Wednesday, 29 March 2023

Despertando a Fé

Pe. Paul Scalia
Vivemos a Quaresma com os olhos postos na profissão de fé, na Páscoa. Nessa altura os catecúmenos farão a profissão de fé pela primeira vez e os baptizados renovarão a sua. É por isso que a Igreja nos dá a ler Evangelhos sobre a fé durante a Quaresma.

Ao longo das passadas cinco semanas temos escutado essas lições. Jesus é transfigurado diante dos apóstolos para confirmar nas suas mentes aquilo que já sabem pela fé. Na sua conversa paciente com a samaritana Jesus conduze-a a conhecê-lo como o Cristo: “Sou eu, que falo contigo”. Da mesma forma conduz o cego de nascença da escuridão da ignorância para a luz da fé. Este arranjo de leituras tem por objectivo aprofundar a nossa fé para que possamos renovar ainda mais convictamente as nossas promessas baptismais na Páscoa.

No passado domingo ouvimos esta última lição sobre a fé antes da Semana Santa. O relato da ressurreição de Lázaro (João 11, 1-45) coloca-nos diante do maior dos milagres de Jesus, o seu último “sinal” no Evangelho de São João. Do início ao fim, estamos perante uma história de fé. E a heroína da cena é Marta, a irmã ansiosa e mandona da mais pacífica e contemplativa Maria. Em Marta vemo-nos como somos e como devíamos ser.

Desde o início sentimos que Jesus pretende aumentar a fé de Marta e de Maria. O Evangelista João diz-nos que “Jesus amava Marta, a sua irmã, e Lázaro”. Depois diz, como se fosse uma consequência lógica: “Quando ouviu que ele estava doente, permaneceu ainda dois dias no lugar onde estava.” Como é que se explica esta demora?

Não é que nosso Senhor seja insensível e despreocupado com o pobre Lázaro. É antes que ele permite que esta grande tristeza recaia sobre aqueles que ama para poder retirar deles um maior acto de fé. Ele permite que a situação ultrapasse a mera esperança humana. Permite o desespero. Atrasa a sua resposta para lhes poder dar a oportunidade de aumentarem a sua fé. 

Porque é que Ele não vem? Podemos imaginar Marta a fazer essa pergunta quando Jesus não chega imediatamente. É uma pergunta que também nós colocamos sempre que as nossas orações parecem demorar a ser atendidas. Quanto tempo, meu Deus? Esta passagem fornece-nos, por isso, uma lição sobre a oração de intercessão. Não devemos desistir de rezar quando não vemos resultados imediatos, ou quando as coisas até parecem piorar. A nossa fé aumenta quando esperamos pelo Senhor. Ou, melhor dito, quando Nosso Senhor nos faz esperar é para aumentar a nossa fé.

Quando Jesus finalmente chega, Marta sai ao seu encontro. As suas palavras traduzem uma enorme confiança. Começa com uma profissão de fé sobre o passado (que também serve de ligeira admoestação): “Senhor, se tivesses estado aqui, o meu irmão não teria morrido”. Segue-se imediatamente uma profissão de fé sobre aquilo que é possível no presente: “Mas, ainda agora, eu sei que tudo o que pedires a Deus, Ele to concederá”, que é como quem diz: Eu antes confiava em ti… e ainda confio. Nem a morte pode quebrar esta confiança. Não obstante a morte de Lázaro e a aparente inutilidade das suas orações, ela persevera na fé.

Mas Jesus deseja uma fé mais forte ainda e age como um treinador que está a tentar que os seus atletas tenham um desempenho ainda melhor. Então diz de forma frontal a Marta: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que morra, viverá, e quem vive e crê em mim jamais morrerá para sempre”, seguido de: “Crês nisto?”

É uma pergunta que está ao nível da que coloca a Pedro em Cesareia Filipe: “Quem dizeis vós que eu sou?” De facto, Marta e Pedro são muito parecidos: obstinados, um pouco mandões, por vezes atrapalhando-se a si mesmos, mas cheios de fé. Fica-se com a ideia de que Jesus sentia por ambos uma afeição semelhante. Sem grandes surpresas Marta, como Pedro, responde com firmeza: “Sim, Senhor; eu creio que tu és o Cristo,

O Filho de Deus que deve vir ao mundo”.

Resta um teste, o mais duro de todos. “Onde o pusestes?”, pergunta Jesus. Ele quer que a fé de Marta seja posta à prova de forma extrema – na sepultura, frente a frente com o nada. Marta tropeça um pouco, tentando impedir o milagre: “Senhor, já cheira mal, pois é o quarto dia”. Por isso Jesus faz aquilo que já havia feito com Pedro, repreende Marta: “Não te disse que se creres, verás a glória de Deus?” És capaz de crer diante da morte? Confias só quando é mais fácil, ou também nos momentos mais escuros? Consegues crer e confiar até nos momentos de maior morte?

Com estas palavras Marta submete-se. A sua confiança é retribuída; Lázaro ressuscita.

Talvez nós fiquemos satisfeitos com uma fé superficial. Mas Deus não. Podemos pôr limites à nossa fé – a força ou a dimensão da nossa confiança, ou as situações em que confiamos. Mas Deus não coloca quaisquer limites. Ele continua a puxar por nós para aumentar a nossa fé. Aliás, Ele não fica satisfeito até que a nossa fé seja plena, penetrando as nossas vidas todas, chegando mesmo à sepultura. Até permite provas e sofrimentos, como a morte de uma pessoa querida, para dar mais oportunidades à nossa fé. E se perseverarmos como Marta, também nós seremos recompensados.


O Pe. Paul Scalia é sacerdote na diocese de Arlington, pároco da Igreja de Saint James em Falls Church e delegado do bispo para o clero. 

(Publicado pela primeira vez no domingo, 26 de Março de 2023 em The Catholic Thing

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