Wednesday 8 January 2020

A Salvação vem dos Judeus

Francis X. Maier
Num artigo de opinião no “Wall Street Journal” de final de Novembro, William Galston escreveu que tem havido um aumento acentuado de antissemitismo na Europa Central e de Leste, desde 2015. Na Polónia, Ucrânia, Rússia e Hungria, onde em tempos viveu a maior parte dos judeus europeus, um grande número de pessoas sondadas revelou acreditar que os judeus têm demasiado poder no mundo dos negócios e dos mercados financeiros, que falam demasiado da Shoah [Holocausto] e exercem demasiado controlo sobre os assuntos globais.

O Holocausto é a maior catástrofe moral do Ocidente moderno. Mas é com demasiada facilidade que nos esquecemos das suas lições. “A criação do Estado de Israel” em 1948, escreve Galston, serviu de desculpa para a renovação da “antiga acusação de deslealdade judaica”. Hoje, novamente, as acusações de deslealdade são “uma presença constante da vida judaica” – e não apenas na Europa. Globalmente, 38% dos inquiridos por uma sondagem da Anti-Defamation League acreditam que os judeus são mais leais a Israel do que à nação onde vivem.

Na Europa Ocidental o crescimento de comunidades muçulmanas e o aumento da sua influência política agravaram o problema. A violência contra os judeus em França aumentou mais de 20% em anos recentes e o rabino-mor da Grã-Bretanha criticou publicamente o líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, pelo aumento do antissemitismo nas fileiras do seu partido, meros dias antes das mais recentes eleições. O ódio aos judeus não é um monopólio da direita populista na Europa. A esquerda progressista tem a sua própria variedade tóxica do mesmo veneno. 

No que diz respeito aos Estados Unidos, os americanos geralmente revelam baixos índices de antissemitismo. Mas mesmo por cá, 33% dos sondados acreditam que os judeus são mais leais a Israel do que ao país de que são cidadãos. E crimes de ódio, como o esfaqueamento de vários judeus que celebravam o Hannukah em Monsey, Nova Iorque, estão a tornar-se mais comuns.

O anti-judaísmo tem uma longa história na cultura cristã. Começa com as discussões iniciais na comunidade judaica sobre a identidade messiânica de Jesus e a teologia cristã que lhe sucede e procura substituir nos séculos seguintes. Mas foi o próprio Cristo – obviamente um judeu – que disse que “a salvação vem dos Judeus” (Jo. 4, 19-22) e o Cristianismo simplesmente não faz qualquer sentido sem as suas raízes judaicas. 

O Concílio Vaticano II procurou reformar e restaurar as relações entre a Igreja Católica e a comunidade judaica através de documentos como Nostra Aetate (“No Nosso Tempo”). E enquanto declaração da Igreja tratou-se de um ponto fulcral no diálogo entre cristãos e judeus, mantendo-se tão importante hoje como era em 1965, quando foi publicada. Mas palavras belas e boas ideias não têm força antes de tomarem forma numa vida que prova, pelos actos, que são verdadeiras. E desse ponto de vista, nada encarnou a recuperação das raízes judaicas do cristianismo de forma tão forte como a vida e a obra de Aaron Jean-Marie Lustiger.

Lustiger com o Papa João Paulo II
Lustiger nasceu em 1926 numa família de imigrantes judaicos da Polónia. O seu avô era rabino e os seus pais tinham uma chapelaria em Paris. Na sua vida familiar eram em larga medida seculares, mas ainda assim tiveram o cuidado de manter o Aaron afastado das celebrações e observâncias católicas em França. Contudo, aos 10 anos o rapaz encontrou um exemplar do Novo Testamento e leu-o em segredo, convertendo-se, contra a vontade dos seus chocados pais, aos 14 anos de idade.

Nunca abandonou o seu nome judaico. Acrescentou-lhe o nome cristão Jean-Marie no baptismo, mas nunca perdeu um intenso orgulho pela sua identidade judaica. Sobreviveu à II Guerra Mundial, escondido por uma família católica francesa. A sua mãe morreu em Auschwitz em 1942 e outros membros da sua família alargada perderam-se na Shoah. Mais tarde foi ordenado padre, serviu como capelão em universidades parisienses e eventualmente foi nomeado bispo de Orleans, vindo a tornar-se mais tarde cardeal arcebispo de Paris.

Lustiger tinha um forte intelecto – foi eleito para a Academia Francesa em 1995 –, uma energia inesgotável e um gosto excêntrico para as artes. Foi autor de uma quantidade prodigiosa de livros e conferências e tinha uma personalidade maior que a vida. Estar e falar com ele, como eu fiz em várias ocasiões, era uma experiência inesquecível, como entrevistar uma locomotiva deambulante.

Para ele eram especialmente importantes as oportunidades que teve, cada vez mais ao longo dos anos, de encontrar-se com líderes, ouvintes e estudantes judaicos. Nem sempre era fácil. Os judeus tendem a ver os convertidos ao cristianismo como apóstatas e repudiadores da comunidade. Lustiger respeitava este sentimento mas não deixou que o impedisse de procurar amizades e parceiros de diálogo na comunidade judaica. Mais para o fim da sua vida escreveu o seu próprio epitáfio, resumindo-se da seguinte maneira: “Nasci judeu. Recebi o nome do meu avô, Aaron. Tendo-me tornado cristão pela fé e pelo baptismo, permaneci judeu. Tal como os Apóstolos.”

Recordo Lustiger, que morreu em 2007, aos 80 anos, por esta simples razão: Ele compreendia que para os cristãos o antissemitismo/anti-judaísmo não é apenas um mal, mas uma forma particularmente grotesca de blasfémia e ódio por si mesmo; um ódio pelas nossas origens e raízes no Deus de Israel. Qualquer católico que procure aprofundar a sua fé e aprender a importância do judaísmo para os cristãos através das palavras deste cristão profundamente judeu e judeu profundamente cristão tem apenas que ler os seus livros “Choosing God, Chosen by God” e “A Promessa”. 

Como o próprio Lustiger não se cansava de dizer:

Uma das tragédias da civilização cristã é que se tornou ateia mas afirma permanecer cristã… A sorte reservada aos judeus é uma prova para saber se nós, enquanto pagãos cristianizados, aceitámos verdadeiramente Cristo. É verdadeiramente a prova final. Não se trata simplesmente de uma relação entre o amor pelo vizinho e o amor a Deus. O judeu permanece, de forma muito precisa, um sinal de Eleição e, por isso, de Cristo. Não reconhecer a Eleição dos judeus é não reconhecer a Eleição de Cristo. E é a incapacidade de reconhecer a nossa própria eleição. A lógica é implacável.

A única resposta apropriada é: Amen.


Francis X. Maier é conselheiro e assistente especial do arcebispo Charles Chaput há 23 anos. Antes serviu como Chefe de Redação do National Catholic Register, entre 1978-93 e secretário para as comunidades da Arquidiocese de Denver entre 1993-96.


(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Quarta-feira, 8 de janeiro de 2020)

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