Stephen P. White |
A juíza, por sua vez, tem demonstrado graça e paciência,
bem como episódios de brilhantia jurídica durante os procedimentos. Se for
confirmada, a juíza Barrett será a sexta católica no Supremo Tribunal. A fé
católica de Barrett – e a sua pertença ao grupo carismático ecuménico “People
of Praise” – tem sido tema de muita discussão desde que ela foi nomeada e
confirmada como juíza federal em 2017
Durante essa audição a senadora Diane Feinstein afirmou
que “o dogma vive bem alto” em Amy Coney Barrett, que é mãe de sete filhos.
Barrett tem sido sujeita a uma torrente de abuso e gozo na internet e em grande
parte da imprensa.
A Constituição proíbe que alguém seja sujeito a uma prova
religiosa para se candidatar a um cargo. Mas a “intensidade” das crenças
continua a ser importante para alguns. Os católicos são bem-vindos, dizem,
desde que as suas palavras e acções não proclamem certos dogmas demasiado alto.
A fé característica de Barrett – e a preocupação que
causa entre os defensores de certas piedades seculares – é refrescante, mas
também sublinha a indistinção de tantos católicos que ocupam cargos políticos.
A verdade desconfortável é que “ser católico” nos Estados
Unidos já não indica uma abordagem política distinta. Mais preocupante até, do
ponto de vista católico, é o facto de que “ser católico” na América já não é
indicativo de um conjunto característico de práticas religiosas. Aliás, o
“mero” facto de alguém ser católico, hoje, diz-nos quase nada sobre o conteúdo
das suas crenças religiosas.
James Joyce escreveu que “católico significa ‘cá vem toda
a gente’” e isso é uma boa lembrança de que a nossa tribo sempre foi conhecida
pela sua variedade, cheia de santos e de pecadores. Ainda assim, o estado da
crença católica nos Estados Unidos, e por isso o estado da vivência católica na
praça pública, parece estar particularmente degradada hoje em dia. É por isso
que “católico” é usado tantas vezes em conjunto com outro termo: católico
liberal, católico conservador, católico de João Paulo II, católico do Papa
Francisco, católico na tradição jesuíta, etc., É necessário usar os outros
termos para que a palavra tenha algum significado característico.
Mas isso deve fazer-nos pensar, sobretudo quando os
aplicamos a nós próprios sem pensar no assunto. Recordem-se de como Paulo
ralhou com os coríntios por pensarem de forma mundana: “Quando alguém diz, ‘eu
sou de Paulo’ e outro ‘eu sou de Apolo’, não são apenas humanos?”
É interessante perguntar como é que chegámos a isto. Pode-se apontar para outras ideologias, de esquerda ou de direita, que aos poucos foram despindo as características próprias da vida católica neste país. (Se pensarmos, como muitos pensam, que quatro anos a justificar o mau comportamento deste Presidente corrompeu a consciência de alguns católicos, imaginem os efeitos de justificar o apoio ao aborto ao longo de 40 anos).
Pode-se apontar para os anos depois do Concílio Vaticano
II, quando a disciplina sacramental colapsou por entre a confusão social e
cultural. Pode-se culpar os bispos, que abdicaram da sua responsabilidade de
ensinar e governar, deixando os seus rebanhos afastar-se impunemente. Pode
haver um grão de verdade em cada uma destas explicações.
Mas temos de estar dispostos a reconhecer que os
católicos nos Estados Unidos perderam a sua identidade característica não por
causa de algo que nos aconteceu, mas porque optámos.
A Elizabeth Bruenig, que é católica também, escreveu
recentemente sobre as consequências involuntárias de gerações de católicos a
tentar fazer-se em casa numa América protestante que, durante muito tempo, os
olhava com desconfiança. Em suma, perdemos a nossa identidade católica porque
nos queríamos encaixar. “Talvez os católicos tenham merecido o direito à
indistinção, o privilégio de se poderem integrar perfeitamente na paisagem
social e política dos Estados Unidos, a liberdade de não terem quaisquer
obrigações morais. E que liberdade tão incaracterística, vasta e estéril que
é”.
Como em qualquer outro lado, os católicos americanos são
moldados pelas suas circunstâncias. Para os católicos na América isto significa
uma cultura que em tempos era dominada pelo protestantismo e dedicada, em larga
medida a um credo político (liberalismo) em relação à qual a Igreja tem tido há
muito uma relação de desconfiança. O bravado e o individualismo americano podem
ter servido os primeiros imigrantes e alimentado o espírito pioneiro. Mas estas
mesmas características americanas revelaram-se particularmente corrosivas para
os cidadãos de uma superpotência tão rica e tecnológica como a nossa se tornou,
especialmente nos anos depois da II Guerra Mundial.
E o efeito na fé católica também tem sido corrosiva.
Chamem-lhe inculturação, chamem-lhe sincretismo ou chamem-lhe, como o Papa
Francisco, o triunfo do “paradigma tecnocrático” que nos levou a crer que a
ordem na sociedade humana depende do exercício tecnocrático do poder, quando na
verdade se trata do fim próprio da existência humana, tanto natural como
sobrenatural.
Se ser católico não for um sinal de contradição para as
ortodoxias mundanas do nosso tempo, então certamente estamos a fazer algo de
errado. Se olhamos para a Igreja como uma ONG compassiva, como já avisou o Papa
Francisco, então não é Cristo que estamos a proclamar, mas uma “mundanidade
demoníaca”. Se a nossa fé católica for indistinguível do espírito do tempo,
então somos como sal que perdeu o seu sabor.
E isso traz-nos de volta ao teatro que são as audições de
confirmação no senado. As audições não têm a ver com justiça nem com as
qualificações do nomeado, são sobre poder. Poder sobre a vida, poder sobre a
família, sobre a sociedade, sobre a natureza e sobre a Igreja. Os seus
opositores crêem que a juíza Barrett – pelas prioridades que escolhe e, sim,
pelos dogmas que proclama – é um obstáculo intolerável ao seu exercício desse
poder.
Tomara que mais de nós católicos fossem assim tão
intoleráveis. O nosso país ficava a ganhar.
Stephen
P. White é investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política
Pública em Washington.
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