Mas a caminhada – e a causa pró-vida – também não são,
verdadeiramente, um tema religioso. É sempre bom ver na caminhada os Ateus pela
Vida, mas também é uma recordação importante. Não somos contra o aborto por se
opor a um qualquer dogma religioso. Se fosse esse o caso – como muitos
defensores do aborto afirmam, erradamente – seria difícil evitar a acusação de
estarmos a tentar “impor a nossa religião” aos outros. Pelo contrário, estamos
a tentar evitar que as pessoas pratiquem uma forma irracional, falsa e
sangrenta de idolatria.
É a razão, e não a revelação, que nos diz que, caso acreditemos
que é errado matar, então matar crianças ainda na barriga das mães também é
errado. E com cada ano que passa essa posição moral torna-se ainda mais clara.
Quando a decisão Roe v. Wade, que legalizou o aborto em todo o país, foi
anunciada, em 1973, a medicina estava a anos-luz do que está agora. Hoje
sabemos, por exemplo, que o coração de uma criança começa a bater cerca de
quatro semanas depois da concepção e que já acontecem muitas outras coisas que
tornam claro que aquilo que se está a desenvolver e a crescer é um ser humano
vivo (com o seu próprio ADN), rapaz ou rapariga desde o começo. Segue-se,
racionalmente, que quem decidir pôr fim a essa vida, mesmo no seu estado mais
incipiente, está a cometer um erro moral grave.
E fazemos bem tanto em argumentar racionalmente como em
caminhar pelo fim do aborto. Aliás, é mesmo uma obrigação moral. Confrontar-nos
uns aos outros, em busca da verdade, é uma forma de demonstrar a nossa
convicção de que aqueles com quem discordamos são, como nós, seres racionais.
Eu sei que é pedir muito que a razão prevaleça, quando há tantas paixões e
interesses em jogo. Mas é por isso que as caminhadas, manifestações e o exemplo
pessoal devem também ser usados, nem que seja para criar oportunidades de
fazer-se ouvir o lado científico e os bons argumentos.
Cerca de dez anos depois da decisão judicial de Row,
estava a conversar com um filósofo, que entretanto se tornou mundialmente
conhecido, sobre o aborto. Ele previu que, apesar de se tornar cada vez mais
claro, através da ciência e da razão, o que estamos a fazer quando abortamos os
nossos filhos, nada disso importaria. “Chegará o dia em que serão forçados a
admitir a verdade. E então dirão, ‘Sim, é um bebé que se está a matar, e depois?’”
Na altura tive as minhas dúvidas, hoje já não tenho. Há
anos que se muda o assunto do estatuto moral da vida intrauterina para tudo,
desde o respeito pela liberdade das mulheres, o preconceito religioso e o
combate à pobreza e aos danos ambientais. E também já nos disseram que, sim, é
uma escolha difícil. Mas difícil porquê? Talvez porque esteja um bebé em causa?
Sim, mas insistem que a mulher continua a ter aquele direito. Num acesso de
paixão moral o Papa Francisco acertou no ponto quando disse que fazer um aborto
é como contratar um assassino para nos resolver um problema. E a verdade é que
esse assassino está a receber muitas chamadas: 42 milhões em todo o mundo só no
último ano, de acordo com uma estimativa, fazendo do aborto a principal causa
de morte.
Os católicos americanos têm tido um papel central e
louvável, claro, em manter viva a causa pró-vida. E por isso não é surpresa
nenhuma que outros, que acreditam que é a verdade que nos liberta, se tenham
juntado a nós. E não apenas neste país. O nosso exemplo tem espoletado outros
esforços parecidos em vários países e, recentemente, até em Roma, embora a
Igreja italiana e o Vaticano se tenham mantido distantes, por razões políticas
aparentemente más, da Marcia per la Vita.
Desde esta segunda vaga da crise de abusos, os bispos
americanos – e por implicação a Igreja como um todo – têm levado com críticas
severas, algumas injustas, mas na maior parte justas. Tudo isso tem danificado
a força do nosso testemunho público em várias frentes. Nestes últimos dias o
Cardeal Wuerl até teve de abandonar os seus planos para celebrar a missa pró-vida
que antecede a Caminhada. Foi substituído pelo núncio apostólico, o arcebispo
Christophe Pierre. Mas nós, os americanos, conseguimos lidar com mais do que um
problema de cada vez. Eventualmente vamos conseguir lidar com a crise de abusos
enquanto continuamos com o nosso testemunho pró-vida e pró-família.
Mas não será um caminho fácil. Foram precisos quase cem
anos – e uma Guerra Civil – desde os primeiros textos de John Wesley contra a
escravatura até à Proclamação da Emancipação. Talvez leve tanto tempo, ou ainda
mais, para anular o Roe v. Wade e mudar atitudes culturais para com o aborto.
Mas, por mais tempo que leve, quando chegarem dias melhores as pessoas vão
olhar para trás, para este tempo de trevas, e perguntar como é possível que uma
população a gozar a maior prosperidade que o mundo alguma vez conheceu pôde ser
cega para este massacre dos inocentes.
Muitos têm criticado a Igreja e outras organizações
cristãs pelas suas falhas no combate à escravatura durante os séculos XVIII e
XIX e é verdade que isso permanece como uma nódoa no registo de muitos
seguidores de Cristo que tinham obrigação de saber melhor.
Mas naquele grande dia em que o aborto for visto novamente
como o terrível mal moral que é, as pessoas também poderão ver que foi em
primeiro lugar a Igreja, apesar de tantas críticas e muitas vezes sozinha, que
defendeu a sacralidade de toda a vida humana. Numa altura em que pairam dúvidas
sobre tanta coisa, isso é algo que merece ser festejado.
Robert
Royal é editor de The Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute
em Washington D.C. O seu mais recente livro é A Deeper Vision: The Catholic
Intellectual Tradition in the Twentieth Century, da Ignatius Press. The God That Did Not Fail: How
Religion Built and Sustains the West está também disponível pela Encounter
Books.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Sexta-feira, 18 de Janeiro de
2019)
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