Wednesday 13 December 2023

As raízes jesuítas da guerra contra a Igreja na Nicarágua

Robert W. Shaffern

Desde Agosto que o governo Sandinista declarou guerra à Igreja Católica no pequeno país centro-americano da Nicarágua. Bispos e padres têm sido detidos ou exilados. O Governo congelou as contas bancárias e pensões de padres. A Universidade da América Central (UAC), uma instituição católica, foi confiscada e acusada de servir de centro de treino para terroristas. O regime sandinista tem ignorado as repreensões de figuras da Igreja e de Governos de todo o mundo e parece determinado a erradicar a Igreja Católica do seu território. O presidente sandinista Daniel Ortega quer criar uma Nicarágua onde só cabem as opiniões do Estado.

Para sua grande vergonha, algumas figuras da Igreja Católica da Nicarágua contribuíram significativamente para esta catástrofe, cujas sementes têm estado a germinar desde a conclusão, em 1979, da guerra civil brutal e sangrenta que sacudiu o país durante uma década. Nesse ano os bolcheviques sandinistas expulsaram os últimos membros da dinastia ditadora Somoza do país. Muitos membros do clero católico apoiaram os sandinistas, especialmente membros da ordem jesuíta.

Em vésperas da II Guerra Mundial os jesuítas aumentaram a sua presença na América Central. Em 1937 a Sociedade de Jesus criou a vice-província da América Central, separando-a da região administrativa do México. O Padre Pedro Arrupe Gondra, superior geral da Sociedade de Jesus entre 1965 e 1983, elevou a vice-província a província plena em 1976, quando a guerra civil da Nicarágua estava no seu auge.

Na sua tentativa de aliviar o sofrimento das massas de pobres naquela região, e preocupados em evitar o surgimento de um regime comunista, os jesuítas que trabalharam na América Central durante as décadas de 1940 e 1950 promoveram a formação de partidos e movimentos democratas-cristãos semelhantes aos que foram criados na Europa depois da II Guerra Mundial. Uma grande contribuição para esta missão aconteceu em 1960, quando os jesuítas fundaram a Universidade da América Central. Ironicamente, foi a família Somoza que doou o terreno onde viria a ser construída a única universidade privada da Nicarágua.

Durante os anos 60 e 70, porém, os jesuítas da América Central foram-se aliando cada vez mais à extrema-esquerda, seguindo os passos de figuras oitocentistas como Abbé Sieyès e Talleyrand. Foram arautos e aliados da vitória dos comunistas sandinistas. Aliás, muitos jesuítas chegaram a desempenhar cargos importantes no regime sandinista, incluindo os irmãos Fernando e Ernesto Cardenal, Miguel D’Escoto e Edgar Parrales, que foram todos teólogos da libertação que apoiaram a revolução armada contra o regime Somoza.

Depois de 1979, todos eles ocuparam posições no governo. Fernando Cardenal foi ministro da Educação (que obviamente promovia propaganda do regime), Ernesto Cardenal foi ministro da Cultura (igualmente propagandística), e D’Escoto foi Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Por sua parte, Arrupe apelou a uma espécie de ralliement na Nicarágua, parecida com a do Papa Leão XIII, quando este pediu aos católicos franceses, em 1892, para não rejeitarem os governos anticlericais da III República Francesa. Arrupe pediu aos jesuítas e a outros para dar o seu “generoso apoio” aos sandinistas. Porém, Arrupe tinha algumas reservas em relação aos comunistas, e dizia que estes também deviam ser criticados quando necessário.

Infelizmente, um estudo feito pela UAC no final dos anos 90 encontrou pouco para criticar no Governo. Os jesuítas receberam os sandinistas de braços abertos.

João Paulo II de dedo em riste a 
repreeender Ernesto Cardenal
A resposta mais firme a estes jesuítas sandinistas veio do Papa João Paulo II, que os fez ver que segundo o cânone 285 do Direito Canónico, um padre não deve ocupar cargos políticos. Em 1985 os jesuítas expulsaram Fernando Cardenal, sob pressão do Vaticano, mas ainda assim ele manteve-se como Ministro da Educação e continuou a viver numa residência jesuíta em Manágua.

Os jesuítas reabilitaram-no em 1997, depois de ter repetido o noviciado. Tal como um moderno Georges Danton (que virou de apoiante para opositor do Reino de Terror francês), Cardenal acusou o movimento sandinista de corrupção, e renunciou a sua ligação ao mesmo em 1994.

À medida que o tempo foi passando, a brutalidade do regime de Ortega foi-se tornando cada vez mais evidente. Ortega perdeu a eleição de 2001, mas não se retirou da política. Pelo contrário, arregimentou os seus apoiantes e acabou por regressar à presidência. Apenas cinco anos mais tarde, com o apoio de alguns líderes católicos, foi reeleito presidente da Nicarágua. Desta vez, muitos padres foram significativamente menos acolhedores do que tinham sido em 1979, mas Ortega continuou a gozar de algum apoio. O jornal dos estudantes da UAC não o apoiou directamente, mas a linha editorial continuou a revelar simpatia para com os sandinistas.

Contudo, nem todo este apoio católico impressionou Ortega, que manipulou cinicamente os seus aliados na Igreja. Quando alguns líderes católicos manifestaram o seu desagrado com o facto de ele ter uma amante, decidiu casar. Claro que o casamento não foi realizado por arrependimento dele, ou da sua amante, mas apenas para conseguir mais apoio de católicos de esquerda. Estes foram na conversa.

No final dos anos 60 o filósofo italiano Augusto del Noce avisou que o catolicismo progressista estava num beco sem saída, porque na coligação entre os católicos e os esquerdistas o elemento progressista, que rejeita os ensinamentos básicos do catolicismo sobre a pessoa, predominaria. Sob pena de terem de abdicar dos seus objectivos utópicos no campo da política, economia e sociedade, os marxistas não tinham como não perseguir e suprimir a Igreja Católica. O marxismo rejeita totalmente as realidades transcendentais que o Cristianismo entende como sendo o fundamento de tudo o que existe, bem como a esperança última da raça humana.

O guião deste drama infeliz já tinha sido encenado na Revolução Francesa. O pai de todos os movimentos de esquerda da civilização ocidental, o jacobinismo, tentou erradicar o Catolicismo. Os jacobinos Robespierre, Danton, St. Just e outros, enviaram milhares de católicos para a guilhotina entre 1793 e 1794 por considerarem que a sua religião fomentava a superstição, a credulidade e a intolerância. Ser católico era – alegavam – rejeitar o patriotismo. Mais tarde movimentos semelhantes, como o bolchevismo, seguiram o mesmo caminho.

A Igreja na Nigarágua está apenas a colher o que os jesuítas e os teólogos da libertação semearam.


Robert W. Shaffern é professor de história medieval na Universidade de Scranton. Também lecciona cursos de civilizações antigas e bizantinas, bem como sobre o Renascimento Italiano e a Reforma. É autor de The Penitents’ Treasury: Indulgences in Latin Christendom, 1175-1375.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na sexta-feira, 8 de Dezembro de 2023)

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1 comment:

  1. Como então, também agora os teólogos e padres/bispos da teologia da libertação um pouco por todo o mundo ocidental (incluindo Portugal e no próprio Vaticano) vão semeando uma dourina inversa à do CATECISMO da IGREJA CATOLICA

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