Wednesday 26 April 2023

Os Votos da Minha Liberdade

Peter Laffin

Cerca de uma hora antes do meu casamento aconteceu uma coisa impressionante. Um dos meus padrinhos levou-me a mim e a outro padrinho para uma sala vazia da casa onde nos estávamos a arranjar. Depois, estendeu as mãos, inclinou a cabeça e conduziu-nos em oração. Era, e é, um grande amigo, mas era a primeira vez que eu o via a rezar. A voz deste evangélico não praticante tremeu com doce incerteza enquanto invocou sobre nós a bênção de Deus. Foi um momento inesquecível.

Rezámos o Pai Nosso e fomos para o carro que nos levaria até à Igreja. Sentei-me no lugar do passageiro e observei as quintas e os campos a passar debaixo de um céu prateado. A enormidade dessa viagem – a última da minha vida de solteiro – incendiou as cores desta zona rural de Nova Inglaterra.

Ocorreu-me então que eu era total e completamente livre. Foi uma sensação peculiar e estranha, uma vez que se tratava do oposto daquilo que a cultura me tinha condicionado a esperar deste momento. Como noivo a caminho do altar, era suposto estar apreensivo com a perspectiva de perder a minha “liberdade”. Mas enquanto estava a ser conduzido rumo à ocasião do meu cativeiro matrimonial – no qual me seria colocada a “corda ao pescoço” – tudo o que sentia era a mais pura das libertações.

Tendo sido criado na América nos finais do século XX, tinha sido sobretudo influenciado pela interpretação secular-liberal da palavra “liberdade”, que mais do que ser diferente do entendimento católico, é mesmo antitético. Costumamos brincar, dizendo que os nossos irmãos seculares e liberais falam uma língua diferente da nossa. Mas olhando mais de perto, vemos que é mesmo isso que acontece, até quando usamos exactamente as mesmas palavras.

Há um exemplo famoso deste fenómeno perto do final do maior dos romances de Evelyn Waugh, Reviver o Passado em Brideshead. O narrador, um artista agnóstico chamado Charles Ryder, escarnece da ideia de se ter chamado um padre para visitar o Lord Marchmain, que está moribundo. “Não o podem sequer deixar morrer em paz?”. Julia, a filha de Marchmain, com quem Ryder tem estado a ter um caso adúltero, responde de forma triste: “Eles querem dizer algo tão diferente com a palavra paz”. A visão secular de “paz”, expressada por Ryder, significa pouco mais do que não ser maçado. Mas, para os católicos, “paz” é um estado objectivo, e não uma emoção fugaz.

Há muitos outros exemplos. Mas talvez a maior das divisões seja precisamente sobre o significado da palavra “liberdade”. De acordo com a interpretação secular-liberal, ser livre significa ter o máximo de opções e mínimo de responsabilidade pessoal. Assim, a liberdade conquista-se escapando dos confins da vida normal imposta pela necessidade de ganhar dinheiro para suportar uma família. Só aí é que se torna possível dedicar tempo e energia a objectivos ostensivamente mais satisfatórios.

Esta é a visão firmemente proposta pela comediante progressista Chelsea Handler num vídeo recentemente lançado e que se tornou viral nas redes sociais. O sketch de cerca de dois minutos detalha um dia na vida de uma mulher sem filhos cuja “liberdade” assenta em não ter miúdos para levar para a escola, ou para controlar no supermercado. Assim, a personagem de Handler é “livre” de dormir até ao meio-dia, drogar-se, ter sexo com estranhos e “meditar”.

Seria difícil, ou mesmo impossível, exprimir de forma mais concisa o contrário daquilo que é o entendimento católico de liberdade.

Isso é porque, ao contrário do que pensa a mente moderna, o conceito católico de liberdade consiste em assumir cada vez mais responsabilidade, e não em fugir dela. Na visão secular, a liberdade perfeita encontra-se algures numa ilha tropical remota onde pessoas “livres” bebem cocktails chiques até ao final dos tempos.

Em contraste, para os católicos, a verdadeira liberdade encontra-se nas ruas de Calcutá, onde Missionárias da Caridade dão-se inteira e livremente às almas mais pobres da terra. Escusado será dizer que a diferença é significativa.

Não é que haja qualquer problema em um católico apreciar cocktails numa ilha deserta, mas isso podem ser férias católicas, nunca uma vida católica. E não é porque os católicos são uns chatos, mas porque eles ficariam aborrecidos até à morte com esse tipo de vida. Onde não existe responsabilidade não existe liberdade para perseguir os aspectos mais significativos da vida.

A vida interior de um católico comprometido – um que se submeteu heroicamente à aventura da santificação – é uma montanha russa para a alma.

A vida hedonística, pelo contrário, em que não existe outro propósito para além da satisfação própria, parece-nos triste e vazia. Mais uma ilusão do que uma vida.

Em retrospectiva, a razão pela qual me senti tão livre a caminho do meu casamento é evidente: Ao escolher dar-me completamente (e de forma impensada), estava a experimentar as emoções próprias de uma grande aventura. A viagem seria desafiadora – o meu director espiritual, o padre Peter Mussett, de Boulder, Colorado, assegurou-me várias vezes de que o casamento exigiria tudo de mim.

Mas isso só tornou a perspectiva mais atraente. Eu queria dar tudo para algo maior do que eu, porque queria ser livre. Talvez o desejo mais natural do ser humano seja o de se doar totalmente em amor. Qualquer coisa menos que isso é uma frustração para a alma.

Eis a grande verdade da Cruz, que, em tempos modernos, se tornou um segredo tragicamente escondido: que a nossa liberdade está directamente relacionada com o quanto nos oferecemos.

A qualquer jovem que esteja em busca da verdadeira liberdade e que tenha ouvidos para ouvir, que os vossos anciãos católicos falem com uma só voz: Para ser livre, encontrem alguém a quem possam amar com todo o coração e que seja capaz de vos amar de volta. E quando o tiverem feito, esvaziem-se de forma impensada, dêem tudo o que tiverem pelo casamento e pela família, ou pela vocação, e verão que miraculosamente a vossa taça transbordará para sempre.

Não faz qualquer sentido, mas não é suposto. É só suposto ser verdade. E é. E libertar-vos-á.


Peter Laffin escreve de New England. O seu trabalho mais recente encontra-se no The Catholic Thing, The Washington Examiner, e The National Catholic Register.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Quarta-feira, 19 de Abril de 2023)

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1 comment:

  1. Bernardo Vidal Pimentel1 May 2023 at 02:53

    Como homem noivo e futuro casado, é profundamente libertador do meu dia-a-dia acorrentado ler preciosidades destas. Obrigado.

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