Pe. Dwight Longenecker |
No seguimento da visita do Papa Francisco ao
Médio Oriente, o encontro de oração nos jardins do Vaticano e a renovação de
combates entre fundamentalistas islâmicos no Iraque, que esperança podemos ter
acerca da possível salvação de pessoas religiosas que prefeririam morrer mil
vezes do que converter-se ao Cristianismo?
C.S. Lewis tinha o hábito de polvilhar as suas
histórias infantis com teologia. Aquilo que ele pensa sobre a possível salvação
de não-cristãos encontra-se na história final dos livros de Narnia. É evidente
que os calormanos, o povo que invade Narnia, representam os muçulmanos. Os homens
do sul têm nomes de estilo turco, usam cimitarras e recorrem ao engenho e ao
subterfúgio para invadir. Embora traiçoeiros, usam uma linguagem muito formal,
que faz lembrar a cultura islâmica, pelos salamaleques.
Em Narnia, um símio chamado Shift alia-se a
Tisroc – o líder Calormano – e dá-se início à invasão de Narnia. Depois de
cobrir o burro Puzzle com uma velha pele de leão, fazendo-o passar pelo grande Leão
Aslan, Shift consegue conquistar o fascínio dos Narnianos e rapidamente começa
a conspirar com os Calormanos para subjugar toda a Narnia.
A história leva uma volta com a chegada de
Tash, o deus-demónio dos Calormanos. Uma criatura terrível com o corpo de homem
com quatro braços e cabeça de falcão. O capitão calormano Rishda Tarkaan
conjuga as duas divindades em “Tashlan”. No estábulo onde se encontrava o falso
Aslan, Tash espera para devorar todos os que entrem.
Entre os Calormanos encontra-se um nobre chamado
Emeth que aprendeu a amar e reverenciar Tash. Quando ouve dizer que Tashlan se
encontra no estábulo, pede para entrar. Quando Rishda Tarkaan o procura
impedir, Emeth responde: “Vós dissestes que Aslan e Tash são um só. Se isso é
verdade, então é Tash que se encontra adiante. Como dizeis, então, que não devo
ter nada a ver com ele? Morreria alegremente mil vezes pela oportunidade de
poder ver a face de Tash uma única vez”.
Emeth desaparece para dentro do estábulo, e a
história continua até que as crianças de Narnia perdem a derradeira batalha e
são lançados também elas para o interior. O estábulo, porém, é “maior por
dentro do que por fora” e transforma-se na passagem para a verdadeira Narnia,
de onde testemunham a morte silenciosa da Narnia que conheciam até aí.
Viajando pela verdadeira Narnia encontram Emeth, que lhes fala do seu encontro com Aslan:
Veio ter comigo um grande Leão... então caí aos seu pés e
pensei, “Certamente é chegada a hora da minha morte, pois o leão saberá que
servi a Tash todos os dias da minha vida, e não a ele”... Mas o Glorioso baixou
a sua cabeça dourada e tocou na minha testa com a sua língua, dizendo: “Sede
bem-vindo filho”.
Respondi, “Mas Senhor, eu não sou vosso filho, mas
sim um servo de Tash”. Mas ele replicou: “Filho, todos os serviços que
prestaste a Tash eu contei como serviços prestados a mim... Nenhuma obra vil
pode ser feita em meu nome e nenhuma que não seja vil pode ser prestada a ele”.
Emeth respondeu, “Porém, todos os meus dias eu procurei
Tash”.
“Amado”, respondeu o Glorioso, “Se a vossa busca não
fosse por mim, não teríeis procurado tão longamente e com tanta verdade, pois
todos encontram aquilo que verdadeiramente procuram”.
Lewis teria certamente estendido
a um muçulmano a mesma generosidade que revelou para com o nobre calormeno.
Emeth procurou com todo o seu coração aquilo que era belo, bom e verdadeiro.
Por isso, na história de Lewis, acabou por encontrar Aslan, a figura de Cristo.
Pelo contrário, qualquer dos filhos de Aslan que vivesse na decepção, crueldade
e no mal acabaria por ser devorado por Tash.
Esta é a nota que
atravessa todo o pensamento de Lewis – uma misericórdia divina que é universal
sem ser universalista. Para Lewis há um juízo e um juiz, mas o juiz é mais a
alma individual do que o Todo-poderoso.
Em “O Grande Divórcio”, ele
afirma claramente: “No final de contas há dois tipos de pessoa: os que dizem a
Deus, ‘Seja feita a vossa vontade’ e aquelas a quem Deus acaba por dizer, ‘Seja
feita a vossa vontade’. Todos os que estão no Inferno estão lá porque o
escolheram. Sem essa escolha não poderia haver Inferno. Nenhuma alma que deseje
a alegria de forma séria e constante a poderá perder. Quem procura, encontra.
Àqueles que batem, abrir-se-á.”
Como é que este espírito
generoso encaixa com as palavras exigentes de Cristo: “Eu sou o Caminho, a
Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim”? A perspectiva de Lewis
significa que Emeth chegou de facto ao Reino através de Aslan – pese embora
pensasse que vinha através de Tash.
Toda a verdade,
beleza e bondade é uma verdade, beleza e bondade católica. É por isso que
apoiamos e acolhemos tudo o que é bom, belo e verdadeiro não só noutras
expressões de Cristianismo, mas também noutras religiões mundiais.
Por isso, o Catecismo
da Igreja Católica diz: “A Igreja reconhece nas outras religiões a busca,
‘ainda nas sombras e sob imagens’, do Deus desconhecido mas próximo, pois é Ele
quem a todos dá vida, respiração e todas as coisas e quer que todos os homens
se salvem. Assim, a Igreja considera tudo quanto nas outras religiões pode
encontrar-se de bom e verdadeiro, ‘como uma preparação evangélica e um dom
d'Aquele que ilumina todo o homem, para que, finalmente, tenha a vida’. [843]
Emeth encontra em
Aslan aquele que sempre procurou. Da mesma forma, podemos esperar que os
muçulmanos que verdadeiramente procuram o belo, bom e verdadeiro possam um dia
ver Cristo e saber que é ele o objecto de todas as suas buscas.
Entretanto, somos chamados a
evangelizar incansavelmente para que aqueles que vivem nas sombras possam vir a
conhecer a gloriosa luz de Cristo.
O
livro mais recente do padre Dwight Longenecker é The
Romance of Religion – Fighting for Goodness, Truth and Beauty. Visitem
o seu blogue, folheiem os seus livros e contactem-no em dwightlongenecker.com
(Publicado pela primeira vez no Domingo, 29 de Junho
de 2014 em The
Catholic Thing)
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