David Warren |
Quando os americanos (“e aliados”) ocuparam Cabul,
descobriram que um dos velhos clichés sobre o Afeganistão estava, afinal,
errado. Não era verdade que já não existiam judeus no país. Um cavalheiro idoso
surgiu de entre os destroços, um certo Ishaq Levin (que Deus o guarde). Durante
todos aqueles anos tinha evitado dar nas vistas, mas agora estava convicto que
era seguro emergir.
E ainda havia outro. Talvez tenha ouvido falar
nele uma vez que a sua história foi adaptada para uma pequena peça de teatro em
Londres. Zabolon Simenov (a ortografia varia) era negociante de tapetes e
vendedor de kebabs e tinha sobrevivido aos Talibans, mantendo-se secretamente
judeu. A sua família, incluindo duas filhas, tinha fugido para Israel há muito
tempo.
Da última vez que ouvi falar nele continuava a
recusar partir, acreditando que enquanto filho e neto de rabinos distintos,
vivendo no que restava de uma sinagoga, tinha a obrigação de permanecer, se
possível. O negócio dos kebabs, contudo, já não é o que era – as bombas
persistentes mantêm os clientes à distância – pelo que foi obrigado a fechar o
restaurante.
Lembrei-me desta história pouco depois de ter
escrito no meu próprio site, no passado domingo, que “pela primeira vez em mais
de 18 séculos, não há cristãos em Mossul”, no Iraque. Actualmente, a informação
de que disponho é de que dezenas, talvez centenas, permaneceram e encontram-se
escondidos.
Mas os poucos milhares que havia anteriormente,
apesar de uma variedade de provações, naquilo que em tempos já foi uma cidade
cristã e continua a ser a sede nominal da Santa Igreja Apostólica Católica
Assíria do Oriente [que não se encontra em comunhão com nenhuma outra Igreja
apostólica], fugiram, na sua maioria para o Curdistão.
A alternativa dada pelo Estado Islâmico, o
exército fanático que actualmente controla regiões inteiras do Oeste do Iraque
e Este da Síria, que rebaptizou de “califado”, era a morte. Os relatos na
imprensa repetem mecanicamente que as outras opções eram a conversão ao Islão
ou o pagamento da jizyah, mas não têm espaço para explicar que estas não eram
alternativas viáveis.
Já não vimos muitas reportagens sobre o Iraque,
agora que as forças ocidentais foram retiradas, e a nossa escolha de amigos
regionais limita-se aos terroristas de um lado e, do outro, dois regimes, do
Assad na Síria e de Maliki, no Iraque, que se tornaram clientes de Teerão.
Ao abandonar as suas responsabilidades morais no
Iraque, os nossos líderes ocidentais deixaram a outrora numerosa comunidade
cristã entregue a si mesma. Mesmo enquanto as nossas tropas permaneciam no
local, e tinham os meios para evitar o pior, o destino dos cristãos foi em
larga medida ignorada. Estes, juntamente com outras minorias dentro do Iraque,
eram um factor inconveniente num jogo maior.
Seria preciso um texto longo para explicar a
impossibilidade da actual situação, mas vou tentar fazê-lo num parágrafo.
Embora os cristãos sempre tenham tido uma
existência ténue em terras islâmicas (e vice versa, numa visão ainda mais
longa), as suas comunidades maiores conseguiram sobreviver durante 14 séculos,
através de um acordo tácito com os seus senhores muçulmanos. O Islão
“tradicional” reconhecia de facto os cristãos e os judeus que permaneceram como
“povos do Livro”, com algum direito à vida, embora não reconhecessem a
conversão a estas religiões. Os muçulmanos taxavam-nos para conseguir
rendimentos, inteligentemente impedindo os fanáticos de matar a galinha dos
ovos de ouro. Mas com a subida do Islamismo “ideológico”, depois do
nacionalismo árabe do século XX, tudo se complicou.
Cristãos obrigados a abandonar Mossul |
Notem bem: Os muçulmanos defendem-nos quando nós
os abandonámos.
Quando rezamos pelos cristãos devemos também rezar
pelos muçulmanos que arriscam tudo para os abrigar – obviamente com a maior
discrição. Isto ajuda-nos a não generalizar, dizendo que todos os muçulmanos
são iguais, como se dizia que todos os alemães eram nazis. Mesmo que uma
maioria tenha sido, no auge do sucesso de Wehrmacht, também existiam aqueles
que os judeus apelidam de “justos entre as nações”.
Devemos aspirar a isto quando nos encontrarmos
entre uma raça de perseguidores.
A outra questão a assinalar é sobre a “esperança”,
em relação ao “tempo”. Talvez esteja a chegar o dia em que há tantos cristãos
no Médio Oriente como judeus – isto é, um número que pode ser arredondado para
zero. E talvez se siga um dia em que aconteça o mesmo na América, onde os
cristãos são já uma minoria desprezada.
Mas isto não belisca o valor das comunidades
cristãs que se perdem, cujas casas e igrejas são agora irreconhecíveis, eliminadas
da paisagem.
Elas existiram, no seu tempo, como nós existimos
no nosso. Essa dura realidade nunca pode ser apagada. Não há pardal que caia do
céu que passe despercebido aos olhos de Deus.
Mas é este o nosso mundo, cheio de perseguições e
injustiças, cheio de homens impiedosos e homicidas, à espera das suas
oportunidades, até que as portas do Inferno se abram para poderem correr por
elas a dentro. Tem sido sempre assim entre os homens, estes homens caídos em
desgraça. É isso que os cristãos ensinam e não devemos abandonar a nossa fé
agora que verificamos que os ensinamentos são verdadeiros.
A propósito, as cruzadas foram lançadas porque os
cristãos da Terra Santa estavam a ser massacrados e o acesso aos lugares santos
negado. A Cristandade oriental já tinha sofrido a sua quota-parte de derrotas,
e sofreria mais até ser totalmente invadida. A Cristandade Ocidental decidiu
contra-atacar, foi por isso que sobreviveu.
Não me parece haver “boas opções”, pelo menos
nenhuma que possa preservar o modo de vida cristão quando este é atacado no
Oriente e no Ocidente. Hoje, tudo o que sabemos defender são as nossas fontes
de rendimento.
Mas Cristo prevaleceu, mesmo quando os seus
apóstolos O abandonaram e ficaram reduzidos a um homem.
David Warren é o ex-director da revista Idler e é cronista no Ottowa Citizen.
Tem uma larga experiência no próximo e extreme oriente. O seu blog
pessoal chama-se Essays in Idelness.
(Publicado pela primeira vez no Sábado, 26
de Julho de 2014 em The Catholic Thing)
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