Anthony Esolen |
O último “castrato” a cantar profissionalmente,
Alessandro Moreschi, morreu em 1922. Não se sabe se ele foi castrado ainda
menino para preservar a voz, ou por causa de uma hérnia inguinal. Ainda existe
uma gravação, em mau estado, da sua voz. O que se ouve é um soprano algo fibroso,
não é o género de coisa para a qual um defensor da prática recomendaria a mutilação.
Talvez outrora tenha sido mais forte e seguro. Não sabemos.
À medida que um rapaz se aproxima da puberdade, a sua voz
ganha uma qualidade peculiar devido à configuração singular e temporária da sua
laringe e cavidade oral. Produz um som que os mestres de coro valorizam muito e
que inspirou os talentos de compositores como Palestrina, Allegri e Bach.
Para preservar esse timbre, por vezes um soprano rapaz
aceitava ser castrado. Quando os “castrati” eram o último grito da moda nas cortes
e nos coliseus da Europa iluminista, um rapaz talentoso de uma família humilde
poderia ser tentado a aguentar a mutilação para poder ganhar dinheiro para si e
para os seus pais.
Naturalmente isso também o levava a ser bem acolhido nos
quartos de mulheres aristocratas, que brincavam com ele como fariam com um
cachorro, sem envergonhar os seus maridos. Essa é a lógica por detrás do
estratagema de Horner na peça lasciva de Wycherley “A Mulher do Campo”, embora
neste caso a castração tenha sido supostamente necessária por causa de sífilis.
Os eunucos também eram um alvo preferido por homossexuais.
Contranatura e bárbaro. O Papa Leão XIII condenou a
prática quando assumiu o papado em 1878. Graças a Deus não a voltaremos a ver.
Mas estamos a assistir a coisas bem piores. Pensemos um
bocado nisto.
Longe de mim desculpar de qualquer maneira os padres
nojentos cujos vícios deturparam as vidas de tantos rapazes e jovens e
reduziram várias paróquias e dioceses à penúria. Mas quando esses homens
acabavam de apalpar as joias da família, estas pelo menos continuavam ligadas
ao rapaz, que ainda poderia vir a tornar-se marido e pai de família.
Mas isso já não é o caso quando o rapaz “transita”, isto é,
quando se submete a cirurgia para poder fingir ser a rapariga que não é, nem
nunca poderá ser.
O rapaz que optava pela mutilação fazia-o para garantir
algo que era, em si, um bem. É bom, e não mau, ter uma voz bonita. É bom ser um solista no “Miserere”
de Allegri. Não é bom mutilar o corpo para isso. É bom, e não mau, poder
ser o ganha-pão da família. Mas não é bom mutilar o corpo para o conseguir. É
bom louvar a Deus. Não é bom expressar esse louvor através de algo que é
contranatura, como a mutilação.
Esse rapaz, muito provavelmente, sabia bem o que era o
sexo. Sabia-o melhor do que as nossas crianças agora. Teria visto os animais da
quinta, teria dormido próximo de outras crianças e teria desenvolvido uma
atitude prática para com as exigências mais embaraçosas da vida física. Teria
estado próximo de homens a fazer trabalho fisicamente árduo, todos os dias da
sua vida, trabalho que só os homens podiam fazer.
Ele não estava a rejeitar o seu sexo. Não estava
acometido da loucura de acreditar que na verdade era uma menina. Ninguém lhe
tinha dito na escola que o seu sexo era responsável por todo o mal que existe
no mundo. Não teria crescido num lar dividido pelo divórcio, com uma mãe
infetada por fantasias feministas de um mundo purificado do masculino. Não
teria tido que se sujeitar à hora do conto narrado por travestis. Não teria
pornografia à distância de um clique. Não vivia no reino da ilusão. A mutilação
assegurava, de facto, o bem em questão.
Não seria sujeito a uma cirurgia após outra. O seu corpo
não seria bombeado com drogas perigosas, incluindo bloqueadores de puberdade e
hormonas para fazer crescer os seios, que provavelmente virão a ser
carcinogénicas. Não seria condenado a uma vida de dependência farmacêutica. Os
seus ossos largos continuariam a crescer. O seu corpo seria um pouco mole, mas
de resto pareceria um homem normal e não uma aberração. Não seria sujeito a uma
operação para fazer uma vagina falsa.
Não faria parte de uma campanha para preservar e prolongar
uma ética profundamente anticristã, como é a nossa revolução sexual. Como já
disse, talvez fosse tentado pela homossexualidade, mas esse não seria o
objectivo declarado da operação. Não estava envolvido na destruição da
linguagem. Seria tratado por “ele” e provavelmente atirava-se a quem o tratasse
de outra forma.
Não estava a estabelecer um precedente para outros
violadores do sentido do humano: falo naqueles que acreditam que devemos
fabricar-nos a nós mesmos, através da manipulação genética, úteros artificiais
e outras pontes que o homem lança ao robot ou à besta. Não estava a lançar um
precedente para pessoas doentes que acreditam que não serão inteiros enquanto
não forem parciais: falo naqueles que não conseguem viver com a integridade dos
seus corpos e que por isso encontram, nalgum lado, um médico malévolo que lhes
remova um braço ou uma perna saudável.
Não estava na linha da frente da sujeição dos
pensamentos, da linguagem e dos actos de pessoas normais e ordinárias à
supervisão de um estado vasto e totalitário, com a sua simbiose de entretenimento
e escolaridade massificados.
Por mais doentio que fosse fazer aquilo que eles faziam, o
que fazemos agora é muito pior.
Anthony Esolen é tradutor, autor e professor no
Providence College. Os
seus mais recentes livros são: Reflections on the Christian Life:
How Our Story Is God’s Story e Ten Ways to
Destroy the Imagination of Your Child.
(Publicado pela primeira vez na quarta-feira, 19 de Dezembro
de 2018 em The Catholic Thing)
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