Anthony Esolen |
E há uma coisa em que tenho reparado. Não fiquei admirado
por ver que os membros do Imperial Academy têm pouco respeito pela religião. O
que me espanta é a hostilidade e o desprezo, sem que se vislumbre qualquer
esforço por compreender em que é que acreditamos ou porquê, e como devemos agir
com base na nossa fé, ou pelo menos evitar agir contra ela.
O outro dia o assunto foi o aborto e os membros
expressaram a opinião de que se alguém não quer praticar um aborto não deve
entrar num campo que o requer. Por outras palavras, se não queres fazer
abortos, não vás para medicina. Católicos – irlandeses ou de outra estirpe – escusam
de se candidatar.
Eventualmente, nestas discussões, alguém joga o que pensa
ser o ás de trunfo. A cartada das Testemunhas de Jeová. “Então”, diz, “suponho
que aceitarias ter uma testemunha de Jeová como cirurgião ou como
hematologista”, que são dois campos em que nenhuma testemunha de Jeová quereria
entrar, pois as transfusões de sangue são uma componente necessária e regular
do trabalho. Embrulha!
Mas não é o ás de trunfo. Talvez um rei de um naipe
menor, orgulhosamente a passear pela mesa de jogo, mas prestes a perder a vasa.
Eis a razão porquê:
Os católicos não apelam à escritura para ditar as
especificidades da prática da medicina. Apelamos de forma geral à natureza das
coisas e à razão. A medicina, por definição, remedeia. Se tens febre, a
medicina restaura o teu corpo até à temperatura normal. Se tens uma infecção, a
medicina restaura a ordem saudável ao teu corpo. Se tens um membro partido, a
medicina arranja-o. Se és vulnerável a uma doença facilmente transmissível, a
medicina fornece-te protecção. Se tens um órgão que não funciona como deve ser,
a medicina cura-o. Se o corpo apenas pode ser salvo através da remoção de um
órgão ou de um membro doente, a medicina faz na prática aquilo que o próprio
corpo faz através do seu sistema autoimune.
Reparem que não estou a apelar a qualquer coisa extrínseca
à medicina e ao corpo. A testemunha de Jeová apela, porque não há nada na
natureza do sangue que sugira que a hemoglobina de um homem não pode, ou não
deve, ser usada por outro, como nada impede que o ar que um homem inala seja
inalado por outro na respiração boca-a-boca.
Mas no que toca a questões como o aborto, a esterilização
e a mutilação sexual, a testemunha de Belial faz esse apelo extrínseco. Não
apela a uma visão deturpada da escritura, mas sim a uma visão deturpada do
papel da vontade individual, da conveniência política ou à demografia mundial.
Por outras palavras, a testemunha de Belial deixou o mundo da medicina para
trás.
Mas não há nada de errado com a criança no útero. Isso é
um simples facto. Nem há nada de errado, evidentemente, com os sistemas
reprodutivos dos pais da criança. Claramente, esses estavam a funcionar
correctamente. O aborto não restaura a saúde a um órgão ou a um membro doente,
não protege contra doenças transmissíveis, não cura, não salva uma pessoa em
perigo de morte.
O aborto não remedeia. Logo, tem tanto de medicina como
terá a amputação de um membro saudável, independentemente de envolver trabalho
com e sobre o corpo.
O liberal contrapõe com o problema dos pais da testemunha
de Jeová que tentam impedir os seus filhos de receber sangue de um dador. Mas
também isto é, na verdade, um argumento contra o liberal, por duas razões. A
primeira é que uma coisa é praticar um acto que outra pessoa considera
moralmente condenável, com o propósito de salvar uma vida. Mas é outra coisa
diferente tentar obrigar todos os profissionais médicos a participar nesse
acto. Seria como tentar obrigar um pacifista a pegar em armas em tempo de
guerra. Para quê? Que tipo de mente faria uma coisa dessas?
Belial |
Se há alguma distinção entre os dois, tem de ser a favor
da testemunha de Jeová. Afinal de contas, ele é vítima de uma teologia infeliz,
mas não deseja a morte do seu filho. A testemunha de Belial, pelo contrário,
deseja precisamente isso. A testemunha de Jeová limita, desnecessariamente, a
medicina. Mas ao exceder a medicina, a testemunha de Belial destrói a própria
medicina. A testemunha de Jeová tem medo de fazer algo que possa salvar uma
vida. A testemunha de Belial não tem qualquer temor em matar. A testemunha de
Jeová quer que lhe deixem em paz. A testemunha de Belial não te deixará em paz.
A testemunha de Jeová não quer violar a sua consciência, por mais deturpada que
esteja. A testemunha de Belial quer obrigar-te a violar a tua.
A testemunha de Jeová está a pensar em Deus – de forma errada.
A testemunha de Belial está a pensar em ambição, carreira, dinheiro e sexo.
Porque no final de contas, vai dar sempre nisso: libertação sexual, compulsão
estatal e crianças mortas.
Ah, e para terminar… Há um nome para o tipo de governo do
Século XX que procuraria obrigar o pacifista a pegar em armas. Chama-se
“fascismo”.
Anthony Esolen é tradutor, autor e professor no
Providence College. Os
seus mais recentes livros são: Reflections on the Christian Life:
How Our Story Is God’s Story e Ten Ways to
Destroy the Imagination of Your Child.
(Publicado pela primeira vez no sábado, 10 de Março de
2018 em The Catholic Thing)
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