Michael Pakaluk |
Costumava-se dizer que o padre “fazia” água benta, não se
limitava a benzê-la. O rito ainda consta do Ritual Romano. O padre faz água
benta juntando sal exorcizado a água exorcizada.
Junta o sal em imitação do profeta Eliseu, que dessa
forma purificou as águas de Jericó (2 Reis 2, 19-21): “Assim diz o Senhor:
Sararei a estas águas; e não haverá mais nelas morte nem esterilidade.”
Neste rito a água benta é vista como uma criatura pura,
comunicando o poder de Deus. Logo, tanto o sal como a água devem ser exorcizados
primeiro, uma vez que a queda teve repercussões através de toda a criação
material, dando a Satanás o domínio até sobre os elementos inertes.
Os exorcismos são impressionantes. Por exemplo, para o
sal: “Eu te exorcizo, sal, criatura de Deus, pelo Deus ✠
vivo, pelo Deus ✠ verdadeiro, pelo Deus ✠
santo — pelo Deus
que ordenou ao profeta Eliseu que te lançasse à água, a fim de curar a sua
esterilidade — para que te tornes sal exorcizado em proveito dos fiéis, dando a
saúde da alma e do corpo aos que te usarem, fazendo fugir para longe dos
lugares em que fores lançado, ilusões, malefícios e fraudes diabólicas, assim
como todo espírito impuro, intimado por aquele que há de vir julgar vivos e
mortos, e este mundo pelo fogo. Amen.”
Um exorcismo não é apenas uma oração mas sim, como diria
o filósofo J.L. Austin, “algo feito com palavras”. O sal e a água são
recriados, transformando-se de forma especial em armas contra o maligno. Assim,
a oração final do padre sobre a mistura pede a Deus que a santifique para que
“proporcione saúde da alma e do corpo a todos os que o tomarem, e que
desapareça, de tudo o que for por ele tocado ou salpicado, qualquer impureza e
ataque dos espíritos do mal.”
Creio que na maioria das situações a água benta nas
igrejas hoje é benzida e não feita, com o padre a limitar-se a pronunciar uma
bênção e a fazer o sinal da cruz por cima da água, frequentemente durante a
missa.
Longe de mim, que não sou liturgista, afirmar que até a
água benta foi diluída. Mas sim, também eu penso que se podemos seguir o
exemplo de um grande profeta, e se podemos usar matéria exorcizada, por que não
haveríamos de nos valer destes auxílios adicionais?
Certamente não nos convence o argumento de que a graça de
Cristo basta, porque aí deixaríamos de ter razão sequer para usar água benta de
todo. Mais, Cristo é um mediador que, na sua vida terrena, mostrou uma forte
apetência para trabalhar através de matéria mediadora, tal como cuspo e pó.
Antes, sei por experiência que a água benzida funciona
muito bem contra o demónio.
Uso o termo “experiência” no sentido lato e próprio
daquilo que foi experienciado por aqueles em quem confiamos e não no sentido
cartesiano atenuado daquilo que foi impingido aos meus sentidos em particular.
Neste sentido, a experiência de Santa Teresa de Ávila é também a minha: “Tenho
aprendido que não há nada como água benta para pôr os demónios em fuga e evitar
que regressem”.
Muitos amigos têm-me dito o mesmo. Eram perturbados por
sonhos deturpados, por exemplo, e depois de terem aspergido água benta na cama
a cada noite, e de terem dito uma Avé Maria ou três, o problema desapareceu e
nunca mais voltou. A minha experiência de vida tende a corroborar isto.
Os mesmos amigos, como seria de esperar, não deixam de
recorrer à água benta quando metem os seus filhos na cama. O que me leva a
outro elogio à água benta, para além da sua utilidade, isto é, a atracção que
exerce sobre crianças e adultos que são como crianças.
As crianças são maravilhadas por sinos, fumo e fogo. A
Igreja faz bem em apelar desta forma aos nossos sentidos. Mas se pensarmos bem
a água, como o fogo, não é “suposto” estar dentro das casas. Por isso mesmo uma
pequena vela – esse ponto de fogo brilhante, guardado por cera, mas com
potencial de perigo caso consiga escapar – pode significar algo transcendente,
a oração a subir, ou Deus e luz a descer.
É por isso que nos inclinamos para sermos aspergidos por
água benta no Domingo de Páscoa, e molhamos os dedos na pia de água à entrada
das igrejas. Como não é suposto haver água ali é fácil ver o influxo da graça
de Deus e leva-nos facilmente a pensar no nosso próprio baptismo e na eficácia
purificadora da confissão sacramental.
A família é uma igreja doméstica, não por si só, mas
enquanto participante da vida da Igreja. Aquela pequena garrafa de água benta
dentro de casa é um testemunho da realidade das Ordens Sagradas e do poder da
Igreja nos sacramentos.
Como a água benta é considerada preciosa e só nos chega
através do padre, é também uma forma de honrar o sacerdócio. E como a obtemos
gratuitamente – basta trazer uma garrafa para a igreja para encher – ensina-nos
que as coisas mais valiosas da vida não têm preço. São-nos dadas livremente por
Deus, basta-nos procurá-las no sítio certo.
Por fim, a água é um elemento e a água benta é um
elemento abençoado, testemunho da bondade da criação, da forma como a graça
completa a natureza e a lógica da Encarnação.
A água benta contém todo um catecismo. Pode-se dizer que
a verdadeira igreja não teria deixado de a criar e, uma vez que a verdade é
sobredeterminada pelas provas, podemos também dizer que a existência e o uso da
água benta, tal como 40 outras coisas, quase que basta para alguém se tornar
católico.
Na tradição de São Francisco, gostaria então de dizer:
“Bendito sejas, meu Senhor, através da Irmã Água Benta, que é muito útil, e
humilde, e preciosa e casta”.
Michael Pakaluk, é um académico associado a Academia
Pontifícia de São Tomás Aquino e professor da Busch School of Business and
Economics, da Catholic University of America. Vive em Hyattsville, com a sua
mulher Catherine e os seus oito filhos.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 6 de Março de 2018)
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