Conheço uma mulher inteligente, que estudou iconografia com
outra mulher inteligente (que por acaso é minha mulher), que esteve recentemente
em Florença. Sendo historiadora, estava a dar palestras sobre as antigas obras
primas católicas que lá se encontram, objectos estimados há muito, aproveitando
também para os rever. Muitas destas obras de arte foram produzidas durante o
Renascimento e a contra-reforma, para reforçar as crenças católicas e combater
a revolta protestante. (A Elizabeth Lev tem um excelente livro, “How
Catholic Art Saved the Faith”, sobre este assunto).
Mas nesta viagem ela esteve particularmente atenta a
obras ainda mais antigas que existem na cidade, como os ícones orientais pré-Renascimento
e outras em que não tinha reparado durante visitas anteriores. Há aqui uma
lição para aqueles de entre nós que se vêem envolvidos em polémicas e activismo
que, aliás, são muito importantes. Ganharíamos muito em ter uma maior ligação
às nossas ricas tradições. É preciso remediar essa limitação, a bem da acção
prática, porque qualquer católico deve compreender que não estamos envolvidos
numa luta sobre práticas eclesiais e políticas públicas; estamos em guerra –
para citar São Paulo – com principados e potestades diabólicas.
No domingo, antes da missa, estive no restaurante de um
hotel, onde vários ecrãs mostravam os programas de debate de domingo de manhã.
Há vinte e cinco anos que estou envolvido em muitas das controvérsias sobre os
quais falavam, mas subitamente percebi que actualmente existem pessoas – sobretudo
em sectores da sociedade que formam a cultura – para quem o domingo de manhã se
resume a isto. Este é o momento que consideram mais importante, ou mesmo
sagrado (se é que usam termos tão arcaicos).
De vez em quando encorajo as pessoas a afastarem-se, por
uns tempos, das guerras culturais na Igreja e no mundo, e a politização de tudo,
sugerindo que leiam um livro, ou observem ou escutem alguma coisa que ajude a
expandir a alma. Normalmente recebo uma de duas respostas.
Da parte dos tradicionalistas informam-me – quem diria – que
“estamos em guerra” e que parar para ler Platão, ou Agostinho, ou dedicar tempo
a ler música ou poesia não passa de uma distração. Penso nestes críticos como o
Partido Jansenista.
Do lado dos progressistas também me dão lições de moral –
sobre intelectualismo e torres de marfim – como se o interesse pela verdade
significasse que nunca fazemos, ou nos interessamos por, mais nada. Vai
alimentar os pobres, vestir os nus, dar tecto aos sem-abrigo e, hoje em dia,
acolher os LGBTs, dizem-me. É evidente, mas sem fazer disso – como o Senhor
ordenou – um espectáculo público. Este é o partido da Justiça Social.
Mas se vamos ser melhores a lidar com as forças
anti-cristãs, ou a praticar obras de misericórdia espirituais e corporais, então
a maioria de nós tem de abrir os olhos a novas formas de ser e de agir – a não
ser que queiramos continuar a repetir os mesmos combates de pugilismo na internet,
nos debates televisivos e na rádio, obtendo a mesma escassez de resultados.
Na Quaresma, a oração, o jejum e a esmola são forma
tradicionais de afastar o enfoque de nós mesmos e virá-lo para os outros,
sobretudo para o próprio Deus – só Ele pode evitar que os nossos esforços para
fazer o bem se tornem apenas mais uma forma de auto-absorção.
Se é o tipo de pessoa que passa a maior parte do seu
tempo a fazer trabalho intelectual, talvez seja boa ideia dedicar-se a outras
coisas durante os próximos 40 dias. Se a sua paixão é o ativismo, seja de que
tipo for, então talvez esta seja uma boa altura para maior reflexão, ou até
contemplação regular. Faz parte dos fundamentos do Catolicismo reconhecer que o
que Deus quer num dado momento depende das circunstâncias e do estado das
nossas almas individuais.
Os americanos em particular são adeptos da acção, e isso
tem dado frutos fantásticos para o mundo inteiro. Mas, sobretudo durante a
Quaresma, muitos de nós têm de ser mais passivos – e receptivos – durante uns
tempos. O próprio Cristo passou 40 dias no deserto antes de começar o seu
ministério público.
O demónio tentou-o com base nas necessidades físicas,
domínio político, exigindo até que Deus revelasse o seu poder. Jesus resistiu
e, pelo contrário, manteve-se focado na vontade do Pai. Depois disso não se
saiu nada mal – os efeitos continuam a ser sentidos no mundo inteiro.
John Milton ficou cego quando estava na casa dos 40 anos
e sentiu-se frustrado por não poder servir a Deus e ao homem de forma mais
activa. Mas encontrou algum consolo nestas palavras:
“El´ não precisa
Dos dons de um só em cada humana esfera.
Se El´ convoca os seus fiéis, e com ardência
Que milhar´s correm para onde Ele pisa.
Também O serve aquel´ que fica e espera.”
[Tradução de Jorge de Sena]
Aquele que fica e espera, isto é, se for isso que Ele
pede.
Estas tentações, e outras, surgem quando nos tentamos
afastar das desordens do mundo. O livro do cardeal Sarah “A
Força do Silêncio: Contra a ditadura do barulho”, foi publicado há apenas
dois anos, mas parece que já precisamos de nos recordar dessa obra singular,
por entre tentações de nos apressarmos ao próximo livro ou controvérsia.
Deixo aqui apenas uma das suas reflexões tão importantes:
“Se nos dermos a coisas efémeras e insignificantes, entender-nos-emos como
efémeros e insignificantes. Se nos dermos às coisas belas e eternas, então
entender-nos-emos como belos e eternos”.
A cultura do barulho domina de tal forma as nossas vidas –
mais até do que a cultura do relativismo, seu aliado natural – que ao referir
sabedoria deste calibre, quase que nos sentimos obrigados a justificar que isso
não significa que nos vamos retirar, deixando o mundo à sua sorte.
Não é bem pelo mundo que abraçamos o silêncio profundo. Fazemo-lo
porque o nosso destino final não é o mundo.
Mas é por nos focarmos naquilo que verdadeiramente
interessa, a Realidade (o Reino) que as outras coisas nos serão dadas – não há
outra forma de as receber. É dolorosamente evidente neste momento que, apesar
de todo o nosso trabalho, estamos a falhar porque nos falta algo de crucial –
algo que tem de vir de outro lugar. Caso contrário, não passamos de pelagianos,
tal como muitos ativistas modernos, que pensam que tudo depende de nós.
“Quando nos retiramos em silêncio do barulho do mundo,
ganhamos uma nova perspetiva sobre o barulho do mundo… Ao nos retirarmos para o
silêncio conhecemo-nos, conhecemos a nossa dignidade.”
Esta é a única perspetiva que produzirá verdadeira
revolução, em nós e no mundo.
Robert
Royal é editor de The Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute
em Washington D.C. O seu mais recente livro é A Deeper Vision: The Catholic
Intellectual Tradition in the Twentieth Century, da Ignatius Press. The God That Did Not Fail: How
Religion Built and Sustains the West está também disponível pela Encounter
Books.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Quarta-feira, 13 de Março de
2019)
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