Monday 26 March 2012

Havana e Religião: Se não os puderes vencer, junta-te a eles

Diana Espírito Santo com um curandeiro tradicional, em Cuba
Diana Espírito Santo é antropóloga Social e investigadora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Especialista em religião popular cubana, ela ajuda-nos a compreender como se vive a religiosidade num dos últimos países comunistas do mundo

Aqui deixo a transcrição integral da entrevista. Para ler a notícia clique aqui.


Como é que o povo cubano vive a religiosidade?
É um povo que, ao contrário daquilo que se pensa, tem uma religiosidade bastante aprofundada, que não desapareceu ao fim destes anos todos, e que por um lado é mal documentada e por outra continua a existir de uma maneira muito forte e muito popular.

Há números?
Só houve dois censos minimamente fiáveis. O primeiro foi em 1954 pela Agrupacion Católica Universitária e que mostrou 72,5% da população a declarar-se católica, em vários graus de compromisso; 19% declarou-se indiferente, 6% protestante e 1% espírita, o que deve incluir praticantes da religião afro-cubana.

Em 1988 foi o próximo e já mudou muito a estatística. Foi do Departamento de Estudos Socio-religiosos. 55,9% disse acreditar nalguma coisa de conteúdo mágico, mas que não pertence a nenhum grupo organizado; 13,6% dizem que são crentes em algo sobrenatural, em milagres, e 6,3% dizem que pertencem a um grupo especificamente religioso. Finalmente 13,8% são não-crentes e 10,4% não determinados. Mas este censo tem um problema, é que até bastante tarde nos anos 90 havia muito pouca possibilidade de se declarar religioso sem consequências. Não se podia ser praticante católico ou de religião afro-cubana e ao mesmo tempo ter-se acesso a muita coisa, como ser membro do partido, por exemplo, eram dificultadas as possibilidades de trabalho, de acesso à universidade, ou seja há um grande incentivo para não declarar, não havia instituições religiosas nessa altura.

E como tem sido a evolução da relação com a Igreja Católica?
Fidel Castro teve uma relação muito complicada com a Igreja Católica, no princípio da revolução houve vários passos dados pela Igreja que demonstravam uma certa aliança com os poderes neo-coloniais dessa altura, com a ditadura, e logo após a revolução, também. A Igreja foi instrumental em tirar do país uma série de crianças, na operação Peter Pan, derivada do medo instalado na Igreja de que o Regime ia mandar as crianças para campos de reeducação na União Soviética e que iam levar uma lavagem cerebral e ser separadas dos pais, que era a antítese do que se pretendia.

A Igreja demonstrou-se oposta aos ideais da revolução e Fidel consolidou esse antagonismo depois do fiasco da Baía dos Porcos, em que alguns dos que foram detidos, que tinham sido treinadas pela CIA, eram padres católicos. Castro, em 1961, tem uma viragem completa contra a Igreja, fecha seminários, invalida títulos de universidades católicas e deporta padres. Muitos dos padres nessa altura e foram expulsos, ou presos.

Freira católica em Cuba (Foto Diana Espírito Santo)
O que é que se passa para que haja a abertura nos anos 90?
É simplista dizer que foi só a queda do regime soviético, mas Cuba tinha uma dependência quase a 100% do Comecon e ficou completamente devastada, passou por uma época de crise chamada “o período especial”, que desencadeou uma série de outros fenómenos. As pessoas estavam sob enorme pressão e a religião tornou-se não só um ponto de escape espiritual e existencial, mas também de apoio económico e social.

Sobretudo entre as religiões afro-cubanas, as redes que sempre existiram forneciam uma espécie de família que era uma fonte de apoio e de comida, até.

Ao mesmo tempo abriu-se um bocado o país nessa altura, para turismo, para intercâmbios culturais. Fidel disse, em 91, que não havia opção se não abrir o país.

A partir daí as coisas começaram a progredir muito rapidamente. No congresso de 1992 do partido salientou-se que era preciso dar mais liberdade às pessoas de exprimirem-se, porque o projecto comunista de aniquilação das crenças religiosas não tinha resultado.

O Comunismo pensou que a crença religiosa era uma questão de falta de conhecimento, de educação, de recursos, e afinal não era. Ao fim de 30 anos de comunismo as pessoas estavam a praticar mais até do que antes do comunismo, então o regime decidiu aliar-se a isso e não opor-se. Isso foi das primeiras fortes mudanças de atitude.

Durante os anos 90 foi-se cultivando essa liberdade religiosa e em 98 quando veio o Papa João Paulo II foi a cristalização desse processo todo. Foi extraordinário, foi recebido por milhares de pessoas em Havana, foi recebido por Fidel Castro sem farda, um acto de reverência. Disse que não aprovava o embargo americano e por outro lado pediu ao regime que fosse mais tolerante com os religiosos, de toda a espécie. E Fidel prometeu que iria ser mais tolerante e mais flexível, e foi. Os anos 2000 foram completamente diferentes. 

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