Michael Pakaluk |
Lendo essas palavras, por alguma
razão não me saía da cabeça o martírio de São João de Brébeuf. Fui por isso à
procura do relatório original preservado
pelos Jesuítas, que tem por base o testemunho dado logo no dia seguinte por
dois índios Huron que testemunharam a sua morte e conseguiram escapar.
Começaram por lhe arrancar as
unhas. Depois espancaram-no ferozmente com cacetes, atingindo-o cerca de 200 vezes
nos lombos, barriga, pernas e face. “Embora o peso destes golpes tenha sido
esmagador para o padre De Brébeuf, não deixou de falar continuamente de Deus, e
de encorajar os novos cristãos que estavam cativos como ele a sofrer bem, para
que pudessem morrer bem, podendo assim ir com ele para o Paraíso.”
A seguir, um dos índios
Iroquois levou a cabo uma caricatura de um baptismo, entornando água a ferver três
vezes por cima da sua cabeça. “Echon”, disse o índio, usando o seu nome em
Huron, “tu dizes que o baptismo e os sofrimentos desta vida conduzem directamente
ao Paraíso; tu para lá irás em breve, por isso vou-te baptizar, e fazer-te bem
sofrer, para que possas ir tanto mais rápido para o teu Paraíso.”
Então colocaram sobre ele um
colar de seis machados de guerra incandescentes. “Nunca vi um tormento que me
causasse tanta compaixão como aquele. Estávamos diante de um homem, atado nu a
um poste, com este colar à volta do pescoço, que não sabe em que posição deve
estar. Inclinando-se para a frente, pesam-lhe mais os que tem em cima dos
ombros, inclinando-se para trás sofre o mesmo com os que tem sobre a barriga; mantendo-se
direito, sem se inclinar para um lado ou para o outro, os machados
incandescentes, aplicados de igual forma de ambos os lados, torturam-no
duplamente”.
Depois, puseram-lhe em torno do
peito um cinturão recheado de alcatrão e resina altamente inflamáveis e pegaram-lhe
fogo, “assando todo o seu corpo”. Durante tudo isto o padre De Brébeuf aguentou
que nem uma rocha, insensível ao fogo e às chamas, para espanto dos malditos
sanguinários que o atormentavam. O seu zelo era tal que pregava continuamente a
estes infiéis, tentando convertê-los”.
Então, para o impedir de falar,
cortaram-lhe os lábios. Depois esfolaram-lhe as pernas, até ao osso, e assaram
a carne diante dele. Continuaram a gozar. “Como bem vês, estamos a ser teus
amigos, pois seremos a causa da tua felicidade eterna. Porque é que não nos
agradeces por estes bons ofícios que te prestamos, uma vez que quanto mais
sofres, mais Deus te vai recompensar.”
Quando estava já prestes a
morrer, mas ainda vivo, arrancaram-lhe o coração e comeram-no, bebendo o seu
sangue ainda quente. Estavam de tal forma impressionados pela sua coragem que
queriam ser como ele.
Note-se que este testemunho extraordinário
não veio do nada. O padre de Brébeuf tinha chegado a “Nova França” 24 anos
antes. Estudou com muito cuidado primeiro os Algonkin, depois os Huron. Foi o
primeiro europeu a aprender a falar fluentemente a língua Huron, tendo escrito
um dicionário, uma gramática e catecismos.
Escreveu também um famoso cântico Huron, em Wendat, que
contém um aviso contra as tentações do demónio.
Tende coragem, vós, que sois
homens. Jesus, Ele nasceu.
Vede, fugiu aquele espírito
que nos aprisionava.
Não o escutais, pois
corrompe-nos a mente, o espírito dos nossos pensamentos.
(Aqui podem ouvir a
música original, tirada de “Une Jeune Pucelle,” uma música tradicional
francesa de 1557.)
A Viagem Espiritual
de João de Brébeuf revela um homem profundamente dedicado à oração contemplativa,
e que seguia rigorosamente a sua regra; que teve muitas visões místicas,
algumas das quais acompanhadas em simultâneo por tentações demoníacas. Em 1631
fez um “juramento de serviço”, com as seguintes palavras: “Juro nunca falhar,
da minha parte, na graça do martírio, caso na tua infinita misericórdia algum
dia o ofereceres a mim, o teu servo indigno”.
Mas talvez seja igualmente impressionante
o seu martírio sem sangue, o facto de ter regressado ao apostolado, uma e outra
vez, ao longo de três décadas, apesar da repetidas rejeições e perseguições, e
com nada mais que uma mão cheia de conversões. Pouco antes de morrer, escreveu:
Deus meu, porque é que não
és conhecido? Porque é que esta terra bárbara não está convertida a ti? Porque
não foi abolido daqui o pecado? Porque não és amado? Sim, meu Deus, se todos os
tormentos que os cativos podem aguentar nestes países, pela crueldade das
torturas, caírem sobre mim, a isso me ofereço com todo o coração, e
sofrê-los-ei sozinho.
São João de Brébeuf, rogai por
nós.
Michael Pakaluk, é um académico associado a Academia
Pontifícia de São Tomás Aquino e professor da Busch School of Business and
Economics, da Catholic University of America. Vive em Hyattsville, com a sua
mulher Catherine e os seus oito filhos.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quarta-feira, 15 de Março de
2023)
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