. Contudo, deve ser tido em conta que este relatório alternativo não contempla os muitos outros documentos extra-diocesanos a que a equipa da CEP teve acesso, pelo que naturalmente existirão diferenças significativas.
Penso que estes são recursos
suficientes para que os interessados se possam inteirar do tema.
Gostaria aqui de fazer apenas
um comentário geral, evitando pronunciar-me sobre os conteúdos dos diferentes documentos.
Em primeiro lugar, devo dizer
que apesar de estes documentos representarem alguma divisão na Igreja, o facto
de existirem, e de as pessoas se sentirem motivadas para se pronunciar e
contribuir, é um sinal positivo. Estamos perante pessoas que não concordam umas
com as outras, mas penso que todos os textos são respeitosos e motivados pela
vontade de contribuir para o bem da Igreja Portuguesa, no seio da Igreja
Universal. O que é isso se não sinodalidade?
Outra coisa que noto, contudo,
é um certo centralismo dos textos, que radicam todos da realidade de grandes
centros urbanos, nomeadamente Lisboa. Obviamente não conheço todos os
subscritores das duas cartas abertas, mas na primeira sei que todos são de
Lisboa, ou vivem em Lisboa, excepto uma que vive e trabalha em Coimbra.
Obviamente isto em nada invalida os seus argumentos, mas é preciso ter em conta
que o relatório é um resumo de todos os relatórios diocesanos, e reflecte por
isso a vivência de pessoas desde o Funchal até Bragança, e dificilmente essas
vivências, preocupações e propostas se encaixam na realidade conhecida por
pessoas que fazem a sua vida eclesial na capital e numa das maiores cidades de
Portugal.
O mesmo se aplica, em menor
dimensão, à carta aberta dos jovens. Aí temos subscritores de várias dioceses,
nomeadamente: Aveiro, Coimbra, Lisboa, Porto, Portalegre-Castelo Branco, Évora,
Leiria-Fátima, Funchal, Braga e Viana do Castelo. Nota-se um esforço louvável de
inclusividade e maior representatividade, mas ainda assim são apenas metade das
dioceses territoriais de Portugal.
Tudo isto torna ainda mais
interessante o “relatório alternativo” apresentado pelos padres Duarte e
Ricardo, pois esse parte directamente dos textos dos relatórios diocesanos.
Por fim, é possível que neste resumo
me tenha esquecido de algum outro recurso que ajude a contribuir para esta
discussão/processo sinodal. Se sim, agradeço que me informem, que terei todo o
gosto em acrescentar.
Actualização: No dia 7 de Novembro acrescentei o texto de Leopoldina Reis Simões
Actualização: No dia 13 a CEP respondeu a críticas sobre o relatório.
Actualização: No dia 12 de Setembro acrescentei mais informação aos pontos sobre o relatório da CEP e o relatório alternativo do Pe Duarte da Cunha.
Outros textos:
Aqui outro texto de opinião que vale a pena ler, de José Maria Seabra Duque
Relatório sinodal: desafio a discernir e praticar juntosa renovação eclesial - Pe. Jorge Guarda
O que faremos deste texto? - Jorge Wemans
Conservadores e progressistas na fronteira do diálogo - Sofia Távora
O Relatório de Portugal, o caminho da sinodalidade - Maria Carlos Ramos
Ainda o Sínodo - Pe. Alexandre Palma
Sínodo sobre sinodalidade: Ninguém disse que seria fácil - Leopoldina Reis Simões
Wednesday 7 September 2022
Aborto, Trabalho e Vida
John M. Grondelski |
Até agra o debate sobre o
aborto tem sido sobretudo político, em termos da sua legalidade nas
legislaturas e – ao longo de quase 50 anos – nos tribunais. Depois de Dobbs,
porém, devemos esperar que parte do debate passe do campo político para o
económico, com alguns defensores do aborto a recorrer a incentivos financeiros
para tentar inclinar a mesa de jogo numa sociedade capitalista que,
ocasionalmente, gosta de falar de “justiça social”.
Desde que a decisão do caso
Dobbs reverteu o direito constitucional ao aborto temos visto grandes empresas
a atropelarem-se para anunciar que terão todo o gosto em financiar os abortos
dos seus funcionários, ao ponto de pagar viagens para estados que permitem
matar os nascituros, caso o aborto seja ilegal nos estados em que se encontram.
Várias grandes corporações pressionaram legislaturas estaduais para não
contemplarem adoptar leis pro-vida. O Governador
de Nova Jérsia, Phil Murphy, e o
da Califórnia, Gavin Newsom, têm estado a promover os seus estados como
destinos para empresas, não por causa da sua pesada carga fiscal, mas porque
ambos codificaram o aborto a pedido, até ao nascimento.
