Dr. James O. Breen |
Pouco se sabe das suas vidas mas têm sido amplamente venerados
desde o seu martírio no final do Século III. Irmãos gémeos que se formaram em
medicina na Síria, eram conhecidos por serem médicos eficientes e compassivos.
Animados pela sua fé cristã, Cosme e Damião refletiram o
amor de Cristo enquanto trabalhavam ao serviço do Médico Divino, como se vê na
lenda do transplante milagroso da perna de um mouro que tinha acabado de morrer
para um doente oncológico. Cosem e Damião tornaram-se conhecidos por recusarem
pagamento pelos seus serviços, ganhando assim o título de “os sem dinheiro”. Na
Igreja Oriental são honrados como os “médicos não mercenários”.
O seu testemunho fiel conduziu-os à grande perseguição de
Diocleciano, mas várias tentativas de os matar – crucificando-os, apedrejando-os,
queimando-os e alvejando-os com setas foram malsucedidas. Eventualmente foram martirizados
por decapitação. A veneração dos santos Cosme e Damião espalhou-se rapidamente
entre os fiéis; foi construída uma igreja no local da sua sepultura e uma
basílica em sua honra em Constantinopla. Os seus dias santos de guarda
continuam a ser celebrados nas Igrejas Católicas e Ortodoxas do Oriente e do Ocidente.
A minha devoção aos Santos Cosme e Damião deriva da forma
altruísta como praticavam a medicina como forma de evangelização e a total
ausência de medo diante da perseguição que levou ao martírio. A veneração destes
santos leva-me a uma humildade contrita pelo conforto de que gozo na minha vida
e no meu trabalho, comparado com as dificuldades que eles tiveram de enfrentar.
Paro também para considerar os desafios apresentados na
prática da medicina pelas ideologias e as perseguições dos nossos dias. É
verdade que os médicos modernos que não alinham com o regime actual não
enfrentam a decapitação física, mas as consequências da dissensão incluem a perda
de licença para praticar a sua profissão e o seu sustento, intimidação legal e
assassinato de carácter.
Em contraste com o zelo evangélico de Cosme e Damião,
hoje em dia os médicos sentem o peso da burocracia rígida e labiríntica que se
sobrepõe ao tratamento dos doentes. Tal como os sacrifícios obrigatórios aos
deuses romanos nos tempos de Diocleciano, o clima médico de hoje ofende frequentemente
as consciências dos médicos cristãos.
Entre os desafios actuais está o ataque institucional a
certas categorias de vida humana. O direito à liberdade de consciência dos
profissionais de saúde também é ameaçado, sobretudo no que toca aos nascituros,
através de processos e códigos de ética que retiram as proteções legais a
clínicos que se recusam a participar em abortos ou a recomendar os pacientes a
quem o faça.
No que diz respeito aos cuidados em final de vida há cada
vez mais estados a legalizar o suicídio medicamente assistido, promovido como
uma afirmação da dignidade individual. O efeito normalizador de tais atitudes permissivas
e dessa legislação faz com que os médicos cristãos temam uma erosão da ética médica,
tal como já aconteceu no vizinho Canadá, onde os tribunais ordenaram que os
médicos que se opõem à “morte medicamente assistida” devam referir os seus
pacientes a quem a forneça.
Outro assunto que ameaça a integridade dos profissionais
de saúde cristãos é a teoria do género contemporânea. Quase de um dia para o
outro a opinião jurídica e social classificou como odiosa a defesa do facto,
outrora indisputado, de que a diferenciação natural sexual do homem e da mulher
é um atributo biológico e imutável da pessoa.
Enquanto os governos estaduais e federais descobrem uma
categoria interminável de direitos daqueles que não pretendem reconhecer a sua
sexualidade natural, cresce a animosidade política que pretende calar a voz dos
que professam a verdade da sexualidade humana. Estes novos direitos aumentaram
tão rapidamente que eclipsaram o direito constitucional à liberdade religiosa.
Na base destes assuntos está uma estirpe de utilitarismo
que distorce a nossa compreensão social da medicina e do seu papel na sociedade.
Cada vez mais as opiniões profissionais dos médicos têm sido subjugados às
preferências e aos apetites dos pacientes e dos patrões.
Uma abordagem mercantilista à medicina, combinada com um
papel desmedido do Governo no financiamento dos cuidados de saúde, levou a uma
explosão na burocracia e na regulação da medicina. A cada vez maior dependência
contratual dos médicos é outro factor que impede a liberdade de consciência,
através de condições contratuais que se sobrepõem muitas vezes a decisões neste
campo.
Agora, com a pandemia de Covid-19 a ameaçar a viabilidade financeira não é difícil ver porque é que tantos especialistas na área da saúde estão a dizer que está próximo o fim dos tempos do médico independente.
Não é a primeira vez que homens e mulheres de fé ouvem o
anúncio angustiado do fim dos tempos. Enquanto contemplo a Comunhão dos Santos pergunto-me
como é que Cosme e Damião desempenhariam o seu ministério no nosso contexto
americano contemporâneo. A sua defesa do Evangelho seria certamente contrária
aos pronunciamentos do Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas para
referir pacientes para abortos, por exemplo.
Imagino que eles não aceitassem utilizar pronomes de
género, nem referir ou prescrever pacientes que se descrevem como transsexuais
para castração hormonal ou mutilação cirúrgica, disfarçados como terapeuticamente
benéficos. Penso, antes, que simpatizariam com o enorme sofrimento suportado
por esses filhos e filhas de Deus, vendo na sua dor a face de Cristo crucificado.
Ao curar as feridas espirituais infligidas pelo
libertinismo e autodeterminação, estes médicos apontariam as almas na direção
de Cristo, proclamando a verdade aos poderosos do mundo como exemplos vivos do
Evangelho da Vida.
As vidas dos santos (Igreja Triunfante) servem como modelos para os fiéis na Terra (Igreja Militante). Que a intercessão dos Santos Cosme e Damião encha de força e de esperança os profissionais médicos que se esforçam para serem as mãos, coração e mete de Cristo, o médico, por entre tanto sofrimento, ansiedade e confusão.
James O. Breen é doutorado em medicina pela Jefferson
Medical College of Philadelphia e completou o seu internato e residência em
Medicina de Família na Universidade de Brown. Pratica e ensina medicina e vive
com a sua mulher e filhos em Fort Myers, Flórida.
(Publicado pela primeira vez no sábado, 26 de Setembro de 2020 em The Catholic Thing)
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