Friday 28 July 2023

Contagem decrescente e adeus à Madre Marie Bernardette

Já se começam a ver por aí, mas dentro de poucos dias Lisboa será inundada de centenas de milhares de jovens repletos de uma alegria contagiante. Este será, sem comparação possível, o maior evento alguma vez organizado em Portugal. Se vivem em Lisboa, ou tencionam estar por cá durante a JMJ, sugiro que párem uns instantes para pensar no enorme privilégio que é podermos acolher cá esta malta toda.

Já agora, se conhecem pessoas que vêm a Portugal como peregrinos, ou noutra qualidade, não deixem de partilhar com elas o guião que escrevi com dez dicas fundamentais!

Infelizmente nem todos os que querem vão conseguir estar presentes, uma vez que Portugal está a recusar vistos a muitos, sobretudo de países em desenvolvimento, levando-os a perguntar se a JMJ é só para ricos.

Da minha parte, estarei a trabalhar durante a semana da JMJ como comentador, por isso se me virem várias vezes na SIC Notícias, não estranhem nem mudem de canal. Na véspera, dia 31, também vou estar no Contracorrente, da Rádio Observador.

O resto do mundo está já de olhos postos em nós. Esta semana dois dos principais jornais católicos americanos publicaram reportagens sobre Portugal. Tive o privilégio de ser entrevistado para ambos esses artigos. Podem ler aqui o do National Catholic Reporter e aqui o do National Catholic Register.

A delegação portuguesa da fundação Ajuda à Igreja que Sofre vai estar muito activa na JMJ, alertando para a realidade da perseguição aos cristãos em todo o mundo.

Um bom exemplo passa-se o Iraque, onde o Patriarca da Igreja Católica Caldeia, a maior do país, está em guerra aberta com a presidência da República, e anunciou que iria retirar-se de Bagdade, mudando-se para o Curdistão Iraquiano.

Já na Ucrânia há a lamentar a destruição de uma grande catedral ortodoxa em Odessa.

Mudando totalmente de assunto, certamente ouviram que na quarta-feira morreu a cantora Sinéad O’Connor. A irlandesa gostava de usar a sua bela voz para mais do que apenas cantar, não hesitando em partilhar as suas opiniões sobre os mais diversos assuntos, incluindo a religião. Aqui podem ler um apanhado que fiz sobre a sua muito conturbada caminhada religiosa, que incluiu rasgar uma fotografia do Papa João Paulo II, a posterior ordenação na “Igreja Latina Tridentina” e por fim a conversão ao Islão. Tem tanto de fascinante como de trágico, sendo por isso um bom reflexo do resto da sua vida.

O artigo do The Catholic Thing desta semana é do Pe Paul Scalia, que faz uma análise interessantíssima do Evangelho da semana passada, sobre o trigo e o joio. Não deixem de ler.

Obviamente, estarei muito ocupado na próxima semana, por isso não consigo garantir que tenha tempo para enviar o Actualidade Religiosa, mas vou tentar.

Thursday 27 July 2023

A tortuosa caminhada religiosa da Madre Marie Bernadette (AKA Sinéad O’Connor)

A morte de Sinéad O’Connor, ontem, aos 56 anos, tem sido lamentada e muito se tem falado sobre o seu percurso musical. Menos atenção tem merecido a sua muito complexa caminhada religiosa.

O primeiro grande incidente de carácter religioso em que Sinéad O’Connor se envolveu foi em 1992 quando rasgou uma fotografia do Papa João Paulo II durante uma actuação em directo na televisão.

A cantora estava a cantar a música “War” de Bob Marley, no Saturday Night Live e o combinado era que durante a música seguraria numa fotografia de uma criança soldado. Contudo, quando chegou a esse momento mostrou uma fotografia de João Paulo II e rasgou-a em pedaços, enquanto dizia “luta contra o verdadeiro inimigo”.

O’Connor defendeu o seu gesto como uma crítica aos abusos sexuais de crianças no seio da Igreja Católica. Independentemente do que se possa pensar sobre o acto em si, a verdade é que estava alguns anos à frente do seu tempo, pois como se veio a ver o escândalo dos abusos e do seu encobrimento existiam de facto em vários países, incluindo na sua nativa Irlanda, mas ainda não se falava muito do assunto.

O incidente foi recebido com silêncio sepulcral em estúdio, mas levou a fortes críticas nas semanas seguintes, de tal forma que num concerto de tributo a Bob Marley nem conseguiu acabar de cantar, tais foram os apupos da multidão. Foi ainda criticada por Madonna por ter ofendido a Igreja Católica e pelo apresentador do SNL, Joe Pesci, que mostrou a mesma fotografia recomposta e colada por ele e disse que se não fosse o apresentador teria dado à cantora uma chapada.

Foi por isso com alguma estranheza que muitos assistiram à transformação de O’Connor de contestatária do Papa em sacerdotisa de uma Igreja cismática supostamente tradicionalista.

A Igreja em causa era a Igreja Latina Tridentina, conhecida oficialmente como Igreja Ortodoxa Católica e Apostólica da Irlanda (IOCAI), liderada pelo bispo Michael Cox. Cox tinha sido ordenado por Ciarán Broadbery, que por sua vez tinha sido ordenado por Clemente Dominguez, líder da Igreja Católica Palmariana, que por sua vez tinha sido ordenado pelo bispo vietnamita Ngô Đình Thục. De todos estes, Thục era o único que alguma vez tinha sido um bispo católico válido, mas acabou, sem surpresas, por ser excomungado, juntamente com todos os outros bispos que ordenou ilicitamente. A IOCAI apresentava-se como sendo ultraconservadora e celebrava o rito tridentino, mas isso não impediu o seu bispo de convidar Sinéad O’Connor para ser ordenada depois de ela lhe fazer um donativo de 50 mil libras irlandesas. Em abono da verdade, diga-se que o donativo foi retirado depois de ela ter sido acusada de simonia pela Igreja Católica da Irlanda, mas a “ordenação” avançou e Sinéad adoptou o nome “Madre Marie Bernardette”.

Numa entrevista em que falou longamente sobre o assunto explicou que se considerava uma sacerdotisa católica legítima e válida e que poderia levar anos, mas Roma acabaria por aceitá-la como tal. Disse também que nunca mais iria usar outra roupa para além das suas vestes sacerdotais e que iria leiloar toda a sua roupa e maquilhagem, para juntar dinheiro para fundar uma casa em Lourdes onde os “travellers” – uma comunidade ao estilo cigano que vive nas Ilhas Britânicas – poderem ir passar férias. Por fim, disse que estava a pensar seriamente em fazer um voto de celibato, mas que o seu namorado lhe tinha pedido para pensar no assunto durante uns 25 anos. Não faço ideia se o leilão da roupa chegou a acontecer, nem se a casa em Lourdes foi construída, muito menos se o voto de celibato se concretizou, mas tenho sérias dúvidas. O mais espantoso é que toda esta conversa decorreu – pelo menos da parte de Sinéad – com a maior seriedade e convicção.