Um argumento tradicional dos
defensores do aborto é que é essencial que este seja legal, e a pedido, porque
sem “controlo e cuidados de saúde reprodutiva” as mulheres encontram-se em
inerente desvantagem económica. Claro que essa afirmação colide diretamente com
o mito do aborto como um “cuidado de saúde”. Mas com a saúde a ser definida,
cada vez mais, como algo tão vago e sujeito a manipulação como “saúde
financeira”, os alegados “benefícios” do aborto podem ser racionalizados quase
de qualquer maneira.
Claro que ninguém aponta um
foco à verdade crua e obscenamente nua de que é substancialmente mais barato
para uma empresa abortar bebés do que fornecer cuidados de saúde maternos e
infantis, bem como suportar licenças de maternidade, de doença, de
acompanhamento escolar, etc., bem como as mudanças de horário que se seguem ao
parto.
As empresas que financiam
abortos insistem, claro, que essas suas políticas se devem ao seu “compromisso
para com o direito a escolher”, sem querer admitir que a sua própria saúde
financeira vê com melhores olhos certas “escolhas” em detrimento de outras.
É de suspeitar que as mesmas
empresas que estão a comprometer-se tão “generosamente” com a interrupção de
gravidezes (isto é, a matança de bebés no útero) protestariam fortemente caso
fossem chamadas a cobrir cuidados maternais com a mesma liberalidade, para
criar um ambiente onde fosse possível fazer “escolhas” verdadeiramente livres.
Daí que seja fundamental que
neste momento ambos os nossos principais partidos políticos sejam desafiados a
criar políticas económicas verdadeiramente amigas das famílias e das crianças.
A justiça social não se
alcança sem a protecção dos direitos individuais e sociais mais básicos, isto
é, o direito à vida. Independentemente das diferentes filosofias políticas,
quase todos os pensadores concordam que é um absoluto sine qua non que
uma sociedade proteja os direitos mais básicos dos seus membros.
Logo, os católicos devem tomar
a dianteira nesta discussão sobre justiça social. Revertida a decisão de Roe v.
Wade, já não existem obstáculos constitucionais à reformulação da discussão.
Mas a narrativa alternativa precisa de ser articulada de novo numa sociedade
que não a escuta claramente há cerca de 50 anos.
Esquecemo-nos de liberais como
Mark Hatfield, William Proxmire e Harold Hughes, que eram pro-vida precisamente
porque reconheciam, correctamente, que a vida intrauterina era uma questão de
direitos civis, provavelmente a maior do nosso tempo.
A reformulação deste debate
implica perguntar porque é que o aborto é visto como factor essencial para a
ascensão económica das mulheres. Será porque no mundo económico as mulheres não
conseguiam avançar pelo facto de não serem homens? Isto é, porque engravidavam,
porque tinham filhos e os queriam criar, e porque queriam carreiras que se
adaptavam a essa realidade, em vez de esperar que essas realidades se
adaptassem aos seus empregos?
Será que a actual “generosidade”
das empresas, dispostas a pagar por abortos, é apenas a expressão de uma visão
empresarial que entende as suas trabalhadoras como “machos malparidos?”
A década que se segue ao fim
da escola, seja o ensino secundário ou superior, costuma ser marcado por um
“deixar para trás as coisas de criança” (I Cor 13,11) e pela transição para uma
vida de permanência. Isso costumava implicar arranjar um emprego, mudar-se para
o seu próprio espaço, casar e ter filhos.
A nossa configuração económica
actual – incluindo as empresas financiadoras de abortos – está a minar o
equilíbrio entre a vida e o trabalho.
Salários mínimos e
expectativas máximas são uma mistura que torna cada vez mais difícil atingir a
independência económica, levando ao adiamento do casamento e da paternidade.
Não é de admirar que muitas destas mesmas empresas “woke” estão dispostas a
pagar às suas trabalhadoras para congelar óvulos e adiar a gravidez, como se
fosse a mesma coisa ter filhos aos 45 ou aos 25.
O professor Henry Higgens torna-se,
assim, um modelo para qualquer director de Recursos Humanos de uma grande
empresa moderna quando pergunta, em My Fair Lady, “porque é que uma
mulher não pode ser mais como um homem?”
John Grondelski (Ph.D.,
Fordham) foi reitor da Faculdade de Teologia da Seton Hall University, South
Orange, New Jersey. As opiniões expressas neste texto são apenas
suas.
(Publicado pela primeira vez
em The Catholic Thing na Quarta-feira, 7 de Setembro de
2022)
© 2022 The Catholic Thing. Direitos
reservados. Para os direitos de reprodução contacte:
info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum
de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva
responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o
consentimento de The Catholic Thing.