Nota prévia: Nos últimos dias tem-se falado muito sobre as relações entre o Vaticano e a China, desde que saíram notícias que indicam que a Santa Sé terá pedido a dois bispos leais a Roma - da chamada Igreja Clandestina - para darem lugar a dois bispos da associação patriótica - submissos ao Governo. Vejo muita gente alarmada por o que consideram ser uma cedência política de Roma a Pequim. Este artigo, que hoje traduzo e publico aqui, é um exemplo desses.
Eu acho que a realidade é bem mais complexa. A China é um país vasto, as relações entre a Igreja e o Governo não são uniformes e, acima de tudo, opto por dar o benefício da dúvida aos que negoceiam com Pequim em nome do Papa. Espero não estar enganado. Publico o artigo do Robert Royal porque contribui para um debate mais informado sobre a situação na China, apesar de não partilhar inteiramente do seu cepticismo. Aconselho, a par da leitura deste artigo, a entrevista concedida esta quarta-feira pelo cardeal Parolin, sobre o mesmo assunto.
Ao longo de décadas a viver em Washington D.C., já conheci a minha dose de bandidos e aldrabões, fabulistas ou mentirosos claros. Seria preciso um Dante moderno para determinar em que círculo do inferno cada um destes comportamentos merecia. Mas de uma coisa estou certo: pelo menos na minha experiência, nunca encontrei mentirosos mais descarados e manipulativos que os comunistas chineses responsáveis pelas relações com os crentes.
Eu acho que a realidade é bem mais complexa. A China é um país vasto, as relações entre a Igreja e o Governo não são uniformes e, acima de tudo, opto por dar o benefício da dúvida aos que negoceiam com Pequim em nome do Papa. Espero não estar enganado. Publico o artigo do Robert Royal porque contribui para um debate mais informado sobre a situação na China, apesar de não partilhar inteiramente do seu cepticismo. Aconselho, a par da leitura deste artigo, a entrevista concedida esta quarta-feira pelo cardeal Parolin, sobre o mesmo assunto.
Ao longo de décadas a viver em Washington D.C., já conheci a minha dose de bandidos e aldrabões, fabulistas ou mentirosos claros. Seria preciso um Dante moderno para determinar em que círculo do inferno cada um destes comportamentos merecia. Mas de uma coisa estou certo: pelo menos na minha experiência, nunca encontrei mentirosos mais descarados e manipulativos que os comunistas chineses responsáveis pelas relações com os crentes.
É isso que torna tão preocupante o surgimento de notícias,
divulgadas a semana passada, de que o Vaticano tinha pedido a dois bispos
clandestinos, fiéis a Roma, para resignar por forma a que dois bispos da Igreja
Patriótica, submissa ao regime comunista, pudessem ocupar os seus lugares. Essa
notícia levou o anterior cardeal de Hong Kong, o corajoso Joseph Zen, a ir a
Roma e colocar-se à porta da Casa Santa Marta e pedir para ser admitido ao Papa
Francisco para lhe entregar uma carta dos crentes da Igreja clandestina – que
estão dispostos a resistir apesar do alto preço – ao Papa Francisco. Fontes de
confiança dizem que o Papa recebeu a carta e prometeu que a iria ler. Entretanto
o Cardeal Zen publicou o seu relato desses eventos, confirmando na essência a
história e acrescentando que é pessimista quanto ao caminho que o Vaticano está
a trilhar. Acrescenta que o governo está a apertar o cerco às instituições
religiosas e que, a partir do dia 1 de Fevereiro, “não mais será tolerada a
frequência da missa nas igrejas clandestinas”.
O Cardeal Zen tem alertado várias vezes para o facto de
os acordos com os comunistas serem pouco fiáveis. (Há cerca de dois anos que
corre o boato de um acordo iminente entre a China e o Vaticano, sem que fosse
divulgado algo de concreto). A Asia News, uma publicação do Vaticano, reagiu às
notícias da semana passada com um aviso sobre a substituição de bispos
“legítimos” por “ilegítimos”. Os ChiComs (como nós os chamávamos durante a
Guerra Fria) são espertos e astutos. Sabem como manipular os valores
ocidentais, neste caso a “unificação” das igrejas, isto é, a inclinação
religiosa de se pensar que é possível resolver todos os problemas através do
diálogo, da construção de pontes e de arranjos diplomáticos.