Não sei ao certo quando é que Sinéad deixou de se considerar sacerdotisa e de exercer como tal, mas sabe-se que em 2018 a sua vida religiosa levou outra volta inesperada quando ela anunciou que se tinha convertido ao Islão, adoptando o nome Shuhada' Sadaqat. Shuhada significa “mártires”, ou mais literalmente “aqueles que dão testemunho” e Sadaqat significa dar esmola.

Na altura O’Connor, AKA Madre Marie Bernardette, AKA Sinéad Sadaqat (e estou a deixar de fora outro nome – Magda Davitt – que tinha adoptado entretanto) justificou a sua decisão de se converter ao Islão como “a conclusão natural da caminhada de qualquer teólogo inteligente”. Numa mensagem particularmente polémica, disse que as pessoas não muçulmanas são nojentas, e que nunca mais queria passar tempo com qualquer uma. Mais tarde pediu desculpa.

Não se goza com os mortos, nem é esse o objectivo deste texto. Antes, pretendo demonstrar não só a fascinante – se conturbada – vivência religiosa da cantora irlandesa, mas também como estas procuras por espiritualidades alternativas tão facilmente acabam por conduzir a uma espiral de loucura e irracionalidade.

Num dos seus muitos comentários sobre religião, Sinéad O’Connor disse: “Penso que Deus salva todos, quer queiram ser salvos ou não. Por isso, quando morremos, iremos todos para casa. Acho que Deus não julga ninguém. Ama a todos por igual”.

Esta frase não podia ser menos ortodoxa, mas pelo meio tem uma verdade. Sim, Deus ama todos por igual. E a verdade é que só Deus sabe o que se passava na mente e na alma claramente perturbadas de Sinéad O’Connor. Esperemos que o seu encontro com Ele tenha sido de facto um regresso a casa e o começo de uma nova vida de paz.

Wednesday 26 July 2023

Partilhando da Paciência de Deus

Pe Paul Scalia

Talvez um dos ensinamentos mais difíceis da Igreja seja sobre ela própria: de que é santa. Como é que é possível? Conhecemos a sua história suficientemente bem para saber que existe nela todo o género de impureza. E o que é mais importante, e mais imediato, é que sabemos que nós mesmos – membros da Igreja – somos assolados pelo pecado. Ainda assim, no Credo confessamos que a Igreja é santa, e a parábola de domingo passado, do trigo e do joio, pode ajudar a compreender melhor esta doutrina. 

A parábola descreve algo que era suficientemente frequente na antiguidade para que existissem leis específicas sobre o assunto. Um homem semeava joio no campo de trigo do seu inimigo. A erva assemelha-se ao trigo e crescia juntamente com ele. Mas se não fosse eliminado seria colhido com o trigo, entrava no pão e envenenava os consumidores, por vezes fatalmente.

Nosso Senhor deixa claro que a Igreja – os filhos do Reino – é a boa semente que o Pai semeou no mundo. Logo, a Igreja é santa. Não é uma mera criação humana, mas a fundação e a casa do Senhor, plantada pela sua mão, estabelecida como Corpo de Cristo. A Igreja é a árvore que cresce ao contrário, com as raízes no céu e os ramos aqui na terra.

Mas a Igreja existe num mundo caído, e o inimigo está à espreita. Como a parábola torna claro, ele semeia sementes más entre os filhos do reino. Há veneno, é verdade, mesmo dentro da Igreja. O problema é que a semente má é muito parecida com a boa. Por isso o Senhor da casa diz aos seus criados para esperar. Deixem-nos crescer juntos até ao tempo da colheita. Nessa altura será possível discernir e julgar.

Uma primeira lição da parábola é que não nos devemos surpreender com a maldade e a podridão na Igreja. Devemos ficar desiludidos, tristes e zangados, sim. Mas surpreendidos não. A existência de ervas daninhas entre o trigo é evidente desde os primeiros dias da Igreja, até aos dias de hoje.

A parábola é também uma lição sobre a paciência de Deus. A Igreja faz a sua peregrinação ao longo da história na posse de verdadeira e autêntica santidade, mas ainda assim semper purificanda – sempre a precisar de purificação. Não existe uma “era dourada” da Igreja, porque sempre existiu joio entre o trigo. O Pai chama-nos à fasquia mais alta, à santidade, mas é paciente connosco enquanto nos esforçamos por lá chegar.

Mais importante que tudo, a parábola é um convite para participar na paciência de Deus. Muitos dos que parecem ser joio acabarão por se revelar trigo – e vice-versa. Ele é paciente contigo, que por vezes pareces joio, e convida-te a seres paciente com o teu vizinho irritante, que pode bem ser trigo.

Por isso confessamos que a Igreja é santa, e esperamos pacientemente a sua purificação final, enquanto “crescemos em todos os sentidos para Cristo, que é a cabeça” (Efésios 4,15). A Vida da Igreja deve ser animada pela paciência de uns para com os outros. Mesmo a excomunhão, a pena mais severa da Igreja, é um exercício de paciência, na medida em que não tem por objectivo uma separação definitiva, mas o regresso e o arrependimento do visado.

E isto leva-nos à questão da disciplina e do castigo na Igreja. A parábola não pode ser lida em isolamento. Noutro local o Senhor dá instruções claras sobre como corrigir um irmão e, se ele não se arrepender, que “seja para vós como um gentio, ou um publicano” (Mateus 18,17). Paulo tinha recomendações severas para lidar com os transviados. “Com o poder do Senhor Jesus Cristo, entreguem esse homem ao poder de Satanás para que, embora o corpo se perca, o seu espírito possa salvar-se no dia em que o Senhor vier. (1 Coríntios 5, 4-5).

Tudo isto significa que existe um lugar para identificar e corrigir aqueles que se tresmalharam. Mas isso cabe aos pastores, e não às ovelhas. A parábola de hoje é dirigida às multidões, não aos apóstolos. Os bispos têm o direito de disciplinar, porque têm essa incumbência. Tal disciplina procura o bem das almas, clarificando os ensinamentos e evitando o escândalo. Mas quando os pastores não disciplinam, os membros da Igreja perdem a paciência e assumem eles o papel de arrancar o joio, levando com ele muito trigo.

De quem é que te gostarias de livrar? Essa questão leva-nos muito rapidamente ao centro da parábola. Cuidado, porque aqueles que tu consideras joio podem muito bem ser do trigo que dá mais frutos no Reino. E tu, és trigo ou joio? Essa pergunta leva-nos ao centro da parábola ainda mais rapidamente. Devemos preocupar-nos menos com o joio dos outros, e mais em darmos nós fruto. Devemos participar da paciência de Deus, sem apelidar os outros de semente má, nem presumir que somos bons. A sua graça está a trabalhar dentro de cada um de nós, instando-nos a voltarmo-nos para Ele, para sermos santificados. 

