Aconteceu mesmo, não foi uma
parábola. Certa vez Jesus curou dez leprosos, mas só um voltou para agradecer.
Aconteceu por desígnio de Deus, e Lucas teve o cuidado de o deixar escrito (17,
11-19), para que aprendêssemos algo com isso. Mas o quê?Michael Pakaluk
Talvez que Nosso Senhor prefere
fazer as coisas sem alarido: não fez um grande espetáculo da cura, mas
disse-lhes simplesmente para irem mostrar-se ao sacerdote. Talvez que damos as graças
obtidas por adquiridas – o único a regressar foi o samaritano. E certamente,
também, que é provável sermos menos agradecidos por vermos os nossos pecados
perdoados do que por uma cura física.
Mas neste ano de renovação da
Devoção Eucarística nos Estados Unidos, eu gosto de pensar que há outra lição:
como é fácil ser agradecido. Basta ir ter com Nosso Senhor e dizer obrigado. Em
termos humanos, pensar-se-ia que o leproso curado estaria endividado a servir o
Senhor para toda a vida, pelo favor que lhe tinha feito, ou pelo menos a
dedicar o resto da sua vida a servir leprosos. Mas aparentemente bastou
encontrar Jesus e agradecer-lhe. “É a misericórdia que eu quero, e não
sacrifícios.”
Já pensou porque é que temos
sacrários nas nossas igrejas? Não é por acaso. Para que é que servem? Eles são
a resposta de Deus ao nosso pedido em Emaús: “mane nobiscum, Domine”, ou
“permanece connosco, Senhor”, segundo nos diz São João Paulo II. Mas,
presumivelmente, têm outro propósito para além de serem o ponto focal de
devoção durante a missa.
Já ouvi dizer que todos os
santos são santos eucarísticos (o que é interessante, pois se somos chamados à
santidade então também nós devemos ser “eucarísticos”). A Madre Seton é um
grande exemplo aqui nos Estados Unidos, e os hinos de São Tomás de Aquino são
extraordinários, e amados por muitos.
Mas há um santo que foi
canonizado recentemente e que poderá fornecer o ensinamento de que precisamos
neste momento. Chama-se São Manuel González García, e nasceu em Sevilha. Foi
bispo de Palencia, em Espanha, no início do Século passado. Foi beatificado
pelo Papa João Paul II em 2001 e canonizado em 2016 pelo Papa Francisco. Existe
uma edição com excertos das suas obras: “O Bispo do Sacrário Abandonado”.
São Manuel queria principalmente
persuadir-nos a visitar Nosso Senhor no sacrário e passar tempo com ele. Quatro
dos seus argumentos parecem-me particularmente criativos e convincentes.
Em primeiro lugar, diz ele, se
acreditamos pela fé que Nosso Senhor está presente em corpo, sangue, alma e
divindade, então “devido à nossa insuficiência, o Sacramento é um mistério para
nós… mas podemos acreditar que Ele está impedido de exercer a virtude e o poder
dos seus membros físicos e das suas capacidades humanas?” Assim, embora não
possamos ver senão pela fé, ele tem uma boca para falar, olhos para ver, um
coração para amar. “Apesar do seu silêncio e imobilidade no sacrário, Jesus
Cristo fala e age”.
São Manuel González |
Depois, em terceiro lugar, faz
a comparação com a maternidade. “O Coração de Jesus no sacrário olha para mim.
Olha para mim sempre. Olha para mim em todo o lado. Olha para mim como se não
houvesse mais ninguém para contemplar do que eu. Porquê?” Compara Nosso Senhor
a uma mãe que contempla o seu bebé enquanto dorme. “Perguntem à mãe que, sem
falar e quase sem respirar, passa horas junto do seu filho enquanto ele dorme.
Porque é que o faz? Ela responderá: ‘Apenas quero contemplar o meu filho’… E
sabem o que lhe causa tristeza? É saber que não poderá seguir o seu filho muito
amado com o seu olhar durante toda a vida dele, agora como criança e mais tarde
como homem”. Mas o Senhor pode contemplar-nos sempre e em todo o lado, do
sacrário, e é isso que faz.
Em quarto lugar, pede-nos para
sermos verdadeiros e humildes. Nosso Senhor está sempre pronto para falar
connosco. “Diz-me, há muitas pessoas no mundo que te conhecem e que têm
interesse em dizer-te alguma coisa? Certamente que não! Sendo a quantidade de
pessoas que te conhecem tão pequena em comparação com a população total, podes
estar seguro de que as pessoas, no seu todo, não têm nada para te dizer…
Verdadeiramente, somos de pouco interesse para outros no mundo!”
Os sábios e os poderosos
certamente nada têm para nos dizer. (Estou muito enganado se fingir que Elon
Musk tem alguma coisa para me dizer pessoalmente no Twitter.) E, porém, “temos
um Rei muito mais sábio, mais rico e mais poderoso que nos aguarda a qualquer
hora do dia ou da noite no pequeno palácio do seu sacrário. Está lá para dizer
a cada um de nós, com interesse e amor infinito, a palavra certa que precisamos
de ouvir naquele momento.”
Desconfio que alguns de nós
evitam o Sacrário não porque consideramos estas palavras falsas, mas porque as
achamos verdadeiras.
Estas são boas reflexões para
a Páscoa também, olhando em diante, como os apóstolos descobriram o Senhor
ressuscitado na fracção do pão. “O Evangelho mostra como e quando podemos
conhecer o Cristo Ressuscitado:”, disse João Paulo II na sua homilia de
beatificação, “na Eucaristia”.
Michael Pakaluk, é um
académico associado a Academia Pontifícia de São Tomás Aquino e professor da
Busch School of Business and Economics, da Catholic University of America. Vive
em Hyattsville, com a sua mulher Catherine e os seus oito filhos.
(Publicado pela primeira vez
em The Catholic Thing na quinta-feira, 2 de Março de 2023)
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