O artigo contém alguns pontos
interessantes, e o autor claramente ou leu o documento, ou leu muitos artigos
sobre o mesmo. No entanto, e uma vez que este textoi está a ser circulado
sobretudo por quem pretende minar a credibilidade e o trabalho da Comissão Independente,
quero explicar aqui porque é que não partilho do cepticismo do autor.
A principal objecção do autor
é o facto de o relatório ter por base apenas 34 entrevistas cara-a-cara e, de
resto, depender de inquéritos anónimos. Diz ele que seria fácil a grupos feministas
ou anticlericais preencher inquéritos falsos e assim deturpar os números finais
do relatório.
É evidente que esse risco existe,
como existe o risco de se terem contratado 34 actores para as entrevistas cara-a-cara,
que fingiram terem sido abusados – uma hipótese que o próprio levanta, mas diz ser
menos provável.
Agora, temos alguma razão para
acreditar que um grupo de feministas radicais anticlericais se juntou para
boicotar o trabalho do Comissão Independente? Não, não temos. E, mais importante,
qual era a alternativa? Tendo em conta que estamos a falar de um tema traumático e de
extraordinária complexidade, que a maioria das pessoas leva anos
a processar se é que alguma vez encontra coragem para falar do assunto, que
outra possibilidade havia para além de convidar as pessoas a preencher inquéritos
de forma anónima?
A Comissão teria sempre de optar
entre expor-se ao risco – menorizado através do cruzamento de dados que
permitiu, de facto eliminar umas dezenas de respostas tidas como pouco fiáveis –
e ter uma base de estudo, ou esperar apenas por pessoas que quisessem dar a
cara, e chegar ao fim do prazo com 34 casos. Optou, naturalmente, pela primeira
hipótese. Não podia ser de outra forma.
Mais, como também já referi, muito mais provável é os dados apresentados pelo relatório
pecarem por escassos, uma vez que a distribuição geográfica das respostas
recebidas é muito desigual e há uma desproporção de respostas de zonas urbanas
e litorais em relação a zonas rurais e do interior. A falta de respostas do
interior norte e das ilhas, por exemplo, leva a crer que os números reais de
vítimas serão de facto mais elevados do que aparece no relatório, e que por
isso os quase 5.000 casos estimados não sejam um excesso, como o autor parece pensar, mas talvez até uma estimativa conservadora.
Os casos na imprensa
Um dos dados em que Pablo J.
Ginés se sustenta é o facto de o relatório ter dito que a pesquisa feita na
imprensa permitiu identificar 19 casos. Escreve o autor:
El equipo investigador además dedicó una periodista a buscar durante 6 meses casos de abusos eclesiales contra menores en archivos de los periódicos portugueses de los últimos 70 años. La periodista revisó 27 periódicos online con detalle. Después consultó los archivos en papel de 4 grandes periódicos. Consultó por teléfono con los archiveros de otros periódicos. Encontró, en total, 19 casos de abusos. Varios los había recibido el equipo investigador por otras vías.
Es verdad que antes de 1974 la prensa portuguesa no publicaba historias de abusos en el clero. Pero también es verdad que en febrero de 2019 todo un equipo de periodistas del "Observador" dedicó 3 meses sólo a buscar casos de abusos a menores en entornos católicos, para su reportaje «Em Silêncio».Insistamos: en 50 años de democracia en Portugal, toda la prensa del país, incluso buscando con dedicación, encontró sólo 19 casos de abusos a menores (que casi siempre eran los que llegaban a tribunales).
É verdade que o relatório diz
que apenas encontrou 19 casos na imprensa, mais oito que não continham
informação suficiente para serem contabilizados. Eu também estranhei quando li
isso. A questão é que o jornalista da Religión en Libertad aceita esse número
como um dado adquirido e, com base nisso, lança desconfiança sobre o resto do
relatório.
O problema é que – e aqui sim,
critico o relatório – esse número é incompreensível. Há 13 anos que eu sigo
esta questão e que vou dando conta de todos os casos que foram públicos nesta cronologia. Recentemente juntei todos os casos, tratei-os e apresentei um resumo aqui.
