David Warren |
Nota prévia: Hesitei antes de publicar este artigo, por
uma série de razões. Em primeiro lugar porque o David Warren tem um estilo de
escrita bastante difícil, ainda para mais quando é traduzido. Os seus textos e
os seus raciocínios não são os mais fáceis de acompanhar.
Em segundo lugar, porque não concordo inteiramente com
ele neste artigo em particular. Nunca tive a pretensão de apenas publicar
artigos do The Catholic Thing com os quais estou 100% de acordo. Às vezes
escolho os textos porque dizem respeito a temas actuais e contribuem para um
debate inteligente sobre os mesmos.
Ao contrário do que o David dá a entender, eu não acho
que a agilização dos processos de nulidade seja um erro ou que seja tudo mau.
Mas estou de acordo com o seu principal argumento neste artigo. Isto é, que o
casamento é uma instituição natural, em todos os sentidos da palavra, e que por
isso a compreensão das suas exigências e dos seus objectivos está ao alcance
até dos mais simples. Não tenho dificuldade em aceitar que há muitos casamentos
nulos, por diversas razões, mas tenho a maior dificuldade em aceitar que os
casamentos nulos sejam uma enorme proporção, ou até maioritários, porque a
nossa geração é incapaz de compreender algo que estava perfeitamente ao alcance
dos nossos antepassados mais recônditos e o está ainda dos nossos irmãos
actuais nos pontos mais distantes do planeta.
Dito isto, deixo-vos com o artigo de hoje do The Catholic
Thing.
Filipe d'Avillez
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Talvez devêssemos distinguir entre as coisas que as
pessoas não compreendem e as coisas que as pessoas não querem compreender.
Permitam-me desafiar a ideia actualmente generalizada de
que a natureza do casamento, os ensinamentos de Cristo sobre o casamento e os
requisitos da Igreja Católica a este respeito não estão para além da capacidade
de compreensão de metade da população. Eu tenho menos confiança do que a
maioria das pessoas na “inteligência média”, mas neste caso acho que consigo
ver o fundo.
Vou tornar esta história mais pessoal, a meu próprio
custo. O meu próprio casamento (e foi apenas um) desintegrou-se há muitos anos.
Não seria justo da minha parte explicar porquê num fórum público, mas bastará dizer
que seria preciso estar sob o efeito de alucinogénios para acreditar que a
minha ex-mulher carrega com todas as culpas.
Duas vezes estive quase a pedir uma “anulação”. Ambas as
vezes reconsiderei.
Essa união resultou no nascimento de dois belos rapazes,
actualmente crescidos. O mais novo tem Trissomia XXI. O seu nascimento em si
forneceu prova suficiente de que existia um casamento, mesmo que tenha sido
realizado numa igreja anglicana. Ambos os seus pais estavam apostados, por uma
questão de princípio, a ficar com ele, mesmo que que tivesse oito pernas e
cinco olhos.
Que provas?
Em primeiro lugar revelou uma compreensão do casamento,
mesmo sob stress. Não se abandonam os filhos – sendo que aqui o termo “abandono”
é suficientemente alargado para incluir matá-los. A taxa de aborto pode
continuar a ser alta, mas a proporção de pessoas que pensa que o aborto é uma
coisa boa mantém-se baixa. Vemos manobras intelectuais para o tentar justificar
e o horror da imprensa sensacionalista quando um bebé é encontrado abandonado.
As pessoas olham para o seu bebé e sabem que não se deve matá-lo ou deitá-lo
fora.
A própria ideia de órfãos enche-nos de compaixão, porque
antes mesmo de nos termos “objectivado” já criámos empatia com a criança. Até
compreendemos a forma obsessiva como o órfão já adulto procura a sua mãe ou o
seu pai biológico. Sabemos que estão também à procura de eles mesmos.
