Wednesday, 12 April 2023

Alimentando os caprichos de uma elite burguesa

Randall Smith
Tenho o privilégio de leccionar a cadeira de Justiça Social Católica. Agradeço que não me escrevam para se queixar.

Lamentavelmente, há quem tenha reduzido a visão alargada e abrangente da tradição de justiça social da Igreja a pouco mais do que uma preocupação com “sistemas”, “estruturas” e “acção governamental”. Mas eu não tenho culpa disso, e a Igreja certamente também não. Esta reductio ad absurdum é uma triste corrupção da majestosa visão moral desenvolvida ao longo de séculos por algumas das maiores mentes da Igreja.

E note-se que a reflexão da Igreja sobre os princípios e requisitos da “justiça natural” não começou apenas com o Papa Leão XIII e a Rerum Novarum. A preocupação com o bem comum, sobretudo com as necessidades dos pobres, sempre marcou a Igreja. Dizer o contrário implica desconhecer – e contradizer – séculos de pensamento político cristão. 

Dito isso, há duas confusões que infelizmente costumam marcar as conversas sobre a “justiça social” católica. Em primeiro lugar, para além de associar “justiça social” apenas a “sistemas” e “estruturas”, os activistas de justiça social tendem a esquecer-se que não existe justiça “social” se não formarmos uma massa crítica de cidadãos nas virtudes da justiça e da preocupação com o bem comum. O “sistema” é composto por pessoas, e se as pessoas não têm virtude, então não existe forma de o “sistema” ser justo.

Por isso, por exemplo, todas as universidades que se consideram centros de “justiça social” deviam ser avisadas de que se aquilo que as anima são os princípios modernos de autodeterminação e individualismo, então estão a falhar com o compromisso de preparar os alunos para um compromisso com a justiça social e o bem comum. Se pensam o contrário, estão a enganar-se a si mesmos.

Infelizmente, muitas das universidades católicas de “topo”, com as suas propinas altíssimas, gabinetes de direcção forrados a madeiras caras, associações de ex-alunos de luxo e complexos desportivos milionários estão a deixar-se levar por esta mentira: de que podem treinar os seus alunos a serem individualistas mas, ao mesmo tempo, manter viva a sua devoção morna à “justiça social” e “preocupação pelos pobres”. 

O segundo erro, igualmente lamentável, está em não perceber que na base de qualquer possibilidade de “justiça social” têm de estar famílias fortes e estáveis, que possam ser viveiros de virtude. Este erro é particularmente grave na medida em que a família ocupa um lugar proeminente em todos os grandes documentos sobre justiça social.

Na Constituição Pastoral do Concílio Vaticano Segundo sobre a Igreja no Mundo Moderno (Gaudium et Spes), o primeiríssimo “problema mais urgente” que é abordado é a “Promoção da Dignidade do Matrimónio e da Família”. No Compendio da Doutrina Social da Igreja, depois de elencar alguns princípios gerais (“dignidade da pessoa humana”, “bem comum” e “subsidiariedade”), a primeira secção, antes ainda do “Trabalho”, “Vida Económica” e “A Comunidade Política” é “A Família, Célula Vital da Sociedade”.

Como se vê nestes documentos, e como João Paulo II repetiu incessantemente, é na família que aprendemos a fé e desenvolvemos as virtudes. É na família que aprendemos a cuidar de outros, e não apenas de nós mesmos. Sem famílias fortes não conseguimos ter comunidades fortes caracterizadas por preocupação mútua pelo bem comum, tal como não podemos ter um corpo saudável quando as nossas células estão cheias de químicos tóxicos.

E é por esta razão que me faz tanta confusão ouvir pessoas como o cardeal McElroy e os bispos dedicados ao “Caminho Sinodal” alemão. Quem é que imagina que se pode minar os ensinamentos centrais e fundacionais da Igreja sobre o casamento e a família e, ao mesmo tempo, apoiar a “justiça social Católica”?

Será que pensam que nos podemos submeter ao zeitgeist (o espírito do tempo) individualista e, ainda assim, preservar a preocupação social pelos pobres e pelo bem comum? Será que quando jogam Jenga também puxam as peças da base sem esperar que a coluna inteira se desmorone?

No mínimo, seria de esperar que um clero que está farto de levar porrada por causa de um escândalo de abusos sexuais que já dura há décadas, quereria dedicar-se a qualquer outro assunto do que a promoção de atitudes menos restritivas para com a sexualidade. É um pouco como ver o Jeffrey Epstein a fazer campanha para baixar a idade de consentimento para sexo com raparigas para tentar evitar uma condenação. É mesmo este o caminho que querem seguir?

Talvez se aplique a estes funcionários eclesiásticos um termo que era muito popular entre socialistas do Século XVIII: são completamente burgueses. Quem é que passa muito tempo a preocupar-se com a sua psicologia sexual? Ou com a ordenação de mulheres? Ou pensando, num exercício de umbiguismo, nas “estruturas de Governo” na Igreja?

Não são os pobres. Esses estão demasiado preocupados a tentar alimentar corpo e alma, e a ganhar dinheiro para suportar as suas famílias por mais um dia. Não, estas são obsessões típicas de intelectuais burgueses que acotovelam toda a gente para tentar maximizar os seus próprios interesses e para apoiar as identidades autocriadas de pessoas que partilham o seu estilo de vida. Acham que governam por direito divino e não são particularmente tolerantes de quem os desafia.

É verdade que o episcopado alemão tem uma longa tradição de, salvo algumas honrosas excepções, alinhar e conviver com as forças dominantes da sociedade e política alemã.  Mas como será com a Igreja americana? Qual quer a nossa resposta? Escolas para as famílias dos operários pobres? Ou escolas para pais burgueses de classe média-alta cuja principal preocupação são casas de banho para transgéneros?

Esforços incansáveis para apoiar casamentos e famílias com crianças, sobretudo crianças com deficiências, que a cultura preferia que fossem abortadas? Ou uma fuga envergonhada a todos esses assuntos “impopulares”, preferindo os que interessam mais à elite burguesa que detém o dinheiro e o poder?

Já sabemos para que lado pendem a maioria das universidades católicas. São poucas as que estão dispostas a ofender quem tem dinheiro, poder ou prestígio, em favor do operariado pobre. Mas, e o resto da Igreja? Sobretudo aqueles que devem ser os sucessores de Pedro? Como será? Cristo ou o zeitgeist?



Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 21 de Março de 2023)

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