Wednesday, 5 April 2023

Provas para a Existência de Deus

Randall Smith

Já por algumas vezes apresentei aos meus alunos as famosas provas para a existência de Deus. Muitos ficam surpreendidos por saber que é possível abordar a questão de Deus com a razão e com pensamento sério, e não apenas com “sentimentos” ou sacrificando todo o pensamento racional em favor de acreditar “em seis coisas impossíveis antes do pequeno-almoço, todas as manhãs”, como a Rainha Branca diz a Alice no País das Maravilhas.

Muitos jovens adultos na nossa sociedade são essencialmente fideístas. Pensam que basta “aceitar as coisas pela fé”, o que nas suas cabeças significa sem razão ou raciocínio inteligente. Lendo São Tomás de Aquino, sobretudo as suas provas para a existência de Deus, percebem rapidamente – e nalguns casos pela primeira vez – que se pode abordar as questões teológicas com a razão e o intelecto.

Mas devo admitir que mesmo os alunos que aceitam a validade destes argumentos nem sempre os acham convincentes. Para alguns deles, o problema está no facto de não acreditarem na lógica. A lógica, pensam eles, não passa de jogos de palavras, ou então acham que é um jogo de poder patriarcal. Mas para alguns há ainda outra razão para não acharem as provas convincentes, e é importante compreender porquê.

O problema com as “provas” não está naquilo que comprovam, mas no que fica por provar. Porque quando os meus excelentes e interessados alunos perguntam sobre “Deus” não estão a perguntar sobre o “primeiro motor imóvel” ou sobre a “Fonte de Todo o Ser”. O que querem mesmo saber é se alguém se interessa; se existe alguém que olha por eles e que estará presente se tudo o resto falhar; se existe uma base última para o sentido. E o “primeiro motor imóvel” simplesmente não satisfaz essas dúvidas. 

Como se vê pelo argumento de Aristóteles do Motor Imóvel, pode haver um Motor Imóvel que não nos ama, nem se preocupa connosco. O Deus cristão, por outro lado, é a fonte do ser de tudo, e não apenas uma outra “coisa” ou “pessoa” poderosa no mundo, como Zeus ou Apollo, mas é também pessoal e capaz de amar, como Zeus e Apollo, mas ao contrário do Motor Imóvel de Aristóteles.

Ainda que os antigos tivessem razão ao dizer que o mundo é um cosmos ordenado, isso não significa que nele exista amor altruísta. Os antigos, aliás, pensavam que não existia. É por isso que eu digo sempre aos meus alunos que a pergunta que devem colocar não é se acreditam em “Deus”, mas se acreditam no amor. Porque se não forem capazes de acreditar no amor altruísta e providencial, jamais serão capazes de acreditar no “Deus” judaico-cristão, que tem como característica central o amor e o cuidado providencial.

O problema é este: como é que se comprova a existência do amor – que existe, que tem sentido e que vale a pena – a pessoas que não acreditam nele?

Recentemente estava eu na missa a ouvir uma daquelas estranhas histórias do Antigo Testamento e a pensar se alguma pessoa sensata poderia acreditar em todas estas coisas de Deus, quando reparei num pai a fazer caretas para o seu filho bebé.

Há algo de maravilhoso em ver pais com os seus filhos na missa. Mães e pais seguram nos seus bebés e beijam-nos docemente, fazem-lhes festinhas no cabelo e olham-nos directamente nos olhos com amor. Os pais levam os seus filhos consigo para a Comunhão e ensinam-nos a ajoelharem-se respeitosamente e a receber uma bênção do padre, às vezes com orgulho, outras com timidez.

Isto é amor. De onde vem esse amor? Como é que existe? É verdadeiro, mas ao mesmo tempo misterioso.

E não é apenas na Missa. Há pelo menos uma passagem no filme “O Amor Acontece” que traduz uma grande verdade: quando vemos pessoas a cumprimentar amigos e familiares no aeroporto e isso leva-nos a acreditar que o amor existe mesmo e que está mesmo em todo o lado. E se por um instante nos pudermos convencer de que o amor existe, então pode ser que algum dia pensemos: como? Porque na concepção que os ateus modernos têm do universo, não parece haver espaço para ele.

Sempre que um ateu comprometido pratica um acto de amor altruísta está, por assim dizer, a assumir que também ele acredita que o universo é mais do que apenas átomos a chocar uns contra os outros e que uma vida plena e com sentido implica mais do que apenas a vontade do poder e a maximização das preferências.

Não são apenas os cristãos que pensam que o amor é a força mais essencial e com sentido do universo. Muitos outros acreditam no mesmo. A questão é que muitos abraçam visões do universo em que esse amor não encaixa, enquanto o Cristianismo defende uma narrativa do mundo em que faz sentido.

O que é estranho naquilo a que chamamos o “Mistério Pascal” – o que o torna de facto misterioso – é a afirmação de que o Deus-Criador nos amou de tal forma que se fez carne, morreu por nós e ressuscitou dos mortos. Se, nas palavras de Hans Urs von Balthasar, “só o amor é digno de fé”, então como é que Deus se nos poderia revelar – não como um outro Zeus ou outra espécie de Motor Imóvel, mas como o Deus do amor altruísta – se não dando-se totalmente em amor altruísta?

Sem os eventos da Semana Santa, poderíamos acreditar num “deus”, mas não no Deus que, como escreveu Bento XVI, “criou o universo para poder entrar numa história de amor com a humanidade”. E sem esse amor, como saberíamos, como suspeitaríamos, sequer, que “o universo não é o produto da escuridão e da irracionalidade”?

Porque, como escreve ainda Bento XVI, “só se for verdade que o universo deriva da liberdade, do amor e da razão, e que são estes os verdadeiros poderes que estão na sua base, é que podemos confiar uns nos outros, avançar para o futuro e viver como seres humanos”.

É bastante fácil acreditar num “deus” – um deus de poder –, mas num Deus-Criador de amor altruísta? É, sem dúvida, “misterioso”. Mas talvez, no final de contas, essa seja a única coisa que possa dar sentido a um mundo em que o amor existe.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 4 de Abril de 2023)

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