James V. Schall S.J. |
Porque é que cantamos e dançamos? Chegamos a um ponto em
que tanto a prosa como o estar sentados nos parecem insuficientes. Porque é que
a noiva dança com o seu marido e com o seu pai no casamento? Dizemos que os
anjos estão organizados por coros. Louvam e glorificam a Deus. Mas será que Ele
precisa da sua música para ser glorificado? Precisa de nós para o
glorificarmos? Deus encontra-se para além da categoria de “necessidade”. Ele já
existe na glória.
Deus não precisa de nós para completar qualquer tipo de
ausência na sua vida trinitária. A “vida” de Deus não seria menos sujeita a
dúvidas se Ele não precisasse de explicar porque é que trouxe seres humanos
finitos e obviamente falíveis para o seu mundo? A maior acusação que costuma
ser feita a Deus é: “Se Ele não queria que pecássemos, então porque é que se
deu ao trabalho de nos criar?”
A existência do pecado numa criação boa significa que
Deus tinha outra coisa em vista. Ele não queria que pecássemos, certamente; mas
também não queria não nos criar, apesar de saber que pecaríamos. Por isso nos
criou. Homem e mulher Ele nos criou. Calculou que pecássemos. Arcou Ele próprio
com as consequências, no seu Filho.
A resposta a esta questão perene e paradoxal do pecado deve
estar no “Cantare, amantis est”, de Agostinho. A última palavra do Deus/homem
não foi lidar com os nossos pecados, embora essas tenham sido as suas últimas
palavras na Cruz.
No Livro da Sabedoria lemos: “Tu amas tudo quanto existe
e não detestas nada do que fizeste” (Sabedoria 11, 24). Este amor por tudo o
que existe também incluiria, naturalmente, o amor por aqueles que acabaram por
O rejeitar, o que é sempre uma possibilidade. Deus não pode “obrigar” alguém a
amá-lo contra a sua vontade. De que serviria?
A Dança de Míriam |
No Salmo 13 lemos: “Cantarei ao Senhor, porquanto me tem
feito muito bem”. A linguagem do amor afirma que “É bom que tu existas”. A
linguagem da amizade acrescenta que “é bom que existamos conhecendo-nos”. A
linguagem da verdade afirma: “É verdade que tu existes”. A linguagem da criação
afirma que “Tu e eu existimos ambos, ainda que a nossa existência não seja
necessária”. A linguagem dentro da Trindade fala de “vida eterna”.
No livro de Judite somos convidados a “entoar um cântico
ao nosso Deus com tamborins, cantar ao Senhor com címbalos. Entoai-lhe salmos e
louvores, exaltai e invocai o seu nome. Cantarei a Deus um cântico novo:
Senhor, sois grande e glorioso, de admirável poder, invencível” (Judite 16) e
no Salmo 47 “o Senhor subiu ao som de trombeta. Cantai louvores a Deus, cantai
louvores; cantai louvores ao nosso Rei, cantai louvores.”
Há muitas referências musicais nas escrituras mas, para
além do cantar dos anjos do alto, na Natividade, vemos muito poucas no Novo
Testamento. Quando Cristo visita a sinagoga em Nazaré, Ele “lê” Isaías. Não
entoa nem canta. Não me recordo de ver referências a instrumentos nas bodas de
Caná.
“O ser humano começa de novo em cada homem”, escreveu
Ratzinger em 1979: “O sucesso da geração anterior não pode ser simplesmente
transferido para a vindoura. Cada geração pode e deve tirar proveito do que foi
alcançado antes. Mas cada geração deve também sofrer, suportar e ganhar para si
mesma o estado de ser humano”.
Cada vida humana começa na escuridão do Verbo. “No final,
apenas quem ama o canta”.
*Não consegui encontrar referência a uma versão
portuguesa, mas traduzi assim porque o mais próximo que encontrei, em espanhol,
é “Solo quien ama canta”.
James V. Schall, S.J., foi professor na Universidade de
Georgetown durante mais de 35 anos e é um dos autores católicos mais prolíficos
da América. O seus mais
recentes livros são The Mind That
Is Catholic, The Modern Age, Political Philosophy
and Revelation: A Catholic Reading, e Reasonable
Pleasures
(Publicado pela primeira vez na terça-feira, 26 de Março
de 2019 em The Catholic Thing)
© 2019
The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de
reprodução contacte: info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica
inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus
autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o
consentimento de The Catholic Thing.
No comments:
Post a Comment