Deixai-os crescer juntos até à colheita. Estas palavras expressam paciência, mas não indulgência. A paciência de Deus tem limites, e está ordenada para a nossa conversão. Por isso ainda que a sua paciência nos console e encha de esperança, esforçamo-nos para dar fruto no dia da prestação de contas, na colheita.


O Pe. Paul Scalia é sacerdote na diocese de Arlington, pároco da Igreja de Saint James em Falls Church e delegado do bispo para o clero. 

(Publicado pela primeira vez no domingo, 23 de Julho de 2023 em The Catholic Thing

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The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.    



Friday 21 July 2023

De Tuvalu a Lisboa são duas semanas de distância

Faltam duas semanas para a JMJ, certo? Bom, para alguns peregrinos não. Já há malta a caminho de Portugal, nomeadamente malta que vem de longe. Conheçam aqui alguns dos grupos que já estão a calcar terreno, incluindo os representantes de Tuvalu e Vanuatu!

Sabemos que o Patriarca tem o sonho de trazer representantes de todo o mundo a Portugal para a JMJ, mas será possível? Há países onde as dificuldades ultrapassam a distância e o dinheiro. Os sírios e os libaneses, por exemplo, estão mergulhados em profundas crises e Portugal hesita em dar-lhes vistos, com medo de que depois não queiram regressar. A fundação AIS está por isso a financiar encontros nos países deles para estarem em comunhão com os jovens que cá vão estar.

O futuro cardeal D. Américo Aguiar esteve durante a semana passada na Ucrânia, para levar um pouco do espírito da JMJ a quem, por causa da guerra, não pode vir a Portugal. O bispo explicou ainda que não haverá nenhum momento simbólico para tentar juntar peregrinos russos e ucranianos durante o evento cá, evitando assim o que poderia ser mais um incidente diplomático.

Ainda no tópico da JMJ, na semana passada fiz um post em que D. Américo explicava a sua frase polémica sobre não querer converter jovens na JMJ a Cristo. Acompanhei essa explicação do meu próprio comentário, em que apontava o facto de alguns grupos terem divulgado a sua frase inicial, interpretando-o da pior forma possível. Pedi que deixássemos de o fazer, para evitar a polarização na Igreja. Acontece é que também referi que esses grupos eram na maioria conservadores e tradicionalistas, pelo que algumas pessoas acusaram-me a mim de estar a contribuir para a mesma polarização que lamentava. Terão razão? Pensei no assunto ao longo destes dias, e fiz esta reflexão.

Há novidades no que diz respeito aos abusos em Portugal, com o arquivamento de mais alguns casos e informações novas relativas a um dos padres de Lisboa que está provisoriamente afastado do ministério. Mais tarde, provavelmente depois da JMJ, vou voltar a aprofundar este assunto e fazer um ponto de situação, mas por enquanto podem acompanhar as novidades na cronologia.

O artigo desta semana do The Catholic Thing é de Stephen P. White, que fala de como 50 anos de Comunismo deturparam a cultura e os hábitos na Europa de Leste, mas pergunta no Ocidente estamos muito melhor. Vale a pena ler, como sempre.

Thursday 20 July 2023

JMJ - "Virão dos quatro cantos da terra"

Já começou!

Para nós pode parecer que ainda faltam quase duas semanas para começar a JMJ Lisboa 2023, mas para muitos peregrinos que vêm de mais longe, a aventura já começou. 

Neste momento já estão a caminho grupos da Nova Zelândia, como estes de Bathurst, que estão a caminho do Luxemburgo para depois vir com os luxemburgueses para Lisboa. Com eles trazem representantes da Ilha de Vanuato, no Pacífico (em baixo). 


Mas há também este grupo da Nova Zelândia, que já se encontra em França, e que traz o único representante de Tuvalu, outra ilha nação do Pacífico.


O Médio Oriente será representado certamente por vários grupos, seja de Egípcios, Libaneses e Iraquianos - os sírios muito dificilmente poderão vir, e muitos libaneses também não por causa da crise e da guerra, mas terão os seus próprios eventos em paralelo - mas já estão a caminho grupos de Omã, dos Emirados Árabes Unidos (em baixo) e da Arábia Saudita (no topo). 

E por fim, temos grupos do Brasil também já a fazer-se à estrada, como este de Niterói. 

A delegação do Sudão do Sul, com a delegação da Etiópia, a receber uma bênção antes de partir de Adis Abeba


Voluntários do Togo a partir para Lisboa

Colômbia a caminho!

Filipinos antes de partir


Os nossos irmãos de Cabo Verde à chegada a Lisboa


Peregrinos de Timor Leste em Lisboa


Rapaziada de El Salvador prestes a partir


Peruanos juntos antes de deixar Lima


Católicos do Nepal à chegada a Lisboa!


Esta é dedicada a todos os que pensam que estão a fazer um frete por ficar em Lisboa durante a JMJ. 
Os peregrinos das ilhas da Mariana do Norte saíram de Saipan e ainda param em Guam, em Manila, no Dubai e só depois é que chegam a Lisboa.


Peregrinos mexicanos no Canadá, em trânsito para Portugal, acompanhados da embaixatriz de Portugal no Canadá.




A todos os que vêm, Portugal espera-vos e aguarda ansiosamente a vossa alegria e fé! 

Polarização na Igreja: Serei parte do problema?

A semana passada escrevi um texto em que referi o problema da polarização na Igreja. Era sobre a frase polémica de D. Américo Aguiar, e concluí com o seguinte parágrafo.

Todos sabemos que a Igreja está polarizada, como está a sociedade. Podemos alimentar isso, ou podemos agir como irmãos e dar ao outro o benefício da dúvida em situações que podem dar aso a incompreensões. Julgo que essa é uma obrigação que temos enquanto cristãos e pessoas civilizadas. 

O problema é que no seguimento da publicação deste artigo recebi vários comentários a sugerir que eu próprio estava a contribuir para a polarização, atribuindo a culpa da polémica aos conservadores e tradicionalistas.

Estou habituado a receber críticas pelo meu trabalho e opiniões, e acho que lido bastante bem com isso. Às vezes respondo, outras vezes ignoro – sobretudo quando os autores são anónimos – e frequentemente aprendo com elas. Mas desta vez fui apanhado de surpresa porque as críticas vieram de vários campos diferentes, desde tradicionalistas revoltados, a pessoas moderadas e até de amigos próximos cuja opinião estimo e respeito muito.

Transcrevo alguns, para terem uma ideia:

De uma grande amiga: Olá Filipe! Não pondo em questão a intenção da tua tentativa, para dares a tua opinião não me parece que seja preciso dares sempre “encostos” “aos mais conservadores”! Na verdade, nem consigo perceber a quem metes este selo, nem o que este selo significa.

