Peter Laffin |
Mas tudo isso não passou de
uma imitação juvenil de uma história que a nossa cultura não se cansa de
repetir, a da criança cuja individualidade tem sido de alguma forma suprimida e
que mais tarde aprendeu a encontrar a sua voz e a “dizer a sua verdade”. Mas o
resultado é que me deixou amargurado, amassado e, no final de contas,
aborrecido.
Hollywood faz com que esta
história pareça glamorosa no grande ecrã, com imagens em câmara lenta que batem
certo com a banda sonora. Mas na vida real o projecto da auto-invenção é
marcado por fases sem qualquer glamour, que nos filmes são convenientemente
ignorados. A criação da nossa própria identidade de raiz é um projecto
limitador, frustrante e repleto de ansiedade. É o contrário da aventura de
descobrir o nosso papel na grande história do cosmos, que expande a alma.
Este é um ângulo que devia ser
mais explorado na evangelização: A Igreja oferece a promessa de aventura a um
mundo irremediavelmente entediado pela sua própria reflexão no ecrã de um
telemóvel.
Mais do que encorajar a
miragem da auto-criação – como se fossemos suficientemente poderosos para nos
criarmos a nós mesmos ou sequer alterar a substância das nossas almas – a fé
revela a identidade humana como ela é, objectivamente, em relação ao Criador.
O Novo Testamento, em
particular, oferece-nos pistas sobre a verdadeira identidade humana, na sua
relação com Deus, na pessoa de Jesus Cristo. Na grande e variada quantidade de
personagens que aparecem juntamente com Cristo, ou que surgem nas suas parábolas, reconhecemos partes de nós mesmos, e através das suas experiências discernimos
verdades-chave sobre as diferenças entre o homem e Deus.
Se não lermos os Evangelhos apenas como exercícios académicos, mas como uma oportunidade para viver através dos olhos das suas personagens, damos por nós num constante estado de déjà vu. Os seus encontros com o Divino provocam um sentimento inquietante de acordar de um longo adormecimento. À Luz de Cristo um indivíduo é inteiramente exposto. A presença de Deus abre o alçapão do ego e vemo-nos lançados para um estado de autoconhecimento profundo.
As personagens individuais dos
Evangelhos revelam-se-nos de acordo com as épocas inalteráveis do coração.
Quando damos por nós numa grande tristeza por não conseguirmos largar os
tesouros da terra pela eternidade identificamo-nos com o jovem rico. Quando
sofremos com a ferida aberta do pecado não reparado identificamo-nos com a
samaritana junto ao poço. Quando sentimos a tentação de abdicar das
responsabilidades do nosso poder terreno, até nos identificamos com Pôncio
Pilatos.
Até as personagens do reino
animal nos transmitem verdades fundamentais sobre a natureza dos seres criados
em relação à natureza de Deus. Na verdade, nenhuma personagem do Evangelho me
diz mais sobre mim do que a personagem que dá o nome à parábola da ovelha tresmalhada.
Mas, como sempre, a história
só ganha interesse quando Deus entra em acção. Num acto de desespero
totalmente irracional o pastor – isto é, o Senhor – abandona o resto do seu
rebanho, os noventa e nove que não se tresmalharam, para poder perseguir o que
o fez. O coração do pastor sofre tanto com o desaparecimento de uma mera ovelha
amada que ele se lança sem pensar duas vezes numa missão de socorro.
O leitor (este leitor, pelo
menos) até fica admirado com a aparente irresponsabilidade. Pela lógica humana
é algo que não faz sentido, não parece certo que o bem-estar de um deva ter
precedência sobre o bem-estar de muitos. Também não faz sentido que um pastor
deva agir contra o seu próprio interesse. Não deve ele preocupar-se com o valor
geral do seu rebanho?
O que torna a parábola ainda
mais estranha é o facto de, noutro lugar no Evangelho, Jesus nos dizer para
sermos perfeitos como o Pai Celeste. Esta passagem não só revela a nossa
identidade em relação a Deus, como ainda nos oferece um modelo de conduta. Será
que o Senhor quer mesmo que imitemos o pastor nestas circunstâncias?
Mas a parábola não pode ser
lida segundo a lógica humana. Os seus caminhos estão acima dos nossos caminhos,
o seu amor tem uma lógica própria.
Se fecharmos os olhos e nos
deixarmos submergir na Luz do seu amor, rapidamente compreendemos que, contra
toda a razão, é claramente verdade. É tudo verdade. Deus corre imprudentemente
atrás de cada um de nós enquanto caminhamos pelo vale da sombra da morte, pelas
veredas escuras e as florestas profundas em que entramos devida à nossa própria
ignorância e teimosia.
Ele persegue-nos porque Ele é
amor e nós somos os seus amados. Ele está apaixonadamente envolvido nas nossas
vidas, como se fôssemos o seu único amor. E como qualquer bom progenitor,
aguentará tudo e dar-nos-á o que for necessário para que regressemos a casa em
segurança. A sua bondade e a sua misericórdia acompanhar-nos-ão todos os dias
da nossa vida.
Esta é a nossa verdadeira identidade: Na nossa fragilidade, afastamo-nos do caminho. Mas nunca estamos perdidos. Somos sempre procurados. Sempre amados. Isso é certamente melhor do que qualquer coisa que eu poderia ter inventado sozinhos.
Peter
Laffin escreve de New England. O seu trabalho mais recente
encontra-se no The Catholic Thing, The Washington Examiner, e The National
Catholic Register.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no Domingo, 12 de Fevereiro de 2023)
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artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The
Catholic Thing.
Reflexão verdadeiramente inspiradora e apropriada para estes tempos. Muito obrigada.
ReplyDeleteMuito obrigada. É mesmo consolador...
ReplyDeleteMuito obrigado pela partilha
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