Infelizmente, também esta mais recente tentativa de sistematizar
os dados sobre este assunto tem vários erros. Já lá irei, mas antes quero dizer
que é exactamente por isto que faz falta um ponto onde se possam encontrar estes
dados centralizados e tratados. Esse ponto pode, e deve, ser a Coordenação das
Comissões Diocesanas, mas recordo que da última vez que esse organismo produziu
uma sistematização de dados estava também cheio de erros, como expliquei aqui.
No fundo isto é bastante simples: enquanto as dioceses
continuarem a pensar que estes assuntos devem ser tratados unicamente a nível local,
vamos ter este problema. Cada diocese trata os dados à sua maneira; uns
comunicam, outros não e quando são pedidos números, mesmo pela Coordenação das
Comissões Diocesanas, algumas enviam números errados.
A consequência é que os números errados entram no
circuito, voltam a aparecer nas pesquisas, são reciclados por jornalistas sem
tempo/paciência/capacidade para os verificar melhor e cria-se um ruído que é o
oposto daquilo de que precisamos, num assunto que pede transparência.
Às dioceses, volto a pedir que levem a transparência a
sério. Não é preciso publicar dados pessoais ou nomes, mas tenham, em local
acessível, a informação essencial: Quantos processos têm a decorrer; Quantos
padres estão envolvidos; Quais as medidas que foram aplicadas; Quais as sentenças
dos processos canónicos; Quais as sanções para os que foram condenados. Quando
houver uma novidade, como o arquivamento de um caso, façam um comunicado. Este
não serve apenas para divulgar os factos, mas deixa também um registo para
consulta futura. A ideia com que se fica é que o cuidado todo com a
transparência na altura do relatório e das listas foi só para inglês ver, quando
estava tudo de olhos voltados para a Igreja, e que agora tenta-se fazer tudo
pela calada. Não caiam nesse erro.
Olhando para este artigo em particular, a dada altura a jornalista
diz que de Lisboa, Porto, Braga e Guarda só o Porto é que respondeu às
perguntas feitas pelo jornal. Como é que isto é possível? Eu sou jornalista e
sei bem que muitas vezes as perguntas são feitas “para ontem” e que isso pode
ser difícil. Não sei como foi neste caso em particular, mas não se pode aceitar
que apenas uma em quatro dioceses tenha respondido em tempo útil a um pedido de
imprensa sobre um tema desta importância.
Aos jornalistas, peço que verifiquem sempre os dados.
Infelizmente, por vezes nem nos números oficiais se pode confiar sem confirmar.
Eu tenho tido o cuidado de publicar neste blog todos os dados, com o maior
rigor possível. Tanto quanto sei, esta é actualmente a melhor fonte de dados
que existe sobre o problema dos abusos em Portugal. Usem-no. É para isso que
serve. Mas não confiem apenas em dados reciclados de outras fontes, porque o
mais natural é conterem erros também.
Os erros do JN
Vamos agora ao artigo do JN. Vou abordar os principais
dados incluídos no artigo, e apontar os respectivos erros.
Padres afastados: O artigo diz que houve um total
de 14 padres afastados cautelarmente por via das listas dadas às dioceses pela
Comissão Independente. Este número está correcto, embora resulte da soma de
dados errados, como veremos adiante.
Padres reintegrados: O artigo diz que um total de
oito destes 14 padres foram, entretanto, reintegrados. Este número está
correcto, embora resulte da soma de parcelas erradas. Por exemplo, o artigo diz
que dois dos quatro padres de Lisboa foram reintegrados, quando na verdade
foram três. Adiante veremos as dioceses caso a caso.
Padres ainda afastados: O artigo diz que seis
padres continuam afastados. Mais uma vez, este número está correcto, embora
resulte da soma de parcelas erradas, novamente o caso de Lisboa, onde um padre
se mantém afastado, e não dois.
O artigo refere, a dada altura, que seis padres do Porto,
Guarda e Lamego, que estavam afastados, foram reintegrados. Estes seriam três
do Porto, um da Guarda e dois de Lamego. Contudo, nenhum padre de Lamego foi
afastado. Os dois padres que estavam na lista da Comissão Independente foram
sujeitados a uma investigação preliminar que concluiu pelo arquivamento dos
seus processos, sem nunca terem sido afastados. O mesmo aconteceu a um padre
que estava erradamente na lista de Bragança, mas que era de Lamego. Os dados
relativos à Guarda estão correctos, e os dados relativos ao Porto também devem
estar, uma vez que esta foi a única destas dioceses que respondeu ao JN. A
Actualidade Religiosa ainda não tem confirmação independente disso, mas deverá
ter em breve, mas por enquanto vou-me fiar no que diz a JN, pois parece-me credível
que assim seja.
Em relação a Lisboa, como já vimos, o artigo diz que dos
quatro que foram afastados, dois permanecem e dois foram reintegrados. Este número
está errado. São três os que já foram reintegrados e um que se mantém afastado.
O artigo do JN diz ainda que em Évora, Braga e Angra os
padres que foram afastados continuam nesse estado. Isto bate certo com os meus
dados, representando um total de quatro padres, dois de Angra e um cada para
Évora e Braga.
Por fim, o artigo refere que em Viana do Castelo um padre
foi dispensado pela Santa Sé. Presume-se que isso signifique dispensado do estado
clerical. Contudo, não se compreende a referência a este caso, uma vez que o
padre em questão não constava da lista da Comissão Independente, pelo que é confuso
ser mencionado no artigo, pois a inferência que o leitor retira é de que se
trata do único elemento da lista da Comissão Independente que estava vivo na altura,
e que era já idoso, não estando, portanto no activo, mas não tendo sido afastado.
Assim, olhando para os dados apresentados no artigo do
JN, os padres que foram afastados por estarem nas listas da Comissão
Independente seriam: Porto – 3; Guarda – 1; Lamego – 2; Lisboa – 4; Évora – 1;
Braga – 1; Angra – 2; Viana do Castelo – 1.
Somando, obtemos 15, o que não bate certo com o número de
14 referido no artigo. Mais, como já vimos, os dados relativos a Viana do
Castelo e a Lamego estão errados, o que deixa apenas 12.
Os dois padres que faltam, para a soma estar correcta,
são um de Viseu, que já se encontrava afastado quando saiu a lista dessa
diocese, mas que constava da mesma, e um de Vila Real, sobre o qual existiu
alguma confusão, pois tratava-se de um padre originalmente de Setúbal e apesar
de ter sido de imediato afastado do ministério, demorou algum tempo até que
Roma interviesse para determinar em que diocese o seu processo deveria ser
tratado canonicamente.
Como estão a ver, isto não é fácil. São muitos dados,
muitas variáveis, mas é possível ter números rigorosos. Aqui na Actualidade
Religiosa continuarei a fazer o que estiver ao meu alcance para apresentar sempre
os dados mais fiáveis.
Cronologia dos casos de abusos sexuais na Igreja em Portugal
O que sabemos das listas dos abusadores compostas pela Comissão
Independente
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