De um “amigo” do Facebook, que não conheço pessoalmente mas que se dirige a mim sempre com bom-senso e cordialidade: Tomo também a liberdade de fazer um comentário ao teu comentário. Concretamente, escreveste que “Agora o meu comentário. A frase foi infeliz, sim. Mas é preciso uma certa má vontade para a interpretar da pior maneira possível, como aconteceu, sobretudo por parte de alas mais conservadoras ou tradicionalistas.”

Tal como tu, sou Católico. E certamente, tal como tu, não olho para a Igreja como para um parlamento ou um partido político. Por isso, se me permites a franqueza, creio que não ajuda a ninguém (exceptuando aos inimigos de Cristo) que se fale em “alas” dentro da Igreja. Todos conheceremos irmãos nossos a quem parece, p. ex.º, que o VI e o IX mandamentos deveriam ser abolidos ou reformados. Serão progressistas? Não creio. Hereges? Talvez também não. Certamente, tal como eu, precisam sim é de conversão. Todos conheceremos irmãos nossos a quem parece que a Missa deveria ser sempre celebrada no Rito Tridentino. São conservadores? Liturgicamente, talvez. Mas talvez também precisem, como eu de conversão.

A Igreja, independentemente da “polaridade” de opiniões dos seus membros sobre temas opináveis (já que, de um modo geral, o que é dogma não é, ou não deveria ser, matéria de discussão), é uma família. E aos filhos de um mesmo Pai penso que não se justifica dividi-los entre conservadores e progressistas. Se alguém o fizer, que seja quem não é Católico ou não entende a Igreja.

E incontáveis comentários irónicos no Facebook ao estilo de: Claro que a culpa aqui também tinha de ser dos tradicionalistas

Eu poderia aqui adoptar uma postura defensiva e dizer que o meu comentário sobre conservadores e tradicionalistas não era uma atribuição de culpa, mas apenas a constatação de um facto, que foi nesses meios e ambientes que a frase – e a pior interpretação possível da mesma – se tornou viral. Agora, a culpa da polémica, a existir, é de quem profere uma frase que depois tem de ser explicada, sobretudo quando a pessoa em causa é conhecida por ser boa comunicadora.

Mas o facto de terem sido estas as reacções ao que eu escrevi leva-me a pensar que desta vez não me posso safar à defensiva. Tenho de pensar se de facto não ando a contribuir para esta polarização que tanto lamento, e tenho de perceber que este último “incidente” não aconteceu apenas por causa de um texto meu, mas provavelmente porque já fiz o mesmo noutras alturas.

Por mais que eu compreenda a posição do meu amigo do Facebook, a verdade é que existem tendências e alas na Igreja e não me parece ser necessário fingir o contrário. Onde concordo com ele é no facto de sermos todos filhos do mesmo Pai, todos membros da mesma Igreja, e por isso não podemos nem devemos apontar o dedo aos que se encontram noutro grupo e dizer que nós somos filhos e eles enteados.

Nem é necessário que a existência de alas seja uma coisa má, na medida em que cada uma pode contribuir com os seus dons e capacidades, e na medida em que a sua coexistência seja marcada pela caridade e pela compreensão. Haverá sempre extremos que não se suportam facilmente, mas também na família isso acontece.

A questão central para mim está na relação com o sucessor de Pedro, que deve ser o centro e garante da nossa catolicidade. E é nesse sentido que eu reajo contra os ataques ao Papa e aos bispos vistos como próximos dele neste pontificado, da mesma forma como reagia contra os ataques a Bento XVI ou a João Paulo II. A questão é que nessa altura eu não tinha o “palco” que tenho hoje, e por isso poucos davam por isso.

Não se põe aqui a questão de defender sempre tudo o que o Papa diz e faz, mas sim de dar sempre o benefício da dúvida e agir com ele sempre dentro do respeito, da caridade cristã e da filial obediência. E a verdade é que fico chocado com alguns dos ataques que vejo ao Papa e à Igreja actualmente, vindos de pessoas que noutros pontificados defendiam acerrimamente o Sumo Pontífice.

Dito tudo isto, se me pedissem para me definir a mim mesmo, diria que sou um conservador em vários sentidos da palavra, embora tente manter uma mente e um coração aberto, esperando poder discernir entre o trigo e o joio, mas confiando acima de tudo que o Espírito Santo ajuda quem de direito a fazer essa discriminação para bem da Igreja e do Reino de Deus.

O que nos traz de volta à questão inicial. Com os meus sucessivos “encostos” aos conservadores e tradicionalistas, sobretudo quando sinto que eles estão a atacar o Papa directa ou indirectamente, estou a contribuir para o bem da Igreja e para o Reino de Deus? A julgar pelas reacções ao meu post sobre o D. Américo, estou a falhar. Peço por isso desculpa, a todos, mas especialmente aos que se sentiram visados.

Como disse nesse post, o combate contra a polarização começa em casa, com cada um de nós. Também eu vou tentar melhorar nesse aspecto.

Wednesday 19 July 2023

Se Deus está Connosco

Stephen P. White
Cracóvia, Polónia – Escrevo estas linhas enquanto os participantes do Seminário Tertio Millennio sobre a Sociedade Livre acabam de assistir a uma palestra sobre bioética. Os alunos vêm de nove países diferentes, para estudar a doutrina social da Igreja durante três semanas, aqui na Polónia. Ainda hoje visitarão o lugar a que João Paulo II chamou “Gólgota do mundo moderno”.

Mais de um milhão de homens, mulheres e crianças, na sua maioria judeus, foram assassinados no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau. Foi lá que São Maximiliano Kolbe se ofereceu para tomar o lugar de um homem condenado, dando a sua própria vida pela de um outro prisioneiro. Foi lá também que a filósofa e freira carmelita, Irmã Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein), foi gaseada e cremada em Agosto de 1942.

O inconcebível massacre de Auschwitz terminou finalmente quando o Exército Vermelho chegou, no início de 1945. A ideologia do terror Nazi foi vencida, só para ser substituída pela outra ideologia totalitária do Século XX.

Por aqui, a Segunda Guerra Mundial é recordada por vezes como a guerra que a Polónia perdeu duas vezes: primeiro em Setembro de 1939, quando o país foi invadido a partir do ocidente pelas forças do Terceiro Reich, e do oriente, pelo exército soviético; e depois da Guerra quando a Polónia, como grande parte da Europa central e de leste, foi abandonada pelos aliados ocidentais, para ficar debaixo do domínio comunista durante mais de quatro décadas.

