Uma das maiores tragédias da última década tem sido a
guerra civil na Síria, uma realidade que apenas é agravada pelo facto de, ao
que tudo indica, a guerra ter servido para absolutamente nada, para além de
enriquecer os traficantes de armas e dar à Rússia ainda mais influência na região. Este
ano, acredito, a guerra pode finalmente chegar ao fim.
Quando os protestos da “Primavera Árabe” varreram o Médio
Oriente em 2011 assistimos a tudo com um misto de apreensão e esperança. A queda
do regime na Tunísia e no Egipto foram boas notícias, embora só o primeiro caso,
onde o movimento começou, tenha comprovado ter pernas para andar. No Egipto a
democracia levou à vitória da Irmandade Islâmica, uma péssima notícia, sobretudo
para a grande comunidade cristã.
Mas quando começaram protestos na Síria eu, pelo menos,
não reagi com esperança alguma, só com medo. A Síria era uma realidade muito
instável. Um regime férreo, mas secular, onde não existia liberdade mas pelo
menos as minorias religiosas estavam a salvo de perseguição e se vivia em paz e
segurança. Dominado pela minoria xiita (alauita) o Governo tinha todo o
interesse em manter os grupos sunitas fundamentalistas à distância. Não o
regime ideal mas, tendo em conta o contexto regional, do melhorzinho que se
podia arranjar.
Mal os protestos – e a resposta do Governo – se tornaram
violentos temi o pior e o medo só se agravou com o entusiasmado apoio que os
países ocidentais começaram a dar a uma oposição que muito previsivelmente se deixou
dominar por grupos jihadistas.
Seguiram-se nove anos de terror, com o expoente máximo no
Estado Islâmico, até que a Rússia entrou em cena para dar ao regime o apoio
necessário para finalmente começar a recuperar o país, cidade a cidade, quilómetro
a quilómetro. Os russos bem podem agradecer a Barack Obama por esse brinde que lhes deu ao ameaçar invadir
No seu auge havia quatro grandes fações na guerra. O regime,
que contava com o apoio das minorias religiosas e de muitos sunitas também, sobretudo
nos grandes centros urbanos; o Estado Islâmico, uma força niilista que espalhou
sofrimento e morte por todo o lado e conseguiu avanços impressionantes em pouco
tempo, lançando o terror nas almas das suas vítimas; a dita oposição “moderada”,
que de moderada só tem o facto de não ser tão niilista como o Estado Islâmico,
porque era igualmente dada a decapitações e ao fundamentalismo islâmico e, no
nordeste do país, a região autónoma constituída por curdos, árabes, cristãos
siríacos/assírios e outras minorias étnicas e religiosas.
Este último grupo era particularmente interessante. Com
um projeto verdadeiramente democrático, que apostava em realçar, proteger e
preservar as identidades de cada grupo, promovendo a colaboração, ao contrário
do que faz o Governo que tenta impor uma identidade comum. Esta região
conseguiu obter o apoio do ocidente na sua luta contra o Estado Islâmico, tendo
sido as suas Forças Democráticas da Síria as principais responsáveis por
derrotar militarmente o grupo terrorista. Infelizmente, e depois de tudo isto,
foram traídos pela decisão de Donald Trump de retirar e viram-se invadidos pela
Turquia. Para evitar um genocídio fizeram um acordo com o regime e, assim, o
projecto democrático parece agora uma utopia.
Entretanto o regime foi chegando a acordo com os
diferentes grupos de rebeldes que, vendo-se em situações impossíveis, optavam
por ser retiradas das suas zonas e enviadas para a região de Idlib, junto da
fronteira com a Turquia, que sempre as protegeu e apoiou. Até que aos rebeldes
já só restava mesmo a região de Idlib.
O último ano tem visto o regime sírio, sempre com o apoio
da Rússia, a avançar lentamente sobre Idlib. De vez em quando são anunciados cessar-fogo,
mas duram sempre pouco tempo e os militares do regime retomam a sua rotina de
bombardeamento.
A situação em Idlib torna-se insustentável. O regime não
tem qualquer motivação para negociar, nada a ganhar em adiar a conquista final
e sabe que enquanto Moscovo permanecer com ele tem as costas quentes.
Já recomeçaram as ondas de refugiados de Idlib para a
Turquia, que com o apoio que tem dado aos rebeldes só tem que se culpar a si
mesma pela situação. Quando Idlib for recuperada pelo regime o país pode
começar a ser reconstruído. Goste-se ou não de Assad, parece evidente que este
é o melhor caminho para o futuro da Síria.
Na melhor das hipóteses, reestabelecida a paz, poderá
haver algumas cedências por parte do regime, nomeadamente para os grupos étnicos
e religiosos minoritários, especialmente no nordeste, mas até isso parece
difícil agora que perderam os seus maiores aliados.
Milhares de mortes, cidades inteiras destruídas, relações
entre comunidades envenenadas, uma geração perdida, tudo por nada. É essa a
realidade da Síria. Que venha rapidamente a paz para pôr fim a esta loucura.
Que tristeza, e que revolta. O meu filho e a minha nora, recém-casados, partiram para Lesbos onde trabalharam como voluntários, durante meses, junto de milhares de crianças e famílias refugiadas que se acumulam nesta minúscula ponta da Europa, em condições sub-humanas. Não há palavras para o horror e o desespero. Por vezes uma imagem (a minha nora olhando para os milhares de coletes salva-vidas daqueles que chegam), e uma música (do meu filho, pensando em tantos que por vezes nem chegam), podem dizer mais do que tudo o resto...
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