Wednesday, 8 March 2023

Ser Aquele Leproso que Voltou Atrás

Michael Pakaluk
Aconteceu mesmo, não foi uma parábola. Certa vez Jesus curou dez leprosos, mas só um voltou para agradecer. Aconteceu por desígnio de Deus, e Lucas teve o cuidado de o deixar escrito (17, 11-19), para que aprendêssemos algo com isso. Mas o quê?

Talvez que Nosso Senhor prefere fazer as coisas sem alarido: não fez um grande espetáculo da cura, mas disse-lhes simplesmente para irem mostrar-se ao sacerdote. Talvez que damos as graças obtidas por adquiridas – o único a regressar foi o samaritano. E certamente, também, que é provável sermos menos agradecidos por vermos os nossos pecados perdoados do que por uma cura física.

Mas neste ano de renovação da Devoção Eucarística nos Estados Unidos, eu gosto de pensar que há outra lição: como é fácil ser agradecido. Basta ir ter com Nosso Senhor e dizer obrigado. Em termos humanos, pensar-se-ia que o leproso curado estaria endividado a servir o Senhor para toda a vida, pelo favor que lhe tinha feito, ou pelo menos a dedicar o resto da sua vida a servir leprosos. Mas aparentemente bastou encontrar Jesus e agradecer-lhe. “É a misericórdia que eu quero, e não sacrifícios.”

Já pensou porque é que temos sacrários nas nossas igrejas? Não é por acaso. Para que é que servem? Eles são a resposta de Deus ao nosso pedido em Emaús: “mane nobiscum, Domine”, ou “permanece connosco, Senhor”, segundo nos diz São João Paulo II. Mas, presumivelmente, têm outro propósito para além de serem o ponto focal de devoção durante a missa.

Já ouvi dizer que todos os santos são santos eucarísticos (o que é interessante, pois se somos chamados à santidade então também nós devemos ser “eucarísticos”). A Madre Seton é um grande exemplo aqui nos Estados Unidos, e os hinos de São Tomás de Aquino são extraordinários, e amados por muitos.

Mas há um santo que foi canonizado recentemente e que poderá fornecer o ensinamento de que precisamos neste momento. Chama-se São Manuel González García, e nasceu em Sevilha. Foi bispo de Palencia, em Espanha, no início do Século passado. Foi beatificado pelo Papa João Paul II em 2001 e canonizado em 2016 pelo Papa Francisco. Existe uma edição com excertos das suas obras: “O Bispo do Sacrário Abandonado”.

São Manuel queria principalmente persuadir-nos a visitar Nosso Senhor no sacrário e passar tempo com ele. Quatro dos seus argumentos parecem-me particularmente criativos e convincentes.

Em primeiro lugar, diz ele, se acreditamos pela fé que Nosso Senhor está presente em corpo, sangue, alma e divindade, então “devido à nossa insuficiência, o Sacramento é um mistério para nós… mas podemos acreditar que Ele está impedido de exercer a virtude e o poder dos seus membros físicos e das suas capacidades humanas?” Assim, embora não possamos ver senão pela fé, ele tem uma boca para falar, olhos para ver, um coração para amar. “Apesar do seu silêncio e imobilidade no sacrário, Jesus Cristo fala e age”.

São Manuel González
Em segundo lugar, pergunta-nos o que achamos que é a “primeira obra” do Coração de Jesus no sacrário? A resposta, diz ele, é “ser”. Isto é extraordinário. “Não acrescentem qualquer outro verbo para especificar o objectivo, o caminho ou a duração desse acto de ser. Não partam do princípio que ele está lá apenas para consolar, iluminar, curar, alimentar… Em primeiro lugar ele está simplesmente… Asseguro-vos que muito poucas palavras expressam mais actividade, mais amor, que o verbo ‘ser’”.

Depois, em terceiro lugar, faz a comparação com a maternidade. “O Coração de Jesus no sacrário olha para mim. Olha para mim sempre. Olha para mim em todo o lado. Olha para mim como se não houvesse mais ninguém para contemplar do que eu. Porquê?” Compara Nosso Senhor a uma mãe que contempla o seu bebé enquanto dorme. “Perguntem à mãe que, sem falar e quase sem respirar, passa horas junto do seu filho enquanto ele dorme. Porque é que o faz? Ela responderá: ‘Apenas quero contemplar o meu filho’… E sabem o que lhe causa tristeza? É saber que não poderá seguir o seu filho muito amado com o seu olhar durante toda a vida dele, agora como criança e mais tarde como homem”. Mas o Senhor pode contemplar-nos sempre e em todo o lado, do sacrário, e é isso que faz.

Em quarto lugar, pede-nos para sermos verdadeiros e humildes. Nosso Senhor está sempre pronto para falar connosco. “Diz-me, há muitas pessoas no mundo que te conhecem e que têm interesse em dizer-te alguma coisa? Certamente que não! Sendo a quantidade de pessoas que te conhecem tão pequena em comparação com a população total, podes estar seguro de que as pessoas, no seu todo, não têm nada para te dizer… Verdadeiramente, somos de pouco interesse para outros no mundo!”

Os sábios e os poderosos certamente nada têm para nos dizer. (Estou muito enganado se fingir que Elon Musk tem alguma coisa para me dizer pessoalmente no Twitter.) E, porém, “temos um Rei muito mais sábio, mais rico e mais poderoso que nos aguarda a qualquer hora do dia ou da noite no pequeno palácio do seu sacrário. Está lá para dizer a cada um de nós, com interesse e amor infinito, a palavra certa que precisamos de ouvir naquele momento.”

Desconfio que alguns de nós evitam o Sacrário não porque consideramos estas palavras falsas, mas porque as achamos verdadeiras.

Estas são boas reflexões para a Páscoa também, olhando em diante, como os apóstolos descobriram o Senhor ressuscitado na fracção do pão. “O Evangelho mostra como e quando podemos conhecer o Cristo Ressuscitado:”, disse João Paulo II na sua homilia de beatificação, “na Eucaristia”.


Michael Pakaluk, é um académico associado a Academia Pontifícia de São Tomás Aquino e professor da Busch School of Business and Economics, da Catholic University of America. Vive em Hyattsville, com a sua mulher Catherine e os seus oito filhos.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quinta-feira, 2 de Março de 2023)

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