Randall Smith |
Muitos jovens adultos na nossa
sociedade são essencialmente fideístas. Pensam que basta “aceitar as coisas
pela fé”, o que nas suas cabeças significa sem razão ou raciocínio inteligente.
Lendo São Tomás de Aquino, sobretudo as suas provas para a existência de Deus,
percebem rapidamente – e nalguns casos pela primeira vez – que se pode abordar
as questões teológicas com a razão e o intelecto.
Mas devo admitir que mesmo os
alunos que aceitam a validade destes argumentos nem sempre os acham
convincentes. Para alguns deles, o problema está no facto de não acreditarem na
lógica. A lógica, pensam eles, não passa de jogos de palavras, ou então acham
que é um jogo de poder patriarcal. Mas para alguns há ainda outra razão para
não acharem as provas convincentes, e é importante compreender porquê.
O problema com as “provas” não
está naquilo que comprovam, mas no que fica por provar. Porque quando os meus
excelentes e interessados alunos perguntam sobre “Deus” não estão a perguntar
sobre o “primeiro motor imóvel” ou sobre a “Fonte de Todo o Ser”. O que querem
mesmo saber é se alguém se interessa; se existe alguém que olha por eles e que
estará presente se tudo o resto falhar; se existe uma base última para o
sentido. E o “primeiro motor imóvel” simplesmente não satisfaz essas dúvidas.
Como se vê pelo argumento de
Aristóteles do Motor Imóvel, pode haver um Motor Imóvel que não nos ama, nem se
preocupa connosco. O Deus cristão, por outro lado, é a fonte do ser de tudo, e
não apenas uma outra “coisa” ou “pessoa” poderosa no mundo, como Zeus ou
Apollo, mas é também pessoal e capaz de amar, como Zeus e Apollo, mas ao
contrário do Motor Imóvel de Aristóteles.
Ainda que os antigos tivessem
razão ao dizer que o mundo é um cosmos ordenado, isso não significa que nele
exista amor altruísta. Os antigos, aliás, pensavam que não existia. É por isso
que eu digo sempre aos meus alunos que a pergunta que devem colocar não é se
acreditam em “Deus”, mas se acreditam no amor. Porque se não forem capazes de
acreditar no amor altruísta e providencial, jamais serão capazes de acreditar
no “Deus” judaico-cristão, que tem como característica central o amor e o
cuidado providencial.
O problema é este: como é que
se comprova a existência do amor – que existe, que tem sentido e que vale a
pena – a pessoas que não acreditam nele?
Recentemente estava eu na
missa a ouvir uma daquelas estranhas histórias do Antigo Testamento e a pensar
se alguma pessoa sensata poderia acreditar em todas estas coisas de Deus,
quando reparei num pai a fazer caretas para o seu filho bebé.
Há algo de maravilhoso em ver
pais com os seus filhos na missa. Mães e pais seguram nos seus bebés e
beijam-nos docemente, fazem-lhes festinhas no cabelo e olham-nos directamente
nos olhos com amor. Os pais levam os seus filhos consigo para a Comunhão e
ensinam-nos a ajoelharem-se respeitosamente e a receber uma bênção do padre, às
vezes com orgulho, outras com timidez.
Isto é amor. De onde vem esse
amor? Como é que existe? É verdadeiro, mas ao mesmo tempo misterioso.
Sempre que um ateu
comprometido pratica um acto de amor altruísta está, por assim dizer, a assumir
que também ele acredita que o universo é mais do que apenas átomos a chocar uns
contra os outros e que uma vida plena e com sentido implica mais do que apenas
a vontade do poder e a maximização das preferências.
Não são apenas os cristãos que
pensam que o amor é a força mais essencial e com sentido do universo. Muitos
outros acreditam no mesmo. A questão é que muitos abraçam visões do universo em
que esse amor não encaixa, enquanto o Cristianismo defende uma narrativa do
mundo em que faz sentido.
O que é estranho naquilo a que
chamamos o “Mistério Pascal” – o que o torna de facto misterioso – é a
afirmação de que o Deus-Criador nos amou de tal forma que se fez carne, morreu
por nós e ressuscitou dos mortos. Se, nas palavras de Hans Urs von Balthasar,
“só o amor é digno de fé”, então como é que Deus se nos poderia revelar – não
como um outro Zeus ou outra espécie de Motor Imóvel, mas como o Deus do amor
altruísta – se não dando-se totalmente em amor altruísta?
Sem os eventos da Semana
Santa, poderíamos acreditar num “deus”, mas não no Deus que, como escreveu
Bento XVI, “criou o universo para poder entrar numa história de amor com a
humanidade”. E sem esse amor, como saberíamos, como suspeitaríamos, sequer, que
“o universo não é o produto da escuridão e da irracionalidade”?
Porque, como escreve ainda
Bento XVI, “só se for verdade que o universo deriva da liberdade, do amor e da
razão, e que são estes os verdadeiros poderes que estão na sua base, é que
podemos confiar uns nos outros, avançar para o futuro e viver como seres
humanos”.
É bastante fácil acreditar num “deus” – um deus de poder –, mas num Deus-Criador de amor altruísta? É, sem dúvida, “misterioso”. Mas talvez, no final de contas, essa seja a única coisa que possa dar sentido a um mundo em que o amor existe.
Randall Smith é professor de
teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez
em The
Catholic Thing na terça-feira, 4 de Abril de 2023)
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