Tem sido para mim um privilégio passar várias semanas a leccionar na Polónia todos os verões. Ao longo dos últimos 18 anos os alunos foram mudando, tal como mudaram as grandes preocupações e os assuntos mais urgentes da actualidade. Quando o seminário foi fundado, em 1992, (muito antes do meu tempo) o objectivo principal era formar os futuros líderes das “novas democracias” que estavam a emergir depois de meio século de domínio comunista, para que a doutrina social da Igreja e a sua visão e entendimento da pessoa humana, da solidariedade, subsidiariedade e bem comum pudessem contribuir para a construção do futuro pós-comunista.

A liberdade, quando desligada das verdades sobre o homem, torna-se invariavelmente autodestrutiva. Nem as mais elegantemente escritas constituições democráticas, nem a mais eficiente das economias produtivas pode alterar este facto humano.

Como disse João Paulo II em Centesimus annus: “Na sociedade onde a sua organização reduz arbitrariamente ou até suprime a esfera em que a liberdade legitimamente se exerce, o resultado é que a vida social progressivamente se desorganiza e definha.”

O Papa polaco ofereceu um aviso semelhante aos que viriam a ver na licença o remédio para a opressão comunista. “Uma liberdade que por si própria recusasse vincular-se à verdade, degeneraria em arbítrio e acabaria por submeter-se às paixões mais vis, e por se autodestruir.” Quando uma nação, seja por força ou por escolha, vive segundo a mentira por tempo suficiente, as consequências vão para além da doença económica e da disfunção política. Os hábitos mudam. As culturas também.

Edith Stein
Depois de quase meio século de comunismo, o tipo de hábitos – as virtudes – sobre as quais assentam o autogoverno tinham atrofiado. Os cidadãos precisaram de aprender (ou reaprender) aquilo que outrora tinham sido simples verdades: que a confiança e a verdade não são fragilidades políticas, mas virtudes sociais necessárias. Isto leva tempo. Pode levar gerações.

O mesmo se aplica ao Ocidente, onde os hábitos de licença e excesso se tornaram comuns, ou quase a norma. Consumismo, individualismo, relativismo: estes vícios dissolvem as estruturas da solidariedade que devem dotar a sociedade de vitalidade e força. O resultado vê-se nas formas de profunda alienação social, preocupantemente parecidas com a alienação produzida pelo comunismo. A nossa relativa riqueza e poder tecnológico só pioram as coisas, tornando-nos complacentes.

Grande parte do Ocidente está inoculada contra o Evangelho. É como se as nossas sociedades não fossem apenas indiferentes, mas imunes à Boa Nova. Os “anticorpos” culturais do Ocidente pós-cristão tornam a missão de evangelizar ainda mais difícil. Tudo isto levanta diversas questões: os nossos esforços para humanizar e construir uma sociedade mais justa podem superar a tendência da nossa política, economia e tecnologia para desumanizar e corromper? Podemos construir de dentro uma cultura saudável, mais rapidamente do que é erodida de fora?

Estas questões tornam-se ainda mais perturbadoras quando se considera que as instituições que sempre serviram de obstáculo às piores formas de corrupção cultural – a família e a Igreja – estão, em muitos lugares, em crise. Hoje enfrentamos estes desafios, por assim dizer, de mãos atadas atrás das costas. A esperança pode ser difícil de conseguir.

O meu colega George Weigel alertou para aquilo que apelida de “tirania do possível”, a ideia de que por piores que sejam os tempos em que nos encontramos, por mais escuro que o futuro possa parecer, as coisas não poderiam ser diferentes daquilo que são. A história da Polónia também tem umas lições para nos dar a este respeito.

Foi há apenas uma geração que a força sufocante e aparentemente inquebrável do comunismo nesta parte do mundo terminou de forma abrupta e inesperada, com os eventos de 1989 e depois. E hoje os mártires de Auschwitz são venerados como símbolos de esperança e bondade, mesmo no meio do mal mais inexplicável. A história deste lugar está cheia de recordações de que a salvação não está nas promessas vãs das ideologias, nem nos poderosos deste mundo, mas naquele que se sujeitou à morte e que chama cada um de nós para O seguir até ao Calvário.

Na próxima semana o grupo vai visitar um local muito diferente de Auschwitz: o Santuário da Divina Misericórdia, onde os restos mortais de Santa Faustina Kowalska descansam debaixo da imagem que emergiu da obscuridade para ser venerada por todo o mundo. A misericórdia de Deus limita o mal do mundo. A sua luz brilha na escuridão – uma luz que as trevas não compreendem. Ele conquistou até a morte.

Si deus nobiscum quis contranos?


Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em Washington.

(Publicado em The Catholic Thing na Quinta-feira, 13 de Julho de 2023)

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Friday 14 July 2023

Portugal na Pole Position com Américo Aguiar

Esta semana começou com uma notícia estrondosa, logo seguida de uma pequena polémica. Ambas ainda dão que falar.

A notícia estrondosa e surpreendente foi a de que D. Américo Aguiar vai ser elevado a Cardeal pelo Papa Francisco no próximo consistório. Escrevi um artigo no blog para tentar decifrar a notícia e as suas implicações, e depois fui convidado pelo Expresso para fazer uma versão um pouco mais elaborada e completa para publicar no site desse jornal. O artigo no Expresso está aqui, mas é só para assinantes. Em todo o caso, o essencial do texto está no blog.

Entretanto surgiu a polémica. Numa entrevista à RTP, dias antes de se saber da nomeação, D. Américo disse, a propósito da JMJ, “não queremos converter os jovens a Cristo”. A frase tornou-se viral, sobretudo em certos meios das redes sociais, mas também no estrangeiro.

Ora, eu consegui falar com D. Américo e pedi-lhe um esclarecimento sobre essa frase. Podem encontrar aqui o seu esclarecimento e o meu comentário. Uns ficaram satisfeitos com a explicação, outros não. A vida é mesmo assim. Mas leiam e decidam por vocês.

A conversa que tive com D. Américo serviu também para complementar um perfil que escrevi sobre ele para o The Pillar, em inglês, que podem encontrar aqui.

Também no The Pillar publiquei, na semana passada, um artigo sobre Goa. O governador daquele estado tem dito que chegou a altura de apagar os traços portugueses da região. Como disse um historiador de ascendência goesa com quem falei, isso implicaria demolir toda a cidade velha, e deportar uma boa parte da população. Naturalmente os goeses de ascendência portuguesa estão nervosos. Leiam, que vale bem a pena conhecer esta história.

Também este mês foi publicado um artigo meu sobre a questão dos abusos sexuais na Igreja em Portugal, nomeadamente sobre o trabalho da Comissão Independente, e tudo o que se lhe seguiu. Está na Brotéria, que não tem edição online, mas se tiverem oportunidade de comprar a revista de Julho leiam-no também.

Por fim, esta semana o artigo do The Catholic Thing é diferente do habitual. Brad Miner faz a recensão de um filme que acaba de estrear e que fala do terrível mundo do tráfico de crianças para escravatura sexual. Não é uma leitura propriamente agradável, mas são realidades que devemos conhecer, nem que seja para rezar, muito, pelas vítimas.