Ora, segundo esse meu
trabalho, quase todo ele documentado por notícias que vieram a público,
existiram nos últimos anos 72 casos envolvendo abusos de menores em contexto
eclesial. Este valor já inclui seis casos que constam dos tais 19 do relatório,
e que me tinham escapado.
Nem todos os “meus” casos são
de abusos, alguns são de encobrimento. Mas 63 são de abusos, entre padres,
acólitos, sacristãos, escuteiros e professores de EMRC. Um deles, que saiba,
nunca chegou a ser notícia, mas os outros foram e em 40 dos casos o nome ou é público
ou é de fácil acesso por quem procura (isto é, se eu sei, acredito que a Comissão
também conseguia descobrir, pelo que não seria necessário descartar o caso).
Porque é que a Comissão só
descobriu 19 casos? Não faço ideia. Já lhes perguntei, talvez haja uma
explicação lógica.
Mas pelo menos este argumento
do autor da notícia espanhola cai por terra, embora ele não tenha grande culpa
de se ter fiado no relatório nesse aspecto.
O jornalista pega ainda no facto
de ter havido uma percentagem muito alta de mulheres vítimas. É certo que o número
é surpreendente, mas daí a concluir que isso se deve a uma complot ou a uma
tentativa em massa de defraudar a comissão, vai um longo passo.
Por fim, talvez uma das teorias
mais fracas do autor seja de que algumas vítimas possam ter sido dissuadidas de
participar no inquérito, por este alinhar com a ideologia do género, ao permitir
que os inquiridos colocassem “outro” no “género”. Eu tenho sérias dúvidas de
que alguém que finalmente tomasse a decisão de enfrentar um tema tão sensível
da sua vida mudasse de ideias só porque chegou ao inquérito e viu que ele
permite mais do “masculino” e “feminino” nas respostas.
Resumindo. O relatório não é perfeito, longe disso. Já apontei algumas fraquezas aqui e aqui. Mas a principal conclusão do relatório, de que existiram provavelmente milhares de casos de abuso sexual de menores na Igreja em Portugal ao longo dos últimos 70 anos, e que alguns ainda persistem, parece-me sólida e não vejo que a Igreja, nem ninguém, tenha a ganhar em semear dúvidas que têm por base, essencialmente, teorias da conspiração.
Queria só terminar por
agradecer ao Pablo Ginés ter escrito este artigo e ter-se dado ao trabalho de
analisar o relatório, mesmo que eu não concorde com as suas conclusões. É
precisamente destas análises e do diálogo sobre as mesmas, que podemos chegar
mais fundo na busca da verdade sobre esta questão.
"Resumindo. O relatório não é perfeito, longe disso. Já apontei algumas fraquezas aqui e aqui. Mas a principal conclusão do relatório, de que existiram provavelmente milhares de casos de abuso sexual de menores na Igreja em Portugal ao longo dos últimos 70 anos, e que alguns ainda persistem, parece-me sólida e não vejo que a Igreja, nem ninguém, tenha a ganhar em semear dúvidas que têm por base, essencialmente, teorias da conspiração." Huuum, parece-me que o dito relatório a as análises que se fazem dele aceitando quase tudo ė que parecem ser às ditas teorias da conspiração contra a igreja....
ReplyDeleteBolas... Fui desmascarado.
ReplyDeleteO que me incomoda é o metodo da extrapolação, muito matematico mas quão certo? No entanto o mal sofrido por um só é já um horror, pois não aconteceu apenas naquele momento infernal, mas vive-se com ele como uma chaga aberta a vida inteira.
ReplyDeleteOs seminaristas devem aprender a rezar, a manter-se castos. Infelizmente há que ensinar isto a alguns sacerdotes também. Os mandamentos da Lei de Deus são para ser cumpridos pelo clero. Todos, incluindo o 6.º e o 9.º. Caso contrário, é esta triste realidade que acontece. A castidade é para todos: os leigos não estão excluídos. Já poucos vivem um matrimónio santo. A IGREJA não tem que se admirar com este resultado. Alguém ouve algum sacerdote falar do 6.º e 9.ºMandamentos numa homilia? Esperavam o quê, senhores bispos?
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