Tenho o privilégio de leccionar
a cadeira de Justiça Social Católica. Agradeço que não me escrevam para se
queixar.Randall Smith
Lamentavelmente, há quem tenha
reduzido a visão alargada e abrangente da tradição de justiça social da Igreja
a pouco mais do que uma preocupação com “sistemas”, “estruturas” e “acção
governamental”. Mas eu não tenho culpa disso, e a Igreja certamente também não.
Esta reductio ad absurdum é uma triste corrupção da majestosa visão
moral desenvolvida ao longo de séculos por algumas das maiores mentes da
Igreja.
E note-se que a reflexão da
Igreja sobre os princípios e requisitos da “justiça natural” não começou apenas
com o Papa Leão XIII e a Rerum Novarum. A preocupação com o bem comum,
sobretudo com as necessidades dos pobres, sempre marcou a Igreja. Dizer o
contrário implica desconhecer – e contradizer – séculos de pensamento político
cristão.
Dito isso, há duas confusões
que infelizmente costumam marcar as conversas sobre a “justiça social”
católica. Em primeiro lugar, para além de associar “justiça social” apenas a “sistemas”
e “estruturas”, os activistas de justiça social tendem a esquecer-se que não
existe justiça “social” se não formarmos uma massa crítica de cidadãos nas
virtudes da justiça e da preocupação com o bem comum. O “sistema” é composto
por pessoas, e se as pessoas não têm virtude, então não existe forma de o
“sistema” ser justo.
Por isso, por exemplo, todas
as universidades que se consideram centros de “justiça social” deviam ser
avisadas de que se aquilo que as anima são os princípios modernos de autodeterminação
e individualismo, então estão a falhar com o compromisso de preparar os alunos
para um compromisso com a justiça social e o bem comum. Se pensam o contrário,
estão a enganar-se a si mesmos.
Infelizmente, muitas das
universidades católicas de “topo”, com as suas propinas altíssimas, gabinetes
de direcção forrados a madeiras caras, associações de ex-alunos de luxo e
complexos desportivos milionários estão a deixar-se levar por esta mentira: de
que podem treinar os seus alunos a serem individualistas mas, ao mesmo tempo,
manter viva a sua devoção morna à “justiça social” e “preocupação pelos
pobres”.
O segundo erro, igualmente lamentável,
está em não perceber que na base de qualquer possibilidade de “justiça social” têm
de estar famílias fortes e estáveis, que possam ser viveiros de virtude. Este
erro é particularmente grave na medida em que a família ocupa um lugar
proeminente em todos os grandes documentos sobre justiça social.
Na Constituição Pastoral do Concílio
Vaticano Segundo sobre a Igreja no Mundo Moderno (Gaudium et Spes), o
primeiríssimo “problema mais urgente” que é abordado é a “Promoção da Dignidade
do Matrimónio e da Família”. No Compendio da Doutrina Social da Igreja, depois
de elencar alguns princípios gerais (“dignidade da pessoa humana”, “bem comum”
e “subsidiariedade”), a primeira secção, antes ainda do “Trabalho”, “Vida
Económica” e “A Comunidade Política” é “A Família, Célula Vital da Sociedade”.
Como se vê nestes documentos,
e como João Paulo II repetiu incessantemente, é na família que aprendemos a fé
e desenvolvemos as virtudes. É na família que aprendemos a cuidar de outros, e
não apenas de nós mesmos. Sem famílias fortes não conseguimos ter comunidades
fortes caracterizadas por preocupação mútua pelo bem comum, tal como não
podemos ter um corpo saudável quando as nossas células estão cheias de químicos
tóxicos.
E é por esta razão que me faz
tanta confusão ouvir pessoas como o cardeal McElroy e os bispos dedicados ao
“Caminho Sinodal” alemão. Quem é que imagina que se pode minar os ensinamentos
centrais e fundacionais da Igreja sobre o casamento e a família e, ao mesmo
tempo, apoiar a “justiça social Católica”?
No mínimo, seria de esperar
que um clero que está farto de levar porrada por causa de um escândalo de
abusos sexuais que já dura há décadas, quereria dedicar-se a qualquer outro
assunto do que a promoção de atitudes menos restritivas para com a sexualidade.
É um pouco como ver o Jeffrey Epstein a fazer campanha para baixar a idade de
consentimento para sexo com raparigas para tentar evitar uma condenação. É
mesmo este o caminho que querem seguir?
Talvez se aplique a estes
funcionários eclesiásticos um termo que era muito popular entre socialistas do
Século XVIII: são completamente burgueses. Quem é que passa muito tempo a
preocupar-se com a sua psicologia sexual? Ou com a ordenação de mulheres? Ou pensando,
num exercício de umbiguismo, nas “estruturas de Governo” na Igreja?
Não são os pobres. Esses estão
demasiado preocupados a tentar alimentar corpo e alma, e a ganhar dinheiro para
suportar as suas famílias por mais um dia. Não, estas são obsessões típicas de
intelectuais burgueses que acotovelam toda a gente para tentar maximizar os
seus próprios interesses e para apoiar as identidades autocriadas de pessoas
que partilham o seu estilo de vida. Acham que governam por direito divino e não
são particularmente tolerantes de quem os desafia.
É verdade que o episcopado
alemão tem uma longa tradição de, salvo algumas honrosas excepções, alinhar e
conviver com as forças dominantes da sociedade e política alemã. Mas como será com a Igreja americana? Qual
quer a nossa resposta? Escolas para as famílias dos operários pobres? Ou
escolas para pais burgueses de classe média-alta cuja principal preocupação são
casas de banho para transgéneros?
Esforços incansáveis para
apoiar casamentos e famílias com crianças, sobretudo crianças com deficiências,
que a cultura preferia que fossem abortadas? Ou uma fuga envergonhada a todos
esses assuntos “impopulares”, preferindo os que interessam mais à elite
burguesa que detém o dinheiro e o poder?
Já sabemos para que lado
pendem a maioria das universidades católicas. São poucas as que estão dispostas
a ofender quem tem dinheiro, poder ou prestígio, em favor do operariado pobre.
Mas, e o resto da Igreja? Sobretudo aqueles que devem ser os sucessores de
Pedro? Como será? Cristo ou o zeitgeist?
Randall Smith é professor de
teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez em The
Catholic Thing na terça-feira, 21 de Março de 2023)
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