Wednesday 12 July 2023

"Sound of Freedom", com Jim Caviezel

Brad Miner
Ainda que este fosse um filme de fraca qualidade, eu seria tentado a elogiá-lo nem que seja porque trata da prática criminal e pecaminosa de raptar crianças para vender para escravatura sexual… e porque o protagonista é o inestimável Jim Caviezel. Mas a verdade é que é um bom thriller, com boas representações, realizada por Alejandro Monteverde, o mesmo que nos trouxe o fantástico filme pró-vida Bella.

O filme inclui Caviezel, Mira Sorvino, José Zúñiga, Eduardo Verastegui, Gerardo Taracena e Bill Camp (que tem a melhor prestação do filme). O guião é de Monteverde e de Rod Barr, e a produção é de Verastegui.

Tim Ballard (Caviezel) deixa o seu cargo como agente especial da U.S. Homeland Security Investigations, tornando-se freelancer, para poder resgatar crianças raptadas por cartéis que, por sua vez, os vendem a traficantes humanos na América Latina que, por sua vez, os revendem por todo o mundo (incluindo para os Estados Unidos) para serem violadas por pedófilos.

Este filme é, como se diz, baseado numa história verídica. O que levanta a questão: Quem é o verdadeiro Tim Ballard? Duas agências americanas recusaram comentar sobre o papel que ele desempenhou, e Tiffany Kaitlin escreveu no The Atlantic que “porta-vozes da CIA e do DHS dizem que não podem confirmar os registos de emprego de Ballard sem a sua autorização escrita, que ele não forneceu”.

Talvez o Sr. Ballard não veja a necessidade de revelar algumas das repreensões que recebeu por causa dos métodos que adoptou, que podem assemelhar-se às que vemos Caviezel protagonizar no filme. É natural que ele tenha sido insubordinado, tendo em conta as restrições impostas aos agentes da lei, tanto táctica como geograficamente.

O que sabemos ao certo é que Ballard fundou a Operation Underground Railroad (O.U.R.) em 2013, com o objectivo de atravessar fronteiras para resgatar crianças detidas por traficantes e pedófilos.

De acordo com a Wikipedia, a O.U.R. tem um ranking de “ponto de interrogação” por parte de um grupo chamado CharityWatch “porque a organização não divulga informação financeira”.

Interessante. Eu nunca tinha ouvido falar da CharityWatch, que segundo outra página da Wikipedia emprega um total de cinco pessoas. Contudo, a principal agência de avaliação de instituições de solidariedade, a Candid, que emprega 200 pessoas e dirige a GuideStar – que avalia organizações filantrópicas e de solidariedade social com classificações que vão do bronze à platina – a O.U.R. tem uma avaliação de prata. Os salários dos executivos parecem ser invulgarmente altos, mas não estamos a falar dos escuteiros e alguns dos operacionais da O.U.R. põem a vida em risco para cumprir as suas missões.

Mas voltemos ao filme.

Os créditos são acompanhados de imagens a preto e branco do que parecem ser verdadeiras filmagens de câmaras de segurança de miúdos a serem raptados na rua e levados de carro ou de motorizada.

O filme propriamente dito começa com uma falsa agente de talentos (a actriz cubana Yessica Borroto Perryman) a recrutar crianças de várias idades (mas todas menores) sob o pretexto de uma audição. Um pai insuspeito (desempenhado por Zúñiga) deixa ambos os seus filhos entusiasmados na tal audição: Rocio (a suberba Cristal Aparicio, que durante as filmagens devia ter 15 ou 16, mas parece pré-adolescente) e o seu irmão mais novo.

Ballard consegue resgatar o irmão mais novo durante uma rusga na fronteira entre os Estados Unidos e o México, mas não há sinal de Rocio, o que o leva a cortar as ligações à DHS, uma vez que não consegue mais trabalhar dentro das restrições do sistema oficial dos EUA.

Enquanto procura saber para onde foi levada a Rocio consegue libertar um número significativo de crianças organizando uma golpada – uma espécie de Ilha da Fantasia para pedófilos – com a ajuda de um ex-membro de um cartel, Batman (Bill Camp) e um aventureiro rico chamado Paul (Verastegui). Mas a busca pela Rocio continua.

E isso conduze-o à sede do traficante de droga El Alacrán (uma actuação tipicamente ameaçadora de Taracena). Não vou revelar como é que acaba o confronto violento entre Ballard e El Alacrán.

Só tenho uma crítica a fazer à realização de Monteverde: perde muito tempo com silêncios e faces, sobretudo a de Caviezel. Silêncios, caras e penumbra são as técnicas mais antigas e fiáveis para disfarçar um baixo orçamento. Mesmo algumas das cenas de pancadaria não são visíveis, embora essa possa ter sido uma forma de tentar evitar que o filme fosse classificado para maiores de 18.

O dia depois de ter visto o filme, um amigo enviou-me um artigo do New York magazine chamado: “Os detalhes condenatórios que levaram a JPMorgan Chase a chegar a acordo com as vítimas de Epstein”. Estamos a falar, claro, de Jeffrey Epstein, que entrou para o mundo das finanças internacionais devido à sua amizade com o empreendedor Leslie Wexner.

(Uma nota pessoal: A associação entre Wexner e Epstein entristece-me. Ele tirou o curso na Universidade de Ohio State, no departamento que era chefiado pelo meu pai quando ele era aluno. Wexner nega conhecimento da pedofilia de Epstein. Espero que seja verdade, porque a sua filantropia, especificamente o apoio dado à Ohio State é impressionante.)

Refirmo-me a Epstein porque a realidade do tráfico sexual é maior do que muitos imaginam. Os seus tentáculos satânicos têm um longo alcance, chegando aos corredores do poder e do dinheiro.

A Newsweek elencou os nomes de alguns dos homens que viajaram nos voos privados de Epstein para as Caraíbas (conhecidos como a Lolita Express). Não vou referir todos, mas incluem Donald Trump, Bill Clinton, o Príncipe André, Bill Gates e Robert F. Kennedy Jr. Todos esses nomes, e outros, foram também divulgados pela CNN e a Associated Press.

De certa forma Epstein é como Theodore McCarrick. Lendo histórias sobre a sua vida, encontramos sempre a mesma atitude que víamos em relação a McCarrick: um encolher dos ombros e um piscar de olho: “Toda a gente sabia”.

De acordo com a Human Trafficking Institute há actualmente perto de cinco milhões de vítimas de tráfico humano, das quais um milhão são crianças, na maioria raparigas.

As Nações Unidas dizem que o tráfico humano é um negócio de 32 mil milhões de dólares por ano. Porque razão, perguntam, é que alguém se dedicaria a um pecado tão criminal?

Bom, no que diz respeito à prostituição infantil, a resposta está no facto de um chulo poder ganhar até 250 mil dólares por ano com apenas uma rapariga, a quem obriga a praticar actos sexuais até dezenas de vezes por dia.

