George J. Marlin |
Em 1948 o grande poeta anglo-americano e vencedor do prémio
Nobel T.S. Eliot publicou uma curta obra chamada “Notas
para uma Definição de Cultura”, onde argumentou que a cultura é
“essencialmente a encarnação da religião de um povo” e que na Europa a religião
que influenciava a cultura era o Cristianismo:
Foi no Cristianismo
que as nossas artes se desenvolveram; foi no Cristianismo que as leis da Europa
tinham – até recentemente – as suas raízes. É com o Cristianismo como pano de
fundo que todo o nosso pensamento tem significado. Um europeu individual pode
não acreditar que a fé cristã é verdadeira, porém o que diz, e produz e faz
jorrará da sua herança de cultura cristã e dependerá dessa cultura para ganhar
significado. Só uma cultura cristã poderia ter produzido um Voltaire ou um
Nietzsche. Não creio que a cultura da Europa possa sobreviver ao
desaparecimento completo da fé cristã.
Agora, num livro recém-traduzido [para inglês], “A
Civilização do Espectáculo”, outro laureado com o Prémio Nobel da
literatura, o romancista Mario Vargas Llosa, revisita a tese de Eliot e critica
a era actual da cultura ocidental como sendo não só sub-cristã, mas por se ter
tornado uma espécie de não-cultura.
Nascido em Arequipa, no Peru, em 1936, Vargas Llosa foi
educado em colégios católicos e recebeu o seu doutoramento da Universidade
Complutense de Madrid. Desde os 16 anos que foi jornalista amador e acabou por
se mudar para Paris depois de terminados os seus estudos, onde tentou a sua
sorte como escritor a tempo inteiro.
“A
Cidade e os Cães”, o seu primeiro romance, publicado em 1963 e que descreve
a vida numa academia militar peruana, atraiu muitos elogios nos círculos
literários e recebeu o Prémio da Crítica Espanhola, mas foi descartado como a
obra de uma “mente degenerada” pela estrutura militar autoritária do Peru.
Rejeitando o marxismo e o socialismo, Vargas Llosa – que
foi eleito presidente da PEN International em 1975 e concorreu, sem sucesso, à
presidência do Peru em 1990 – sublinhou nos seus romances que se a América
Latina quer sobreviver, as suas nações-estado devem abraçar a democracia
liberal.
Em 2010, quando foi anunciado que Vargas Llosa ia receber
o Prémio Nobel, o comité elogiou-o pela sua “cartografia de estruturas de poder
e imagens mordazes da resistência, revolta e derrota do indivíduo”. Revendo a
sua carreira, o conhecido crítico literário Clive James disse que ele
“exemplificava da melhor maneira a relação entre a literatura e a política no
final do século XX na América Latina”.
Tal como Eliot, Vargas Llosa acreditava que a cultura
“nasce no seio de uma religião” e que apesar de a cultura ocidental ter
evoluído para longe do Cristianismo nos tempos modernos, “estará sempre ligada,
por uma espécie de cordão umbilical, à sua fonte de alimentação”.
As proclamações feitas por ideólogos do século XX de que
Deus morreu, diz Vargas Llosa, “não significaram a advir do paraíso na terra, mas
antes um inferno que já tinha sido prefigurado no pesadelo dantesco da Comédia…
O mundo, liberto de Deus, tornou-se gradualmente dominado pelo demónio, um
espírito do mal, da crueldade e da destruição que culminaria nas guerras
mundiais, os crematórios nazis e os gulags soviéticos”.
Vargas Llosa revela desespero pelo facto de ter
testemunhado, na sua vida, a diminuição da cultura à mão de vigaristas. As
elites sociais já não se devotam a promover e preservar a alta cultura, mas são
apenas snobs. Os artistas, músicos e autores raramente procuram criar obras que
“transcendam o mero tempo presente” e “permaneçam vivos para futuras gerações”.
Em vez disso as suas obras são “consumidas instantaneamente e desaparecem como
bolo ou pipocas”. Os empreendimentos culturais têm de ter um valor comercial e
não um valor intrínseco: “O que tem sucesso e vende é bom e o que falha ou não
chega ao público é mau”.
Esta cultura gasta, conclui Vargas Llosa com tristeza,
“privilegia a esperteza em vez da inteligência, as imagens sobre as ideias, o
humor sobre a gravidade, a banalidade sobre a profundidade e a frivolidade
sobre a seriedade”. Em resultado disso, mostra-se preocupado que os teólogos e
os filósofos, que tradicionalmente ajudavam a formar a visão de uma sociedade, tenham
sido substituídos por publicitários.
Lamenta que os concertos a abarrotar tenham substituído
as cerimónias litúrgicas: “Nestas festas e concertos lotados os jovens de hoje
comungam, confessam, alcançam redenção e encontram a realização através desta
experiência intensa e elementar de se perderem de se próprios.”
Quanto à utilização de drogas, Vargas Llosa afirma que
elas permitem às pessoas gozar de “prazer rápido e fácil”, evitando a busca de
conhecimento que apenas se consegue através do pensamento introspectivo: “Para
milhões de pessoas as drogas desempenham agora o papel, previamente
desempenhado pela religião e pela alta cultura, de apaziguar as dúvidas e as
questões sobre a condição humana, a vida, morte, o além, o sentido ou a falta
de sentido da existência”.
Mas apesar destes declínios das normas culturais
tradicionais e da crença de livres-pensadores, agnósticos e ateus de que os
avanços científicos irão tornar a religião obsoleta, Vargas Llosa nota que a
religião está viva e muito activa. Os secularistas não “conseguiram purgar Deus
do coração dos homens e das mulheres, nem acabar com a religião”.
O facto de tantas pessoas ainda pertencerem a religiões
estabelecidas e de os hippies e outros boémios dos anos sessenta, terem
abraçado os ensinamentos religioso-psicadélicos de Timothy Leary ou voltado
para a Igreja da Unificação Moonie, ou a Cientologia ou Budismo ou Hinduísmo
apenas demonstra, na perspectiva de Vargas Llosa, que as pessoas precisam de
alguma forma de consolo ou salvação.
Embora Vargas Llosa tenha abandonado a sua fé católica,
ele admite que está constantemente em busca de uma nova. Isto porque está
convencido que “uma sociedade não pode alcançar uma cultura democrática
sofisticada – por outras palavras, não consegue ser verdadeiramente livre ou
respeitadora da lei – se não for profundamente saturada de vida moral e
espiritual, que para a imensa maioria dos seres humanos é indissociável da
religião”.
Devemos esperar que quando o Mario Vargas Llosa chegar ao
fim da sua busca a sua mente tenha redescoberto a religião da sua juventude.
(Publicado pela primeira vez na Quarta-feira, 2 de Setembro
de 2015 em The
Catholic Thing)
George
J. Marlin é editor de “The Quotable Fulton Sheen” e autor de “The American Catholic Voter”. O seu mais recente livro chama-se
“Narcissist Nation: Reflections of a
Blue-State Conservative”.
© 2015
The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de
reprodução contacte:info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica
inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus
autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o
consentimento de The Catholic Thing.
No comments:
Post a Comment