Menos de cem nomes
Sempre foi dito que seriam
mais de 100 nomes, havendo quem falasse de 120. Afinal, somando todos estes
casos temos apenas 98. Contudo, pode haver uma explicação para isto. Talvez a
Comissão Independente se estivesse a referir a todos os nomes, incluindo os que
estão nas listas a entregar ainda às congregações religiosas. A outra hipótese
é que o número de “mais de 100” tenha sido dito assim por alto. Afinal de
contas 98 é muito próximo de 100. Este não me parece ser um problema
extraordinariamente grave, mas se for esta a hipótese é mais uma demonstração
de falta de rigor no que diz respeito à lista de abusadores, o que era
desnecessário.
37% mortos
Já dediquei um artigo inteiro a explicar porque é que é importante a questão de saber se a
lista continha os nomes de mortos ou não, não me vou repetir. Mas fica o
registo de que 36 dos nomes na lista dizem respeito a alegados abusadores que
já morreram. É, de longe, o maior número de todos os itens.
Isto não deixa de ser boa notícia.
Não porque o sofrimento das vítimas seja menor, mas porque é a maior das
garantias de que, caso esses homens tenham sido de facto abusadores de menores,
já não constituem uma ameaça activa para ninguém.
9 no activo
Este é um número sujeito ainda
a muitas mudanças. À medida que as dioceses que pediram mais informação sobre alguns
dos nomes nas suas listas a forem recebendo, poderemos ver novos casos de afastamento
provisório e abertura de processos canónicos e/ou civis. Na verdade, contudo,
apenas se aguarda mais informação relativa a 4 destes nomes, uma vez que o Porto optou por manter quatro dos nove padres nomeados em funções, Lisboa indicou que um dos cinco padres sobre quem tinha pedido mais informação já tinha sido investigado e ilibado e Coimbra
já recebeu a informação pedida e concluiu que não se tratava de um caso de
abuso de menores. Este último facto será escrutinado um pouco mais abaixo.
Falta de uniformidade
Uma das dificuldades com a
lista é a falta de uniformidade com que cada diocese apresentou os seus dados.
Por exemplo, algumas dioceses dizem que têm padres na lista que não têm cargo
atribuído. Isto pode querer dizer que estão a gravemente doentes e
hospitalizados (há um caso assim); pode querer dizer que estão reformados e
possivelmente incapazes de participar em qualquer tipo de inquérito; pode
querer dizer que foram expulsos do sacerdócio ou que o abandonaram de livre
vontade (há pelo menos três casos assim) ou pode querer dizer que o padre em
questão já foi ilibado pela justiça civil e canónica, mas ainda não foi nomeado
para um novo cargo (também há um caso assim).
No que diz respeito a este último
exemplo, algumas dioceses disseram especificamente que os padres nas suas
listas tinham sido já alvo de processos. Alguns disseram quais tinham sido os
resultados, outros não.
Tudo isto torna difícil
sistematizar os dados, mas é mais do que isso. É um exemplo – pequeno, mas real
– do que correu pior em todo este processo, que foi a variedade de estilos e
ritmos de resposta dos bispos e das dioceses. Eu sei que cada diocese é
independente e que zelam muito por isso, mas teria feito sentido, num tema
destes centralizarem as respostas e falarem a uma só voz.
E agora? A transparência
continua?
Não está tudo feito (e estou a
referir-me só à lista, nem estou a falar de tudo o resto que falta fazer).
Neste momento ainda temos 4 casos de padres sobre quem foi pedida mais
informação, mais dois casos que foram enviados para a diocese errada e ainda os
casos dos padres desconhecidos que poderão eventualmente ser identificados com
mais dados fornecidos pela Comissão. Agora que a atenção mediática vai começar
a diminuir, será que as dioceses vão continuar com a política da transparência
e manter a comunidade informada sobre os desenvolvimentos em relação a esses
casos? Era muito importante que isso acontecesse.
E nesse sentido, sublinha-se
que algumas das dioceses aproveitaram os seus comunicados para informar que
alguns dos casos já tinham sido tratados processualmente, embora essa informação
nunca tivesse sido pública. Claro que é bom que assim seja, mas porque é que
isso não tinha sido tornado público antes?
Pode-se argumentar que a
população em geral não tem nada que saber se um padre é acusado formalmente de
um crime de abuso sexual ou não, que o que interessa é que a coisa seja
tratada. Mas na Igreja os maiores prejuízos que têm sido causados por este escândalo
não são só a existência de predadores, que sempre os haverá em qualquer sector
da sociedade, mas sobretudo os encobrimentos. Ora, é muito mais fácil um bispo
cair na tentação de encobrir um caso se não existir uma cultura de
transparência total.
Recentemente, algumas dioceses
já adoptaram a prática de fazer comunicados quando um padre é alvo de uma
acusação credível de abuso sexual, e nalguns casos divulgam mesmo o seu nome.
Esta última questão é discutível, mas eu acho que é boa política, pois sendo
muito duro para o padre, que pode vir a ser ilibado, não dizer o nome coloca
todo o resto do clero sob suspeita.
O que se passou em Coimbra?