Entretanto a China continua a demolir cruzes nalgumas
igrejas, a fechar outras e a dinamitar outras ainda. O “New York Times”
noticiou há duas semanas que a China tinha destruído a Igreja do Candelabro
Dourado, que com 60 mil fiéis é a maior comunidade evangélica no país. A razão
invocada foi que o edifício grande e vistoso tinha sido construído em
“segredo”, sem as necessárias autorizações, etc. Estas são desculpas
habitualmente usadas por regimes tirânicos em todo o mundo quando atacam a
religião. Já ouvi altos dirigentes chineses a atribuir estes actos a “excessos
e erros” das autoridades locais, mas estes repetem-se com uma regularidade
suspeita que ninguém parece determinado a travar.
Os comunistas chineses estudaram a queda da União
Soviética em 1989 e a libertação dos países da Cortina de Ferro graças a São
João Paulo II, Ronald Reagan, Margaret Thatcher e muitos outros, no ocidente,
que mantiveram Moscovo sob pressão. Eles compreendem o poder da religião e
claramente acreditam que podem evitar que o Cristianismo desempenhe o papel na
China que desempenhou na Polónia e noutros locais. As ferramentas são
familiares: cooptar quando possível, perseguir e destruir, também quando
possível, e controlar a informação para dar a entender que se está simplesmente
a exigir o cumprimento da lei e da ordem dentro das fronteiras.
Missa católica na China |
Cerca de dois terços desses serão protestantes, mas, como
é evidente, a Igreja Católica tem uma estrutura institucional mais sólida. Os
chineses estão habituados a pensar a longo prazo. Dado o crescimento do
Cristianismo, o regime vai passar por dificuldades se de repente houver dezenas
de milhões de cristãos que acreditam que todos os seres humanos são feitos à
imagem e semelhança de Deus, dotados de dignidade e liberdade humana.
Uma das questões de política externa mais importantes
sobre a China é saber exactamente o quão comunista é e, por isso, se ainda possui
o velho ADN marxista que a incentiva a extinguir o “ópio do povo”, isto é, a
religião. A economia é dirigida, mas não foi destruída de acordo com os
princípios marxistas, como foram as da antiga União Soviética e da Europa de
Leste. Claro que também não é exactamente capitalista, mas há casos sérios de inovação
e de empreendorismo. Ainda assim, a mão pesada do Estado é muito evidente,
sobretudo nas medidas de controlo populacional que até os chineses compreendem
que vai trazer décadas – pelo menos – de problemas, à medida que a população
envelhece. Mas será um sistema ateu puro e duro?
Eu escrevi sobre a história da perseguição aos crentes na
China no meu livro “Os Mártires Católicos do Século XX”. Nessa altura o Falun
Gong tinha cerca de 10 milhões de seguidores, brutalmente perseguidos pelos
chineses porque esse movimento de espiritualidade tradicional era considerado
uma “ameaça à estabilidade social”. Porém dizia-se então, como agora, que havia
um número significativo de cristãos no Partido Comunista Chinês.
Seja qual for a composição ideológica da China, a independência
da Igreja é algo pela qual muitos cristãos lutaram e morreram ao longo de
séculos nos países cristãos da Europa. A independência dos regimes políticos é
fundamental, para que a Igreja seja livre de desempenhar a sua missão
espiritual, não apenas de evangelização, mas também denunciando e trabalhando
para remediar a injustiça e a desordem na sociedade, seja qual for o regime sob
o qual opera.
O Vaticano parece estar a tropeçar nas suas relações com
um regime que podemos ter a certeza não vai respeitar a liberdade da Igreja,
uma vez que não respeita a liberdade e a dignidade do seu próprio povo. Os
negociadores do Vaticano farão bem em recordar as lições da era comunista na
Europa, sobretudo o aviso de Solzhenitsyn, de que devemos compreender
verdadeiramente a natureza dos regimes comunistas e não ceder perante a ilusão
de que a divisão entre nós e eles “pode ser abolida através de negociações
diplomáticas bem-sucedidas”. Porque essa divisão não é política, mas
profundamente espiritual.
Robert
Royal é editor de The Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute
em Washington D.C. O seu mais recente livro é A Deeper Vision: The Catholic
Intellectual Tradition in the Twentieth Century, da Ignatius Press. The God That Did Not Fail: How
Religion Built and Sustains the West está também disponível pela Encounter
Books.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Segunda-feira, 29 de Janeiro de
2018)
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