Wednesday 16 November 2016

A Vingança dos Apegados Amargos

Francis J. Beckwith
Devíamos ter desconfiado que alguma coisa se iria passar. Os Cavaliers venceram o NBA, os Cubs foram campeões de Basebol, o Reino Unido votou para abandonar a União Europeia e Bob Dylan venceu o prémio Nobel da Literatura. Este não é um ano normal.

Quando a comunicação social declarou, na manhã de Quarta-feira, que Donald J. Trump vai ser o 45º Presidente dos EUA, vieram-me à cabeça as palavras do mais recente Nobel da literatura: “Something’s happening here, and you don’t know what it is, do you, Mr. Jones?”

Tal como a maioria dos membros da classe dos opinadores, fui apanhado completamente desprevenido pela vitória de Trump. Praticamente nenhum dos meus amigos – incluindo muitos que se identificam como conservadores – apoiava o Trump. Eles argumentavam – como eu fiz em vários lugares – que havia fortes razões práticas e morais para não votar em Trump (nem na Hillary, já agora).

Pensávamos que tendo em conta as indiscrições públicas e privadas de Trump, aliados à sua impulsividade e imprevisibilidade, para não falar nos seus comentários pouco delicados sobre imigrantes, a sua eleição seria catastrófica tanto para o Partido Republicano como para o país. Mas o facto é que praticamente nenhum de nós pensava que se teria de preocupar mesmo com o país, porque achávamos que era inelegível. Caramba, como nos enganámos!

Tal como o Mr. Jones do Bob Dylan, não fazíamos ideia do que é que se estava a passar aqui. Eu e os meus amigos existimos no equivalente cultural a um condomínio fechado: suburbanos, profissionais, com educação superior, de classe média, viajados e cosmopolitas. Temos posses e estamos em larga medida isolados do dia-a-dia das vidas da maioria dos americanos de classe operária, brancos, religiosos e sem formação universitária, ou seja, aqueles cujos votos deram a vitória a Trump na Pensilvânia, no Iowa, no Ohio, no Michigan e no Wisconsin.

Era destas pessoas que Barack Obama falava de forma tão condescendente em 2008 quando se dirigia em privado a um grupo de dadores em São Francisco:

Vamos a estas pequenas vilas na Pensilvânia e, como em muitas das vilas pequenas do Midwest, os empregos desapareceram há 25 anos e nada os substituiu. E passaram as administrações de Clinton e de Bush e cada uma delas disse que as comunidades se iam regenerar, mas isso não aconteceu.

Por isso não é de admirar que fiquem amargos, que se apeguem a armas ou à religião ou à antipatia para com pessoas que não são como elas, ou sentimentos contra os imigrantes ou contra o comércio livre como forma de explicar as suas frustrações.

Apesar destes comentários, Obama obteve o voto de uma boa parcela destes “amargos apegados”. Parece que estavam dispostos a suportar os insultos elitistas desde que isso levasse a melhores perspectivas para eles e para as suas famílias. Mas oito anos volvidos as coisas não correram assim. Não só estão piores agora, como as suas preocupações sobre a imigração, as políticas de comércio, segurança policial e nacional e liberdade religiosa passaram a ser descritas pelos seus “superiores” como meras expressões viscerais de xenofobia, fascismo, racismo, islamofobia e ódio. É claro que é sempre possível encontrar entre estas pessoas alguns cuja linguagem torna credíveis estas descrições, mas aquilo que eu sinto é que para a vasta maioria são preocupações que nascem de um amor profundo pelas suas famílias e a sua nação.

O único candidato que pareceu abordar estas preocupações e de as levar a sério foi Donald Trump. Certo, fê-lo de forma bombástica, por vezes desarticulada, e com uma linguagem muitas vezes desagradável, desnecessariamente agressiva ou chocantemente ofensiva. Mas para quem mais é que estes eleitores se podiam voltar? Hillary Clinton?

Foi ela quem descreveu os apoiantes de Trump, durante um comício LGBT em Setembro, da seguinte forma: “Sabem, generalizando bastante, podíamos meter metade dos apoiantes de Trump naquilo a que eu chamo o ‘cesto dos deploráveis’. Não é?... Os racistas, sexistas, homofóbicos, xenófobos, islamofóbicos – tudo isso.” Ao condenar publicamente os apegados amargos de Obama ao cesto de deploráveis, deliciando-se com os risos que se lhe seguiram, Clinton e a plateia embeiçada selaram o seu destino, sem sequer darem por isso.



Mas houve mais, graças ao Wikileaks, os “deploráveis” também puderam espreitar atrás da cortina. O que vieram foi as elites – que na maioria frequentaram as mesmas escolas, vivem nos mesmos bairros, auferem os mesmos ordenados e têm os mesmos amigos – a usar as suas ligações para dar a Clinton aquilo que a maioria das pessoas considera serem vantagens injustas. Quando se vê os autoproclamados defensores da justiça social e manipular o sistema em favor dos amigos ao mesmo tempo que lhe chamam a si e aos seus vizinhos “deploráveis” (isto sem falar sequer das críticas gratuitas ao Catolicismo), a indignação parece ser a resposta emocional mais apropriada.

Em breve veremos se Trump vai cumprir com algumas das coisas que devem interessar a qualquer católico sério: Nomeações para o Supremo Tribunal e defesa da liberdade religiosa, não só contra aspectos como os mandatos do Obamacare que afectam grupos como as Irmãzinhas dos Pobres, mas de forma mais geral na pressão do Governo federal sobre crentes tradicionais que resistem à promoção agressiva do aborto e de um entendimento da sexualidade humana que é intrinsecamente hostil à sua teologia moral.

Inclino-me a pensar que vai.

Isto não significa que eu tenha mudado de opinião sobre Trump e sobre como o seu carácter pessoal e exemplo público podem afectar o carácter dos cidadãos desta nação bem como a trajectória do Partido Republicano, mas espero sinceramente que esteja enganado.

Talvez a noção que o Presidente eleito tem da gigantesca responsabilidade da Sala Oval, combinadas com a escolha de pessoas excelentes para ocupar posições de liderança e de aconselhamento na sua administração resultem num Presidente Trump menos dados ao exercício indisciplinado daquilo que São Tomás de Aquino chamou os apetites irascíveis e concupiscíveis.

Quem sabe? Mas num ano em que os Cubs foram campeões de basebol e Dylan venceu o Prémio Nobel, tudo pode acontecer. E porque em Deus tudo é possível o Sr. Trump, e a nação que ele vai servir, devem agora estar constantemente nas nossas orações. 


(Publicado pela primeira vez na Quinta-feira, 10 de Novembro de 2016 em The Catholic Thing)

Francis J. Beckwith é professor de Filosofia e Estudos Estado-Igreja na Universidade de Baylor. É autor de Politics for Christians: Statecraft as Soulcraft, e (juntamente com Robert P. George e Susan McWilliams), A Second Look at First Things: A Case for Conservative Politics.

© 2016 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.

1 comment:

  1. É graças a católicos bem-pensantes como este (que certamente não leram o seguinte texto ou não o perceberam, nomeadamente na táctica de «limitação dos danos» e no ponto 9 : http://moldaraterra.blogspot.pt/2016/10/nota-doutrinal-sobre-participacao-e.html) que o inimigo avança e o mundo está como está. Afinal, que têm andado a fazer essas boas consciências» dos Estados Unidos? Afinal, perante um Trump «horroroso» mas prò-vida e uma abortista, e etc., cruzam os braços? Como eu fico sensibilizado com a pureza de tais católicos que não se querem misturar com a impureza do mundo!

    ReplyDelete

Partilhar