Um dos casos mais curiosos foi
o que se passou com a lista entregue a Coimbra. Sem quaisquer informações sobre
um dos padres na sua lista, a diocese pediu mais dados à Comissão, que
prontamente os enviou. Na sequência, a diocese disse que tendo em conta esses
dados tinha-se concluído que a situação não enquadrava qualquer tipo de abuso
sexual, nem de menores, nem de outra espécie. Como é que isto acontece?
Uma possibilidade – e isto é
uma suposição minha – é que seja um caso parecido com o que surge na página 236
do relatório, embora dificilmente seja especificamente o mesmo caso, por causa
das datas:
Nascido na década de 30, M
preencheu o inquérito online com a ajuda de um neto. Conta que, com 14
anos, foi uma vez confessar-se, numa igreja importante de uma cidade do Norte e
o padre lhe fez perguntas «impróprias e sexuais. Disse: "já namoras? Já
puseste as mãos nas maminhas da tua namorada? e nas coxinhas?" (…) Fui-me
embora e nunca mais entrei numa Igreja.» Contou aos pais que lhe pediram «para
não falar».
Eu percebo que um caso destes
esteja no relatório, se a pessoa ficou incomodada com o estilo da confissão,
fez bem em falar do assunto, até porque já vimos que muitos dos abusos foram de
facto insinuações e frases ditas nesse ambiente. Mas dificilmente este caso em
particular configura uma situação de abuso sexual de menor.
Pode ter sido isto? Não sei,
mas tendo a Comissão validado este testemunho, caso o nome do padre tenha sido
divulgado, então deve estar na lista. Se não na de Coimbra, uma vez que não
sabemos a diocese, então noutra qualquer.
[Nota: Depois de ter publicado isto recebi alguns comentários e telefonemas a alertar-me para ter cuidado, porque este tipo de conversa pode de facto constituir abuso. Agradeço e aceito que não deveria ter escrito "dificilmente este caso em particular configura uma situação de abuso sexual de menor". Não vou apagar por uma questão de transparência, e porque acho que vale a pena alertar para o facto de este ser um assunto que cai mesmo naquela fronteira cinzenta da questão e acredito que possa haver casos - não estou a falar deste em particular, mas no geral - em que as perguntas sejam inocentes mas não sejam entendidas assim pelo penitente.]
Padres afastados
Por fim, a célebre questão dos
padres afastados preventivamente do ministério enquanto os seus processos são
investigados. Tem havido muitas críticas às listas e à forma como tudo se
passou, mas por causa delas pelo menos 13 padres já foram afastados e isso é
importante. Não estou aqui a contar com o padre de Viseu que já estava suspenso
antes de ter sido nomeado na lista. Este número está sujeito a aumentar, uma
vez que há 4 padres sobre quem se espera mais informação e quando essa informação
chegar eles também poderão ser afastados preventivamente, bastando para isso
que haja credibilidade na acusação, o que não implica qualquer assunção
automática de culpa. Este é o grande fruto desta lista e não pode ser
negligenciado. Frases como “a montanha pariu um rato” não ajudam ninguém nesta
fase. Sim, falou-se em 100; sim, isso gerou um ruído desnecessário, mas isso está
no passado.
Agora estes casos serão
investigados e se tudo correr bem será feita justiça, passe isso por uma
condenação e eventual pena, ou por arquivamento ou ilibação. Essa justiça é que
é importante, mais do que guerras de números.
Conclusão: Uma Igreja
segura e insegura
O objectivo final de todo este
processo é garantir que a Igreja seja simultaneamente mais e menos segura.
Mais segura para crianças e adultos
vulneráveis, como é evidente. Segura não só no sentido de ser muito menos
provável alguém passar por uma situação de abusos – impossível nunca será – mas
também no sentido de saberem que há mecanismos e processos que funcionam caso façam
uma denúncia.
Ao mesmo tempo é importante – e
este ponto depende do anterior – que nenhum predador sinta que possa seguir uma
vida na Igreja porque assim terá caminho facilitado para poder cometer abusos.
Isto é crucial. Trabalhar a montante, evitando a ordenação ou contratação de
pessoas que revelem comportamentos desviantes, falta de maturidade sexual ou
outras características que certamente os psiquiatras conseguirão identificar
melhor que eu, é das maiores reformas que a Igreja deve empreender ou, onde já
é feito, aprofundar e dar continuidade. De resto, muita atenção, sem tornar a
Igreja um estado policial, para ter a certeza que qualquer comportamento suspeito
não é ignorado.
É assim que se tem feito
noutros países que já levam umas décadas de avanço, é assim que se deve fazer aqui
também. Deus dê força aos nossos bispos para continuarem o bom trabalho que já
existe, e fazer o que falta fazer.
Surpreendentemente havia a lista dos 407 clérigos, leigos, desconhecidos, distribuídos por diocese e congregação, masculina e feminina. Esta lista articulada com os arquivos e as comissões diocesanas. É a lista resultante do relatório da CI. Estava surpreendentemente feita! E que foi feita dela?! Fizeram outra, mas com que critério. E agora andam a pedir a lista e a consultar arquivos. Isto não bate nada certo! Pergunte Filipe se os nomes dos 407 e os testemunhos que os referenciaram estão corretos.
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