Depois de ver o filme senti vontade de pesquisar mais um pouco, de pensar um pouco fora da caixa. Mas não quero entrar demasiado fundo nesse pântano, em parte porque os números apresentados por diferentes organizações e agências de segurança variam muito. Os polícias podem preocupar-se com as vítimas, mas as suas estatísticas baseiam-se em detenções. Os activistas podem ser sinceros, mas também procuram financiamento.

Se querem chocar-se com a forma como algumas pessoas estão a tentar normalizar a pedofilia, não precisam de ir mais longe do que o livro The Invincible Family de Kimberly Ellis.

Eu só tenho filhos rapazes, mas tenho uma neta, e a preciosidade da sua vida torna bem presente na minha mente os inimagináveis horrores deste “negócio” profano. E explica porque é que o plano de Deus inclui o Inferno, levantado também questões sobre a forma como a Igreja Católica se tem distanciado da pena de morte.


Brad Miner é editor chefe de The Catholic Thing, investigador sénior da Faith & Reason Institute e faz parte da administração da Ajuda à Igreja que Sofre, nos Estados Unidos. É autor de seis livros e antigo editor literário do National Review.

(Publicado pela primeira vez no sábado, 1 de Julho de 2023 em The Catholic Thing)

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"Há quatro anos que falamos de Cristo Vivo. Se não querem ouvir, não ouçam"

Ontem tive a oportunidade de fazer uma curta entrevista a D. Américo Aguiar, e pude perguntar-lhe directamente sobre a polémica frase que disse em entrevista à RTP, há dias, quando referiu que "Não queremos converter os jovens a Cristo". 

Transcrevo primeiro a sua resposta, na íntegra, e depois farei os meus próprios comentários.

A Jornada Mundial da Juventude é um convite para todos, desde sempre. Os Papas convidam os jovens do mundo inteiro a encontrarem-se uns com os outros, a encontrarem-se com o Papa e a viverem uma experiência de Deus. Um encontro com Cristo Vivo. É isso que queremos que aconteça, e é isso que eu sublinho. 

E que cada um regressando à sua realidade, ao seu país, à sua vida, à sua circunstância, tenha um desejo maior de conversão, de ser melhor pessoa, tomar decisões na sua vida; na área vocacional; na sua família; no seu trabalho; nos seus projectos; marcados com a experiência de terem encontrado estes jovens que querem dar testemunho de Cristo Vivo. 

Não entendo a jornada como uma oportunidade ou um evento de proselitismo proactivo para converter tudo e todos os que porventura venham ao encontro da Jornada, nem é essa a leitura que alguma vez foi feita por ninguém. 

Eu compreendo que o isolamento da frase da entrevista, como está, pode gerar perplexidade e erro de leitura. Mas a JMJ é repetidamente um convite dos Santos Padres a todos, uma oportunidade de nos conhecermos todos, de olharmos para aquilo que é a diversidade como uma riqueza, de nos conhecermos, a alegria de dar testemunho de Cristo Vivo. 

Temos dito isto há quatro anos, até à exaustão. Dar testemunho de Cristo Vivo, um encontro com Cristo Vivo, Cristo Vivo, Cristo Vivo. Se não querem ouvir, não ouçam. 

Agora o meu comentário. A frase foi infeliz, sim. Mas é preciso uma certa má vontade para a interpretar da pior maneira possível, como aconteceu, sobretudo por parte de alas mais conservadoras ou tradicionalistas. 

Claramente, o que D. Américo quer dizer é que os participantes na JMJ não estão lá com um espírito proselitista, estilo Testemunhas de Jeová, e que todos se devem sentir bem-vindos, pois não se trata de um encontro de católicos para católicos, mas para todos. Naturalmente, um participante na JMJ que não seja católico, ou sequer cristão, sentir-se-á interpelado e fascinado pelo espírito do encontro e procurará saber a razão dessa alegria. Essa busca poderá conduzí-lo a Cristo, mas isso não será uma imposição. 

Se esta resposta de D. Américo não satisfaz os mais cépticos, então sugiro que se recordem de que se o futuro cardeal está onde está, é porque foi "apadrinhado" por D. Manuel Clemente. E se o Patriarca de Lisboa tem os seus defeitos, como temos todos, a falta de ortodoxia e de espiritualidade não está entre eles. 

A ideia de que D. Manuel Clemente teria escolhido a dedo o actual D. Américo para ser seu braço direito primeiro no Porto e depois em Lisboa, e que tenha conseguido que ele fosse nomeado bispo auxiliar no Patriarcado sem ter a certeza de que ele é um homem de Deus e um fiel filho da Igreja, é absurda. 

Todos sabemos que a Igreja está polarizada, como está a sociedade. Podemos alimentar isso, ou podemos agir como irmãos e dar ao outro o benefício da dúvida em situações que podem dar aso a incompreensões. Julgo que essa é uma obrigação que temos enquanto cristãos e pessoas civilizadas. 

Leia também: Decifrando a nomeação de D. Américo a Cardeal

Monday 10 July 2023

Decifrando a elevação de D. Américo a Cardeal

[Uma versão mais extensa e detalhada deste artigo foi publicada entretanto no Expresso]

Os jornalistas adoram dizer que já sabiam que as coisas iam acontecer, fortalecendo assim as suas credenciais de especialistas em certas matérias. Pois, da minha parte, posso dizer que fui apanhado totalmente na curva pela escolha de D. Américo Aguiar para cardeal.

Contudo, consumada a decisão do Papa, podemos tentar analisar e contextualizar.

Lisboa ou Roma?

Ao ouvir o anúncio, muitas pessoas assumiram que com este gesto o Papa está já a dar um sinal de quem vai suceder a D. Manuel Clemente como Patriarca de Lisboa. Aliás, faria mais que sentido. D. Américo é o “delfim” de D. Manuel. O actual Patriarca fez questão de o trazer do Porto, onde já tinham trabalhado juntos e onde D. Américo se tornou o seu braço direito; conseguiu que ele fosse nomeado bispo auxiliar de Lisboa e durante muito tempo pareceu um dado assente que D. Américo seria o sucessor designado.

Contudo, e com base nas informações que tenho até ao momento, esse cenário de D. Américo ser o próximo Patriarca de Lisboa está posto de parte. Tanto quanto sei, o seu nome nem consta da actual terna – a lista de três hipóteses elaborada pelo Dicastério para os Bispos, com o precioso auxílio da nunciatura – que vai ser apresentada ao Papa para ele escolher. Não que isso tenha impedido o Papa, no passado, de fazer as suas próprias escolhas… Contudo, neste caso, parece-me claro que D. Américo não será o próximo Patriarca.

