Uma vez que não encontro nenhum link para o texto da carta aos bispos online, tomei a liberdade de a copiar para aqui. Isto não deve ser lido como um apoio à carta. Podem encontrar a minha opinião sobre a carta aqui.
Aos Bispos portugueses
Este é o tempo!
Este é o tempo de uma tristeza
imensa e – como não dizê-lo? – de uma enorme revolta contra os abusos
praticados e contra o seu encobrimento.
Este é o tempo que nenhum de
nós desejava, mas a que não podemos fugir.
Este é o tempo do
reconhecimento de uma ineludível culpa intensa e, por isso, o tempo de pedir perdão
às vítimas, cujas vidas foram danificadas por actos e omissões.
Este é o tempo da nossa grande vergonha e, por isso, da expiação do grande pecado organizado. Este é o tempo de uma crise de dimensões nunca anteriormente por nós vista.
Por tudo isto, este é um tempo
de parcas palavras, de humilde silêncio e de actos muito concretos que só podem
levar às grandes mudanças que evitem de novo tamanhos pecados.
Como Igreja, temos agora dois
caminhos possíveis: denegar e iludir, insistir no rumo que nos trouxe a esta
aflição permanente de caminhar para a auto-destruição e ferir pessoas; ou
avançar, com oração e com coragem para mudar e reformar, com espírito humilde e
destemido. Não temos dúvidas sobre onde, mais facilmente, encontraremos Jesus
Cristo.
Sabemos como é tremendo o
desafio.
Tão tremendo que julgamos ser
a hora de não deixar os nossos Bispos sozinhos e de contribuir para os ajudar a
reflectirem sobre como seguir pelo caminho das mudanças, o único possível.
Queremos acreditar que os nossos
Bispos nos saberão ouvir, como ouviram os católicos que escreveram a carta de
Nov.2021, grupo de que vários de nós fizemos parte, sobre a necessidade de criar
uma comissão nacional realmente independente e credível para recolher
informação sobre abusos de menores na Igreja portuguesa, aliás em comunhão com
o sentimento generalizado da Igreja universal e da sociedade em que vivemos e
que servimos.
Queremos acreditar que, em
conjunto, faremos uma profunda mudança no modo de ser, viver e pensar a nossa
Igreja, uma tarefa também para os próximos anos, mas a começar hoje.
É-nos exigido repensar o
poder, a autoridade, a sinodalidade e a participação de todos, sempre com os
olhos postos nos que estão na margem, que pusemos à margem.
E enquanto definimos o nosso
futuro, precisamos de criar desde já os instrumentos para garantir a máxima
vigilância e atenção às formas como acolhemos crianças, jovens e todas as
pessoas vulneráveis.
Que propomos então de concreto
aos nossos Bispos, reunidos a 3 de Março em reunião plenária da Conferência
Episcopal Portuguesa (CEP)?
1. De imediato (isto é, até 30
dias)
a. sejam criados mecanismos
que viabilizem apoio e ajuda psicológica e psiquiátrica às vítimas a realizar
fora do âmbito eclesial, e ajuda espiritual, caso elas a pretendam;
b. simultaneamente, seja
definido um mecanismo para pedir perdão às vítimas de acordo com as suas
necessidades, e realizado um momento solene e colectivo que simbolicamente projecte
publicamente esse pedido de perdão;
c. seja criada uma nova comissão independente, à semelhança da anterior, que prossiga o trabalho, continue a receber denúncias de abusos e a acompanhar casos, composta por pessoas de reconhecida competência, corajosas, íntegras, com capacidade de liderança e maioritariamente externas à Igreja, especialmente capazes no âmbito das ciências sociais, para dar sequência ao processo;
d. aceitem a ajuda do Vaticano, referida pelo Cardeal Sean O’Malley, Presidente da Comissão Pontifícia para a Protecção de Menores, para reflectir seriamente sobre os abusos na Igreja e como ultrapassar a actual crise;
2. A curto prazo (isto é, até
60 dias)
e. a actividade das comissões
diocesanas sobre abusos seja recentrada exclusivamente na prevenção primária e
formação, de acordo com um mandato claro e com um programa discernido
construído por pessoas devidamente habilitadas;
f. bispos encobridores, a
existirem, se retirem de funções;
g. todos os abusadores que
estejam actualmente ao serviço da Igreja sejam suspensos com carácter
preventivo sempre que haja indícios minimamente credíveis sobre abusos e,
quando considerados culpados à luz da moral cristã, independentemente de
eventual processo judicial, sejam dispensados de funções e no caso de clérigos
passando ao estado laical;
3. A médio prazo (isto é, até
seis meses)
h. todos os agentes pastorais
tenham acesso e estudem o relatório da comissão independente, estudem as
conclusões, prevenindo a tentação negacionista ou de relativização do fenómeno criminal;
i. seja elaborado um manual de
boas práticas que ajude os agentes pastorais a prevenir situações de risco e a
identificar indícios de casos de abusos, bem como a acolher e encaminhar vítimas;
j. seja encetada uma reflexão de fundo sobre o impacto negativo que a percepção distorcida sobre a sexualidade humana tem vindo a causar em toda a Igreja, com a ajuda de especialistas externos;
k. seja proporcionado um acompanhamento aos abusadores que necessariamente inclua tratamento psiquiátrico e psicológico.
Sabemos bem que todas estas
propostas trazem uma dor associada e que todas elas revelam uma verdade
incómoda: todos nós precisamos de nos pôr em causa.
Estas são algumas das tarefas
que consideramos urgentes no longo caminho de reforma permanente a que o
Evangelho e Papa Francisco nos desafiam e de que tanto necessitamos para sermos
consequentes nesta Quaresma.
Precisamos todos de cooperar
na construção de caminhos que levem a Igreja a deixar de ser autoritária,
clerical e arrogante e a ser mais inclusiva, mais fraterna, mais humilde e mais
capaz de ler os sinais dos tempos, com Deus vivo no centro dos nossos corações.
Queremos uma Igreja onde todos
se possam abrigar e acolher.
Contem com as nossas orações e
colaboração e os nossos melhores cumprimentos,
01 de Março de 2023
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