Wednesday 19 April 2023

O Catolicismo Bizantino e a Luta pela Ucrânia

Robert W. Shaffen

O apoio dos americanos à resistência ucraniana à invasão de 24 de Fevereiro de 2022 parece estar a esmorecer. Embora a Administração de Biden não tenha feito qualquer promessa de envio de soldados americanos para a Ucrânia, muitos comentadores e candidatos políticos supostamente conservadores têm criticado o que consideram ser um compromisso aberto para com a causa ucraniana e o envio continuado de carregamentos de sistemas de armas americanos e munições para o exército ucraniano. Entretanto há factores tácticos, estratégicos e espirituais em jogo, como a existência do Catolicismo Oriental.

Os críticos dão muitas razões para descontinuar o apoio militar americano. Em primeiro lugar, argumentam, a Ucrânia não é uma democracia comparável à dos Estados Unidos. O seu Governo é corrupto, e por isso não merecedor do apoio americano. Em segundo lugar, as contribuições de armas e de munições enfraquecem a capacidade dos Estados Unidos se defenderem em caso de um ataque inimigo. Em terceiro lugar, alguns comentadores, como Sohrab Ahmari, acreditam que o preço do apoio americano será a introdução na Ucrânia do liberalismo ocidental, com a consequente corrupção moral e cultural da sociedade.

Outras personalidades, como Michael Brendan Dougherty, da National Review, temem que a América seja arrastada para o conflito nuclear que conseguiu, com tanto esforço, evitar durante a Guerra Fria do século XX. Outro grupo preocupa-se com o facto de o envio de armas estar a encorajar a China a tomar de assalto o Taiwan e, finalmente, há aqueles que, como J. D. Vance e Matt Walsh, simplesmente acham que os americanos não têm nada que se meter na guerra entre a Rússia e a Ucrânia.

Do lado contrário, os defensores do apoio à Ucrânia invocam a contenção da Rússia, que voltou a revelar a brutalidade pela qual tem sido responsável incontáveis vezes ao longo da história. O compromisso americano para com os direitos humanos exige que o poder dos Estados Unidos seja colocado ao dispor daqueles que resistem a agressões injustas – algo semelhante ao programa Lend-Lease de FDR para um Reino Unido isolado durante a II Guerra Mundial. Desta perspectiva os Estados Unidos devem procurar estar activamente do lado da conduta civilizada.

Mas há outro factor que devemos ter em consideração. É que o combate ucraniano também envolve a segurança da Igreja Católica na Europa de Leste. O destino das Igrejas Católicas de rito latino e oriental dependem do resultado da guerra. Por um lado, se a Ucrânia colapsar completamente, a história sugere que a Rússia voltará a suprimir a Igreja Católica Bizantina, que forma a maioria nas zonas ocidentais da Ucrânia (tendo Lviv como sua “capital”).

A Ucrânia foi originalmente evangelizada por gregos, pelo que os ucranianos adoptaram a teologia e a liturgia do Cristianismo oriental no século X. A queda de Constantinopla para os turcos em 1453 minou a influência e a autoridade do respectivo patriarca, e as subsequentes negociações entre os papas e os ucranianos conduziram à reunificação das igrejas. Os ucranianos mantiveram as suas tradições, mas submeteram-se à autoridade do Papa.

Ratificada a União de Brest-Litovsk, em 1596, passou a existir a Igreja Greco-Católica Ucraniana, ao abrigo do Reino Unido da Polónia e da Lituânia. Desde então os ucranianos formam a maior das igrejas católicas de rito oriental.

Historicamente a Rússia sempre alimentou o ódio ao Catolicismo Bizantino e a sua perseguição. Os russos desprezavam a obediência bizantina a Roma, que associavam ao inimigo Católico Romano Polaco. Os moscovitas consideravam os católicos bizantinos traidores. Quando a Rússia imperial avançou para ocidente e para sul, no século XVIII, as igrejas greco-católicas foram destruídas ou expropriadas e os seus padres enviados para as prisões do Czar, na Sibéria.

Quando Catarina a Grande estendeu as fronteiras imperais da Rússia através da conquista e da repartição, pressionou os católicos bizantinos a submeterem-se à Ortodoxia. Os padres católicos que desafiassem a Czarina eram deportados e substituídos por clero Ortodoxo Russo. O Catolicismo foi forçado à clandestinidade no Império Russo, embora a Igreja tenha sobrevivido e prosperado nos territórios mais pequenos da Ucrânia ocidental que ficaram sob o domínio da Áustria dos Habsburgos, que eram católicos.

Mas o pior estava para vir com o restabelecimento do controlo da martirizada República da Ucrânia por parte da União Soviética, depois do fim da Guerra Civil da Rússia, em 1922. Os bolcheviques perseguiram impiedosamente o Catolicismo Bizantino, levando-o novamente à clandestinidade, e enviaram muitos padres para os gulags. 

Não se pode esperar que seja o antigo agente da KGB, Vladimir Putin, a estender a mão aos católicos bizantinos da Ucrânia. Ele já está a deportar os ucranianos de leste e jamais reconheceria uma religião cujos fiéis aceitam a autoridade do bispo de Roma. O domínio russo da Ucrânia seria catastrófico para o catolicismo bizantino.

Essa ameaça foi sublinhada no início da guerra pelos mais importantes hierarcas da Igreja Greco-Católica da Ucrânia. O Arcebispo Maior Sviatoslav Shevchuk, líder da Igreja, expressou o seu medo pelo futuro da mesma. Fez notar que alguns padres católicos já foram submetidos a torturas e afirmou que concessões territoriais à Rússia enfraqueceriam fatalmente o seu país.

Mais ou menos ao mesmo tempo o Arcebispo Metropolita da Arquieparquia Greco-Católica Ucraniana de Filadélfia afirmou que “esta batalha é, simplesmente, sobre se a Ucrânia aceita ser uma colónia e se os ucranianos aceitam ser submetidos”. Depois de mais um ano de guerra o povo ucraniano – católicos e ortodoxos – já deram uma resposta convincente.

O sucesso militar da Rússia também constitui uma ameaça para a segurança do Catolicismo de rito latino. Uma Ucrânia dominada pela Rússia aumentaria a fronteira entre a Polónia e o seu antigo inimigo. A ameaça à Lituânia também cresceria muito. Uma vez que ambos estes países são aliados formais dos Estados Unidos (ao contrário da Ucrânia) as Forças Armadas americanas estão obrigadas por tratado a socorrê-los em caso de guerra.

A Administração de Biden descartou a possibilidade de uma invasão russa até que esta aconteceu. A equipa de Biden disse que seria uma loucura Putin iniciar uma grande guerra na Europa, como se não houvesse contributos históricos de loucos para aquilo a que Churchill chamou “o longo e lamentável catálogo de crime humano”.

Mas a Rússia invadiu na mesma. Um ataque contra a Polónia ou a Lituânia seria uma loucura ainda maior. Mas alguém se atreve a contar com a racionalidade de Putin?


Robert W. Shaffern é professor de história medieval na Universidade de Scranton. Também lecciona cursos de civilizações antigas e bizantinas, bem como sobre o Renascimento Italiano e a Reforma. É autor de The Penitents’ Treasury: Indulgences in Latin Christendom, 1175-1375.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quinta-feira, 13 de Abril de 2023)

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