Austin Ruse |
A Santa Sé volta ao banco dos réus da ONU esta
semana. Desta vez é a Comissão de Tortura, e não vai ser bonito. [Desde que o
artigo foi publicado no site do TCT a audição já se realizou]
Lembram-se da última vez? Há meses a Comissão da
ONU para os Direitos da Criança disse à Santa Sé que a Igreja devia mudar os
seus ensinamentos sobre assuntos de moral fundamentais como o aborto,
contracepção, sexualidade na adolescência e casamento. O facto de apenas os
suspeitos do costume se terem mostrado horrorizados significa que a Comissão de
Tortura deve seguir o mesmo caminho.
A Convenção das Nações Unidas contra a Tortura,
outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, foi aceite pela
Assembleia Geral da ONU em Dezembro de 1984 e entrou em vigor passados três
anos. Actualmente 155 governos ratificaram o tratado, incluindo o Irão e a
Arábia Saudita. A Santa Sé assinou o tratado em 2002.
A Convenção
em si é uma coisa boa. Define a tortura da seguinte maneira:
Qualquer
acto por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são
intencionalmente causados a uma pessoa com os fins de, nomeadamente, obter dela
ou de uma terceira pessoa informações ou confissões, a punir por um acto que
ela ou uma terceira pessoa cometeu ou se suspeita que tenha cometido, intimidar
ou pressionar essa ou uma terceira pessoa, ou por qualquer outro motivo baseado
numa forma de discriminação, desde que essa dor ou esses sofrimentos sejam
infligidos por um agente público ou qualquer outra pessoa agindo a título
oficial, a sua instigação ou com o seu consentimento expresso ou tácito. Este
termo não compreende a dor ou os sofrimentos resultantes unicamente de sanções
legítimas, inerentes a essas sanções ou por elas ocasionados.
A convenção declara que não existem excepções à
proibição da tortura, incluindo guerra, emergência pública, actos terroristas
ou qualquer tipo de conflito armado. Os signatários aceitam incluir estas
proibições na sua lei nacional, para aplicar o tratado em todos os territórios
sob sua jurisdição, extraditar transgressores e, quando isto não for possível,
a jurisdição universal.
É fácil ver como a Igreja veria tudo isto com bons
olhos, até entusiasticamente. E é fácil também ver como a Igreja, pelo menos na
era pós-inquisição, dificilmente violaria o tratado. Mas não.
Os governos que ratificam o tratado têm de
comparecer diante do organismo de supervisão para explicar de que forma ele está
a ser implementado. Estes organismos são compostos por peritos, nomeados pelos
seus próprios países. Mas quando estão na comissão, representam-se apenas a si
mesmos e não os países de origem. São agentes livres. E nota-se.
Eis o que vai acontecer à Santa Sé às mãos da
comissão. A Igreja vai ser instruída a alterar os seus ensinamentos sobre o
aborto. A Igreja será acusada de violar o tratado por permitir o abuso sexual
de menores, mesmo fora dos 100 hectares da Cidade do Vaticano, em qualquer
parte do mundo onde uma criança tenha sido abusada por um padre católico.
Provavelmente a comissão opinará também sobre a orientação sexual e identidade
de género. Mas alguma destas coisas consta do tratado contra a tortura? Não.
Há anos alguns actores influentes da ONU,
incluindo os chefes de todos os organismos de monitorização da altura e das
grandes agências como a UNICEF, encontraram-se em Glen Cove, Nova Iorque, e
chegaram a um acordo para um plano para espalhar o evangelho da esquerda sexual
através de todos os tratados de direitos humanos das Nações Unidas, mesmo
naquelas que não mencionam questões como o aborto. Aliás, o aborto não é
mencionado em nenhum destes tratados. Nem um. Contudo, praticamente todos os
organismos de supervisão dos tratados dizem aos Estados que têm de legalizar o
aborto – e muito mais.
A Comissão sobre Tortura já disse à Irlanda,
Polónia, Nicarágua e Bolívia que a criminalização do aborto em caso de malformação,
violação, incesto e perigo de vida da mãe é considerada tortura, ao abrigo do
tratado. A comissão também já questionou os Estados Unidos sobre a tortura de
homossexuais.
A Santa Sé no banco dos Réus na ONU |
O que é que vai acontecer a seguir? A comissão vai
pressionar o Vaticano. Provavelmente mostrará pouco respeito pelos
representantes da Santa Sé. Referir-se-á a Arcebispos como “Senhor” e à Igreja
como “a vossa organização”. Não escutará – verdadeiramente – os representantes
da Santa Sé, mas as perguntas durarão horas. O relatório final será publicado
daí a umas semanas, embora o mais provável seja que já esteja escrito,
provavelmente por uma ONG de esquerda com um particular ódio pela Igreja.
A imprensa rejubilará por poder dizer que a Igreja
está em violação de mais um tratado de direitos humanos e poucas pessoas
compreenderão verdadeiramente o que aconteceu.
O que é que a Igreja deve fazer? A Igreja deve
aguentar a sova neste novo processo. Deve ter uma estratégia bem montada de
relações públicas para responder ao relatório e deve utilizar todas as
oportunidades para explicar como estes organismos ditos de defesa dos direitos
humanos de facto prejudicam os verdadeiros direitos humanos.
Depois devia esperar uns anos e, sem grande
alarido, retirar-se de todos os tratados da ONU. E devia explicar porquê:
porque estas comissões estão a ir muito mais longe do que o seu próprio mandato
e, ao fazê-lo, estão a prejudicar os direitos humanos verdadeiros. A Igreja não
quer ter nada a ver com isso.
Afinal de contas, foi a Igreja que inventou os
direitos humanos e devia dar uma lição a estes meias-lecas.
Austin Ruse é presidente do Catholic Family &
Human Rights Institute (C-FAM), sedeado em Nova Iorque e em Washington D.C.,
uma instituição de pesquisa que se concentra unicamente nas políticas sociais
internacionais. As opiniões aqui expressas são apenas as dele e não reflectem
necessariamente as políticas ou as posições da C-FAM.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Sexta-feira, 2 de Maio de 2014)
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Sexta-feira, 2 de Maio de 2014)
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The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.
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