Em segundo lugar esta criança, que não é propriamente o
Einstein, tinha uma compreensão plena do que é o casamento antes de ter sete
anos. Notava-se nas palavras enternecedoras “somos família”, ou no recreio para
onde eu o levava e onde – para minha grande vergonha – ele ia ter com estranhos
e, apontando para mim, declarava: “Aquele é o meu pai!”
E quando estava perto dos 12 anos e os seus pais estavam
claramente em fase de separação – nos momentos antes de eu perder o meu lar –
ele suplicava: “Mas pai, casou com a mãe”. Estas são palavras que levarei
comigo para a sepultura. Porque ele compreendia perfeitamente o conceito.
Talvez a própria simplicidade do rapaz tenha contribuído
para a sua claridade nesta matéria.
Tanto quanto podemos ver, os camponeses medievais não
tinham qualquer problema em compreender o casamento. Os verdadeiros pobres de
Ásia e de África compreendem, como eu próprio já testemunhei. É preciso uma boa
dose de sofisticação intelectual pós-moderna para ser incapaz de compreender o
que é uma família, enquanto instituição permanente e fértil, fundada sobre uma
mulher e um homem.
Uma “instituição” diferente em género de uma companhia
limitada e que antecede (cronológica e logicamente) qualquer lei de contratos.
Antecede de tal forma que me parece ser autoevidente, autoexplicativa e
compreensível desde Adão e Eva. Atravessa todas as culturas e até nos costumes
primitivos da poligamia mantém os temas de procriação e herança.
Já antes escrevi que há dois tipos de sofismas – e há
boas razões pelas quais o segundo tipo raramente é examinado. Fingimos saber o
que não sabemos; mas tais pretensões são fáceis de expor e nós próprios sabemos
que estamos a mentir ou que nos estamos a armar. Mais destrutivo é quando
fingimos não saber aquilo que sabemos.
A maioria tenderá a concordar que vivemos numa “era de
ansiedade” e a ansiedade é suficiente para querermos saber qual é a causa
subjacente. Na minha opinião trata-se da recusa em reconhecer coisas
relativamente evidentes. Estamos a tentar viver “como se” certas verdades não
fossem verdade, mesmo como se certas palavras não significassem o que sempre
significaram.
Será mesmo tão difícil de compreender? |
A vida familiar é demasiado dura para nós, nas condições
actuais. É demasiado real. Estramos rodeados de opções irreais, desde os
romances de escritório aos jogos de computador e todas as outras formas de
evasão. Tal como aqueles órfãos, mas ao contrário, fugimos de toda a gente na
tentativa de fugir de nós mesmos. O encontro com a realidade é demasiado
difícil.
Quando clérigos, bem-intencionados mas imprudentes, dizem
que metade dos casamentos são inválidos – seja na diocese de Buenos Aires ou na
minha de Toronto – eu sei o que querem dizer com isso. Mas se é metade, então é
mais que metade e nesse caso mais vale abolir os casamentos todos e
recusarmo-nos a começar de novo.
Porque não agilizar o processo ainda mais, com o envio em
massa de Declarações de Nulidade para toda a gente no correio? Depois, se
formos honestos, recusamo-nos a recasar quem quer que seja, pois estamos a
lidar com uma raça tão perversa que afirma nem saber o que é o casamento.
Refiro-me, claro está, à humanidade, a “raça fantástica”
como Jonathan Swift os apelidou. Ele não usava o termo no sentido moderno de “maravilhosa”
ou “fora de série”, mas no sentido mais antigo de “louca”, completamente
maluquinha.
À Igreja cabe a tarefa de resistir a estes fantasmas,
estas “falsa consciência” de que os homens precisam de pouca desculpa para cair
no “pecado” que guia as nossas acções quando descarrilamos. Cabe à Igreja não
se acomodar às ilusões.
David Warren é o ex-director da revista Idler e é
cronista no Ottowa Citizen. Tem uma larga experiência no próximo e extreme
oriente. O seu blog pessoal chama-se Essays in Idelness.
(Publicado pela primeira vez na Sexta-feira, 19 de Setembro
de 2015 em The Catholic Thing)
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dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o
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