Sendo assim, também é muito pouco provável que Francisco tenha criado D. Américo cardeal para o enviar para outra diocese em Portugal. (O Porto faria algum sentido, sendo a sua diocese de origem, e nos piores momentos da crise dos abusos em Portugal ainda me ocorreu que D. Manuel Linda fosse retirado de lá, mas, entretanto, recebeu novos auxiliares, pelo que deve estar para continuar por lá.) De resto, não vejo o Papa a enviar D. Américo para Setúbal, ou para a Guarda, nem a permanecer em Lisboa como auxiliar depois da saída de D. Manuel, pelo que presumo que a sua próxima paragem seja Roma. A confirmar-se o sucesso da JMJ, faria sentido ele ficar mais permanentemente ligado à organização destes eventos, ou outros do género. Tenho ouvido dizer que Francisco quer imprimir às JMJ um estilo diferente, mais ecuménico, e D. Américo pode ser o homem que pretende para executar isso.

Mas mesmo a decisão de arranjar um cargo para ele em Roma não explica a nomeação cardinalícia, pois uma das marcas do pontificado de Francisco é precisamente que já não existem postos que obrigam à nomeação cardinalícia. Daí que se há uma coisa de que podemos ter a certeza é de que esta decisão do Papa Francisco é um sinal de estima pessoal e um voto de confiança em D. Américo.

Subida meteórica

No meio disto tudo, convém não esquecer que D. Américo ainda não tem 50 anos e que, ainda por cima, a sua foi uma vocação tardia, tendo sido ordenado padre “apenas” aos 27 anos. Ou seja, em 22 anos ele passou de padre recém-ordenado a Cardeal, e tem agora 30 anos como cardeal eleitor, podendo por isso escolher os próximos Papas. Isto não significa que D. Américo seja “papabile”, parece-me muito prematuro falar de tais hipóteses, mas a confirmar-se a sua ida para Roma, e conhecendo o jeito para política, é de esperar que ele venha a desempenhar um papel importante em futuros conclaves, que serão quase certamente mais que um.  

Uma fartura de Cardeais portugueses

O aumento do número de cardeais portugueses durante o pontificado do Papa Francisco é incrível, sobretudo se tivermos em conta que neste pontificado Francisco tem feito questão de escolher cardeais das zonas mais variadas, em detrimento dos países do “velho mundo” católico.

A partir do momento em que D. Américo for elevado ao cardinalato teremos quatro eleitores, durante pelo menos os próximos quatro anos, mas esse número até pode aumentar. Caso D. Américo vá para Roma, o próximo Patriarca de Lisboa deve, segundo a bula “Inter praecipuas apostolici ministerii”, de Clemente XII, de 1737, ser elevado ao cardinalato logo no primeiro consistório a seguir à sua nomeação. É verdade que o Papa está acima das próprias bulas, e no caso de D. Manuel Clemente a elevação foi feita não no primeiro, mas no segundo consistório, já depois de D. José Policarpo ter morrido.

Aqui entram em conflito diferentes tradições e regras. Por um lado, a tal bula, e por outro o costume de não nomear cardeal um arcebispo (neste caso Patriarca) enquanto o seu antecessor ainda for eleitor. Mas a bula tem mais peso do que os costumes, embora nem uma nem os outros obriguem o Papa a nada.

Por enquanto, podemos contar pelo menos com quatro cardeais eleitores, e dois não eleitores. Ora, vejamos isto à luz da actual realidade de países comparáveis com Portugal:

  • A Irlanda, por exemplo, não tem um novo cardeal desde 2007.
  • A Austrália, há 20 anos.
  • Espanha tem, neste momento 12 cardeais, o dobro de Portugal, e vai ter mais dois, nomeados com D. Américo. Eleitores, tem seis e vai passar para oito, também o dobro. Mas Espanha tem quase cinco vezes mais população que Portugal, portanto em proporção pode-se dizer que Portugal tem mais cardeais do que Espanha.
  • A Áustria e a Bélgica têm uma população comparável com a de Portugal e tem apenas um cardeal cada, que é eleitor.
  • O Brasil tem oito cardeais, seis dos quais eleitores, e tem uma população 21 vezes maior que Portugal.
  • Portugal passa a ter mais dois cardeais que o Canadá, e o mesmo número de eleitores, tendo o Canadá quatro vezes mais pessoas que Portugal.

Enfim, percebem a ideia.

Se juntarmos a isto o facto de Portugal estar prestes a receber a segunda visita do Papa Francisco, quando países como Espanha não receberam nenhum, percebemos que Portugal tem tido um tratamento contracorrente neste pontificado, o que é muito interessante.

Friday 7 July 2023

JMJ bem encaminhada e prefeitos menos que perfeitos

Já falta menos de um mês para o início da JMJ em Lisboa. Foram anos de espera e preparação. Em que estado é que as coisas estão? Passei vários dias a recolher informação, que resultou em mais um artigo para o The Pillar. No final admito que fico optimista, leiam para conferir porquê.

E isto foi antes da revelação de um estudo da PWC que estima um impacto positivo do evento para o país de mais de 400 milhões de euros brutos!

Nem todos os jovens do mundo conseguirão vir a Lisboa. No Iraque, os católicos da Igreja Caldeia fizeram o seu próprio encontro perto de Erbil. Falei com uma das participantes sobre a importância deste tipo de eventos para encorajar uma comunidade que já sofreu tanto nos últimos anos.

A mais recente polémica na Igreja Católica é a nomeação de um bispo argentino, muito próximo do Papa Francisco, para prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé. As alas mais conservadoras da Igreja acusam-no de ser demasiado progressista, e inadequado para o cargo. Neste artigo reúno os principais dados que existem sobre ele e os argumentos de um lado e de outro, e recordo que nas últimas décadas os ocupantes deste cargo sempre foram alvo de críticas e de caricaturas que acabam por nunca corresponder à realidade. Saibam mais aqui.

À medida que sai mais informação sobre a situação em Cabo Delgado, mais nos vamos apercebendo da dimensão da tragédia causada por fundamentalistas islâmicos naquela região de Moçambique. O que tinha sido inicialmente descrito como um ataque isolado, afinal foi um massacre que terá causado mais do que as 1300 vítimas entretanto apontadas pelo Governo.

Num belo gesto, o Papa Francisco criou uma comissão para estudar e registar os “novos mártires”. Esta comissão não se limitará aos católicos, mas abrangerá todos os cristãos, seja qual for a sua confissão.

Continua-se a falar do Sínodo para a Sinodalidade. Esta semana que passou, o bispo auxiliar de Astana, no Cazaquistão, Athanasius Schneider, escreveu um artigo a criticar o processo sinodal, que foi publicado no The Catholic Thing. Pouco depois o autor Stephen P. White escreveu sobre o mesmo assunto, elencando algumas das críticas, mas explicando porque razão mesmo os mais cépticos não devem descartar à partida um processo que vai certamente marcar o futuro da Igreja.

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