David Warren |
Tudo começou quando tinha seis anos. O meu pai pós-protestante,
do Canadá mas a leccionar na Escola de Artes de Lahore, no Paquistão,
matriculou-me na escola de St. Anthony. É fácil explicar porque é que um homem
com as suas opiniões me colocaria à mercê de maristas e jesuítas irlandeses.
Julgava que eles tinham os mais altos padrões académicos, nada mais.
Certamente levavam muito a sério o conhecimento.
“Scientia cum Virtute”, não vá eu esquecer-me.
Mas também constituíam uma paródia, nem sempre
humorística, de tudo o que mais tarde viria a ser condenado na polémica dos
colégios internos no Canadá. Levei a minha dose de tareias no recreio, e mais
do que a minha dose dos próprios irmãos. Não aceitavam desculpas, não adiantava
alegar inocência. No mínimo, aprendi muito sobre injustiça, sobretudo de um
director que me parecia ser psicopata (e que mais tarde abandonou a Igreja para
se juntar a uma comuna budista na Califórnia).
Mas também aprendi outras coisas, de professores
sinceros; incluindo da Catedral do Sagrado Coração, junto à escola. Sendo
branco, era obrigado a ir. Até que descobriram que eu era protestante e levei
tareia por ter ido.
E o que é que aprendi lá, pergunta o querido leitor? Algo
ainda rudimentar, mas que ficaria comigo ao longo dos anos.
Nessa altura eu acreditava no que a minha mãe ateia me
tinha contado, que a Missa era um rito mágico primitivo, deslocado, pela sua
própria natureza, do nosso mundo moderno, científico e racional. A um certo
nível os católicos eram como os bárbaros selvagens. Segundo os seus
antepassados presbiterianos, eles eram supersticiosos. Faziam coisas estranhas
e inexplicáveis, como falar com os mortos e comer pequenos pedaços de pão,
julgando tratar-se de carne humana.
Ainda assim, devíamos ser simpáticos com eles.
E aquilo que eu aprendi no Sagrado Coração foi que tudo
isso era verdade, acrescentado de incenso e sinos. (Isto era no tempo da Missa
em Latim; quando lá voltei, décadas mais tarde, era urdu e batuques.)
E havia mais uma coisa, mas levou-me anos a desvendar o
que significava. Aprendi que tinha uma sensibilidade católica. E mais, que não
tinha uma sensibilidade protestante. Que sempre que existia um conflito entre
as sensibilidades, encontrava-me espontaneamente no lado católico. Como
explicar isto?
A algum nível intuitivo, parecia-me que o catolicismo era
fértil, e que a alternativa era estéril. São João Paulo II viria a colocar a
coisa de forma chocantemente precisa mais tarde quando falou da distinção entre
a Cultura da Vida e a Cultura da Morte, embora não lhe desse qualquer carga
sectária. Estava a referir-se à mesma diferença fundamental de mundivisão que
distingue os verdadeiros católicos de tudo o que os rodeia no mundo moderno.
Mas concentremo-nos na Missa. Tornei-me católico no
início da minha vida adulta, mais precisamente um anglicano “high church” (por
causa do incenso e dos sinos, mais uma vez), até que finalmente troquei
Cantuária por Roma. Aliás, passei um quarto de século sempre à beira de
transitar, cada vez que os anglicanos faziam mais alguma coisa não-católica. Entretanto,
por boa educação, frequentei muitos casamentos, funerais e até baptizados em
locais mais protestante e observei os seus costumes, de fora.
A primeira, e talvez a última coisa a saber sobre as
nossas diferenças é que do lado de lá têm “serviços”. Para eles, a Missa não é
“instrumental”. É um mero memorial, porque Cristo disse “fazei isto”. E eles
fazem, da melhor forma que conseguem, tal como lhes foi dito, mas sem a magia.
Já os católicos também fazem como lhes foi instruído, mas
para nós os sacramentos têm um efeito. Não são um memorial, mas um acto que
alcança algo. É o “Sacrifício da Missa”, e os nossos crucifixos tendem a ter “o
homenzinho”, como disse certa vez um funcionário descerebrado de uma loja de
bugigangas. E parece que vai jorrar sangue por cima dos nossos sapatos.
Estou aqui a distinguir entre aquilo a que chamo o
“instrumental” e o “simbólico”. Os símbolos são, neste sentido, coisas
intelectuais. São exangues. Um académico pode escrever tudo sobre símbolos, sem
compreender um único. Pode produzir um longo dicionário de símbolos e manuais
de etnografia, com referências cruzadas e índices. E mesmo assim não entenderá
nada.
O mesmo se aplica a uma enciclopédia de anjos e demónios,
santos, mártires, duendes e fadas, sem a menor crença de que alguma dessas
coisas é real.
E uso aqui o termo “real” de forma propositada. Estou a
aludir aos conflitos medievais entre realistas e nominalistas – que, muito
plausivelmente, se encontra na raiz de cada uma das nossas reformas modernas
(do Século XVI, XVIII e agora do XXI).
No cerne de cada um está a rejeição do realismo – a ideia
de que existem coisas reais fora de nós mesmos, que são reais independentemente
de as aceitarmos ou não. Por exemplo: verdade, beleza, bondade. Em
contrapartida, dá-se um avanço do nominalismo que crê que o homem cria a
realidade quando lhe dá nome. Tudo é, no fim de contas, uma “construção
social”, incluindo os conceitos de homem e de mulher, de cima e baixo.
E dessa perspectiva, desde novo que eu era susceptível ao
Catolicismo, pois sempre acreditei na realidade, e que havia mais coisas no Céu
e na Terra do que poderíamos imaginar. Nunca ultrapassei esta sensação, e
espero que isso não aconteça.
Sou um realista. Creio que até o selvagem mais primitivo
é inteiramente homem, por isso é igual a mim. Porque os homens são reais, e
continuarão a sê-lo, independentemente do que lhos chamarmos.
David Warren é o ex-director da revista Idler e é
cronista no Ottowa Citizen. Tem uma larga experiência no próximo e extreme
oriente. O seu blog pessoal chama-se Essays in Idelness.
(Publicado pela primeira vez na sexta-feira, 16 de Março
de 2018 em The Catholic Thing)
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