Michael Pakaluk |
Espero que este primeiro parágrafo confirme a minha boa
fé e comprove que este artigo não é um exercício daquela já há muito abandonada
prática de explicar o Papa.
Não obstante, creio que muitas destas queixas (menos a de
ser demasiado longa!) se baseiam numa incompreensão do propósito da encíclica.
Deixem-me então explicar o que considero ser este propósito.
Pensemos nas primeiras linhas do Lumen
Gentium, o documento base do Concílio Vaticano II: “A luz dos povos é
Cristo: por isso, este sagrado Concílio, reunido no Espírito Santo, deseja ardentemente
iluminar com a Sua luz, que resplandece no rosto da Igreja, todos os homens,
anunciando o Evangelho a toda a criatura. Mas porque a Igreja, em Cristo, é
como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da
unidade de todo o género humano, pretende ela, na sequência dos anteriores
Concílios, pôr de manifesto com maior insistência, aos fiéis e a todo o mundo,
a sua natureza e missão universal.” [Itálicos meus]
Pensando bem, essa última frase é muito estranha. A
Igreja deve desempenhar o seu papel como sinal e instrumento de união com Deus
e de união com todo o género humano, manifestando a todo o mundo a sua
natureza? Porém, se voltarmos a ler o livro do então Cardeal Wojtyla sobre a
implementação do Concílio na arquidiocese de Cracóvia, “Fontes de Renovação”, veremos que ele viu esta ideia como a chave de interpretação
de todo o Concílio. Podemos argumentar até que serve como chave de
interpretação de todo o seu pontificado.
“A sua mensagem foi esta”, disse o Papa Bento, na homilia da beatificação, “o homem é o caminho da Igreja, e Cristo é o
caminho do homem.”
Suponhamos então que Francisco entende, compreensivelmente,
que esse desafio foi conseguido em larga medida pelas exposições de João Paulo
II sobre o Concílio, ao longo de 27 anos. Depois faz sentido que se entenda que
Francisco está, por assim dizer, a tomar o caminho mais direto e natural rumo à
unidade do género humano, ou seja, pregar diretamente sobre o assunto! A sua autoridade
neste campo deriva, claro, do facto de ser Vigário de Cristo. O mandato vem do
Concílio. Está tudo na ordem correta.
Contudo, um crítico poderá contrapor que Francisco apenas
lida com a primeira parte da premissa, do homem enquanto caminho da Igreja. Em “Fratelli
tutti” Há pouco, ou nada, sobre a salvação em Cristo.
Entendo. Mas em resposta eu diria a essa pessoa que não
prestou atenção suficiente à disputa que ocorreu sobre as palavras iniciais da
encíclica, “a todos os meus irmãos”. O Papa Francisco insistiu que estas
palavras se mantivessem, apesar das queixas de muitos amigos “progressistas”
que as achavam patriarcais, opressivas e insuficientemente inclusivas. Porque
não, pelo menos, “a todos os meus irmãos e irmãs”?
A razão é que Francisco queria que toda a encíclica ficasse
ligada às Admoestações de São Francisco de Assis. As palavras iniciais ficaram tais como estão porque
são uma citação da VI Admoestação.
Permitam-me que cite dessa admoestação: “Consideremos,
irmãos todos, o bom pastor, que para salvar suas ovelhas sofreu a paixão da
cruz.” Falta Cristo? Como assim?
Ou, poderia ter dito aos católicos que temos muito mais obrigações
de viver os ensinamentos da encíclica do que outros: observem a espiritualidade
de São Francisco. Mas não é propriamente difícil chegarmos até aí sozinhos,
pois não?
Enquanto professor de Ética e Filosofia Social numa universidade
católica, acho fascinante a forma como a encíclica recorre à expressão “amizade
social” em vez da habitual “justiça social”. Não consegui encontrar uma única
referência a “amizade social” no Catecismo, nem no Compêndio da Doutrina Social
da Igreja. Temos aqui um desenvolvimento significativo da tradição do
pensamento social.
A justiça não chega para a unidade social, por causa da
sua ênfase na imparcialidade, que se torna, na nossa cultura, “autonomia” e “individualidade”,
por causa da atenção dada a males passados e à forma como encoraja a revolta.
Ao contrário de “justiça social”, falar em amizade ajuda-nos
a considerar que as culturas e as instituições são subsidiárias à sociedade
política. O Papa Francisco aponta nessa direção com esta encíclica, com a sua
forte preocupação com o “local” e as críticas incisivas aos abusos das redes sociais.
Mais, a mera “justiça social” deixa sem resposta a
questão da motivação: como, para além de revolta, sentimentos de crise e
pressão social (politicamente correcto) é que as pessoas podem ser motivadas a
trabalhar para a “justiça social? Então, por todas estas razões, a justiça
social é insuficiente.
Mas se o homem procurar amor e amizade, não encontrará
Cristo?
Michael Pakaluk, é um académico associado a Academia
Pontifícia de São Tomás Aquino e professor da Busch School of Business and
Economics, da Catholic University of America. Vive em Hyattsville, com a sua
mulher Catherine e os seus oito filhos.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 13 de Outubro de
2020)
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