Francis J. Beckwith |
Na passada terça-feira Hadley Arkes levantou uma
questão muito importante sobre a forma como o tribunal se referiu às crenças da
família Green, os queixosos no caso Hobby Lobby. Tal como noutras ocasiões, a
“religião” foi reduzida meramente à invocação de “crenças sinceras”.
Os Green dizem acreditar que a vida humana começa
na concepção. Este é um facto básico dos manuais de embriologia, mas aqui
aparece reduzido a uma mera “crença”, tal como a própria religião é reduzida a
meras “crenças” sem base na razão.
A observação de Hadley é claramente correcta e não
se aplica unicamente a esta decisão. Esta é a forma como os especialistas em
direito e as elites académicas tendem a caracterizar as crenças religiosas que
chocam com a narrativa liberal dominante. Em vez de as encarar como rivais
intelectualmente sérias da narrativa liberal do assunto em disputa, a crença
religiosa é apresentada como pertencendo a uma categoria inteiramente à parte.
A razão para isto, ao que me parece, é que os
críticos de religião pensam, erradamente, que todas as crenças religiosas são
apenas consequências da revelação, acessível ao crente através da escritura
(como a Bíblia ou o Alcorão) e/ou uma autoridade eclesiástica.
Por isso, para o típico académico secularista, o
facto de um católico acreditar que um embrião é verdadeiramente uma pessoa está
na mesma categoria que a doutrina da transubstanciação. Por isso para o
secularista, tal como a ideia católica do pão e do vinho consagrado é um
acrescento religioso à visão científica do pão e do vinho, a visão católica do
embrião é um acrescento religioso à visão puramente secular da vida nascente.
Através desta técnica, o secularista consegue dar
a entender que se trata de duas matérias incomensuráveis, a fé e a razão, em
vez de duas respostas contrárias à mesma pergunta: Será que o embrião é um de
nós?
Como Hadley diz, e bem, as conclusões da
embriologia são imensamente úteis neste debate. Mas para o secularista mais
sofisticado, aquele que aceita a humanidade do embrião, mas nega que tenha o
estatuto de pessoa, o activista pró-vida deve recorrer à filosofia, uma vez que
é esse também o instrumento a que recorre o secularista para apresentar a sua
visão.
O secularista argumenta que aquilo que torna
qualquer ser um sujeito moral é a sua capacidade de participar em actos que
tipicamente atribuímos a pessoas, como a capacidade de comunicar,
autoconsciência, etc. Logo, para este crítico, um embrião não pode ser um
sujeito moral, isto é, uma pessoa.
O defensor da vida não nega que uma pessoa possa fazer estas coisas, defende é que não é a capacidade de as fazer que faz do ser humano uma pessoa. Pelo contrário, os actos pessoais são aperfeiçoamentos daquilo que um embrião é, um ser com natureza pessoal. É por isso que um homem cego, inconsciente ou deficiente mental não deixa de ser um homem.
O nosso juízo sobre aquilo que lhe falta depende
de sabermos o que é. Logo, para o pró-vida, o embrião é um de nós por causa do
que é, não do que faz.
Mas isto significa que a posição da família Green
– de que o embrião é, desde a concepção, verdadeiramente um de nós – não resulta
meramente de um decreto eclesiástico ou de exegese bíblica, ainda que esteja
firmemente ancorada em ambos. Antes, é o resultado do mesmo tipo de raciocínio
usado pelos críticos da religião: a análise filosófica de uma realidade
empírica.
Logo, a crença dos Green não é mais nem menos
“religiosa” que a dos secularistas. Cada um está a oferecer uma resposta para a
mesma pergunta, ainda que através de tradições de reflexão filosófica
contrárias.
Sendo assim, certos críticos da decisão do
tribunal no caso Hobby Lobby, nomeadamente aqueles que a pintam como uma
vitória da fé sobre a razão, das duas uma: ou revelam ignorância sobre a
natureza da disputa ou sabem que se forem honestos quanto à mesma não estarão a
avançar a sua agenda política.
Se for o primeiro caso, então há esperança de um
entendimento e de um debate público sério mas respeitoso. Se for o segundo (e
temo que seja o caso), então estamos diante de adversários que rejeitam não só
a fé, como também a razão. Adiuva nos Domine Deus.
(Publicado pela primeira vez na Sexta-feira, 4
de Julho 2014 em The
Catholic Thing)
Francis
J. Beckwith é professor de Filosofia e Estudos Estado-Igreja na
Universidade de Baylor. É
autor de Politics
for Christians: Statecraft as Soulcraft, e (juntamente com Robert P. George
e Susan McWilliams), A Second Look at
First Things: A Case for Conservative Politics, a festschrift in honor of
Hadley Arkes.
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