Randall Smith |
Uma antiga aluna minha mandou-me uma mensagem a perguntar: “Pedimos coisas a Deus que queremos que aconteçam, mas também nos queremos submeter à sua vontade. Como é que conciliamos as duas coisas?”
Escrevi de volta: “Deus é
esperto nisso”.
Não foi a resposta mais
teologicamente sofisticada, claro, mas em minha defesa, sou péssimo a escrever
mensagens. Nunca consigo acertar nas letras certas quando estou a tentar
pressionar as teclas pequenas. Por isso achei que, por mensagem, era o melhor
que conseguiria fazer.
Eu prefiro conversas
cara-a-cara. Quando as pessoas me fazem este tipo de pergunta, normalmente é
porque mais alguma coisa se passa. A resposta mais correcta é: “Essa é uma boa
pergunta, mas antes de passarmos para ela, o que é que queres mesmo saber?”.
C.S. Lewis sugeriu certa vez que as crises de fé se devem mais frequentemente a
falta de sono do que a objecções racionais sérias. Precisamente, acontece que a
minha aluna estava a sofrer de amigdalite.
Não que isso retire qualquer
valor à sua pergunta. A verdade é que me perguntam frequentemente a mesma
coisa, e as pessoas têm-se debatido com esta questão, ou uma variação da mesma,
há séculos. Platão, por exemplo, acreditava que a oração era irracional. Se
Deus, ou os deuses, são “pura bondade” então farão o que for bom,
independentemente daquilo que lhes pedirmos. Por isso pedir é supérfluo. Os
cristãos têm um problema semelhante. Se aquilo que Deus deseja para nós é
sempre bom, então porque rezamos a pedir coisas? Se forem boas, e Deus as
deseja para nós, então fará com que as recebamos. Se não forem boas, não dará.
Então para quê pedir?
A minha aluna escreveu de
volta: “Mas se sou inteiramente submissa a Deus, não devia estar a pedir
coisas, pois não?”
“Deus é esperto nisso” não
tinha resultado, pelos vistos, e conhecendo esta jovem determinada e entusiasta
sabia que dizer “tem paciência e espera até podermos falar outra vez” também
não a iria satisfazer. Por isso, e ainda com pouca vontade de mandar uma
mensagem longa, escrevi: “Jesus disse que devíamos pedir por aquilo de que
precisamos. Se calhar devíamos escutá-lo, porque é capaz de saber do que fala,
sendo Deus”.
Novamente, nada de teologia
sofisticada ou apologética inspirada, mas não é assim tão diferente daquilo que
Deus diz a Pedro na Transfiguração: “Eis o meu filho muito amado… Escutai-o!”
A minha aluna admitiu que
ainda estava confusa, por isso insisti. “Então, de um lado estás tu, a pensar
se deverias, ou não, pedir por aquilo de que precisas, e do outro está Deus
feito homem, que em muitos lugares nas Escrituras nos diz que devemos continuar
a bater à porta, para pedir aquilo de que precisamos. Em quem é que depositas a
tua confiança?”
Depois de uma curta pausa, ela
escreveu: “Então é suposto eu ser totalmente submissa à sua vontade e também
pedir por coisas – ou seja, não viver de forma passiva?” Eis a beleza do
Espírito Santo quando somos professores. É precisamente quando estamos a ser
demasiado preguiçosos para fazer um bom trabalho, ou simplesmente não sabemos o
que dizer, que o Paráclito intervém e ajuda os alunos a compreenderem as coisas
por eles.
Por alguma razão, Deus quere
que nos submetamos à sua vontade, mas que continuemos a pedir coisas, e não
“viver de forma passiva”. Ele quere que colaboremos com a sua graça. Não está
simplesmente a mexer os cordelinhos, como um marionetista. Ele não age sem nós.
O seu objectivo é transformar-nos. E para que isso aconteça é preciso
colaborarmos com Ele e cumprirmos a nossa parte.
Isto talvez seja mais fácil de
compreender quando estamos a lidar com outros. Quando descobri que a minha aluna estava doente,
escrevi: “Então, usando a mesma lógica, eu não devia rezar para que recuperes?
Também é estúpido pedir coisas para outros de que precisem?”
Abraão pede por Sodoma e Gomorra |
Parece que Deus quer que
compreendamos que estamos nisto juntos. Lembro-me da forma como o Pe. James
Schall costumava dizer, quando se despedia: “Reza por mim, que eu rezo por ti!”
Deus sabe do que os nossos amigos e entes queridos precisam antes de o
pedirmos, mas continuamos a rezar por eles.
Pensem em Abraão, que
“regateou” com Deus sobre Sodoma e Gomorra, levando-o a baixar a fasquia de
cinquenta homens bons para dez. O que podemos dizer para além de que Deus
parece gostar de pessoas assim? Pessoas que acreditam nele o suficiente para o
tratar como uma pessoa e não como uma ideia filosófica; pessoas com coragem
para defender causas importantes e lutar por elas; pessoas que têm mesmo fé de
que Ele é capaz de fazer as coisas que lhe pedimos.
Quando não pedimos é porque
estamos a submeter-nos à sua vontade, ou porque, bem lá no fundo, temos medo de
que Deus seja de tal forma transcendente que Ele não intervém, ou não pode
intervir, no funcionamento do mundo, tal como um relojoeiro que não pode
intervir na mecânica do seu relógio. Essa é uma perspectiva razoável, mas não
podemos aceitar isso e ao mesmo tempo aceitar a realidade da encarnação. O Deus
das Escrituras não é especialmente tímido quando toca a intervir na história
humana.
Sem dúvida que existem bons
argumentos para a oração de petição que envolvem uma compreensão mais
sofisticada da providência divina. Mas no final de contas a maioria de nós provavelmente
acabará por alinhar com “Jesus disse-te para bateres à porta, e Ele deve saber
do que fala”. Pedimos coisas a Deus quando queremos que aconteçam, mas também
quando nos queremos submeter à sua vontade. Como é que se concilia estas duas
coisas?
Que mais posso dizer? Deus é esperto nisso. Ele lá arranja maneira.
Randall Smith é professor de
teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez em The
Catholic Thing na terça-feira, 24 de Janeiro de 2023)
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Lindo! É uma questão muito pertinente. Hoje dei comigo a interromper a minha oração, em que pedia um pouco de sol para a visita de estudo da minha filha, porque de repente me senti um monstro: como é que posso estar preocupada com o sol numa visita de estudo diante da tragédia da Turquia? Depois acalmei... Deus consegue pensar em todos nós ao mesmo tempo, e por incrível que nos pareça, as nossas pequenas questões e as questões realmente grandes estão todas igualmente sob o seu olhar.
ReplyDeleteSó uma pequena correção: o mandamento novo não é amar o próximo como a nós mesmos. Esse é o antigo, Levítico 19, 18. O novo é amar o próximo como Jesus nos amou: "Dou-vos um mandamento novo: amai-vos como Eu vos amei." (Jo 13, 34)