Brad Miner |
Mas podia, isso sim, esconder
os seus bens mais valiosos. Foi isso mesmo que fez uma família judaica, criando
uma espécie de cofre, um vaso de terracota com todos os seus tesouros, que
colocaram num buraco na parede, cobrindo-o com estuque. Contudo, alguma
calamidade levou-os a ter de abandonar os tesouros, que só foram descobertos em
1863, precisamente no mesmo sítio, quase 400 anos mais tarde.
Como se pode ler no catálogo
de “O Tesouro de Colmar: Um Legado Judaico Medieval”, a nova exposição no Cloisters,
do New York’s Metropolitan Museum, a exposição “recupera a memória da outrora
próspera comunidade judaica que foi perseguida como bode expiatória e morta
quando a região foi atingida com uma força devastadora pela peste, em 1348-49”.
Quem descobriu o tesouro, que
inclui “moedas e loiça de prata e joalharia de ouro e prata, incluindo fivelas
elaboradas e quinze anéis de ouro”, deve ter vendido uma parte. O que restou
para ser visto e amado pelas gerações futuras está, na maior parte, no Musée de
Cluny, em Paris, conhecido também como o Museu Nacional da Idade Média, que
posteriormente emprestou vários dos objectos ao MET, para exposição no
Cloisters.
No centro da pequena mostra
está um grande anel de casamento, adornado com uma réplica imaginada do Templo
de Salomão. Era claramente um anel cerimonial, ou seja, nada que se usasse para
as lides domésticas, mas criado especificamente para ser usado numa cerimónia
de noivado e/ou no casamento propriamente dito. De facto, alguns especulam que
o anel passava de geração em geração na mesma família, ou que era usado por
várias – se não mesmo todas – as noivas judaicas da aldeia nos seus casamentos.
O anel está inscrito com a
expressão perene de parabéns “Mazel tov!”. Na verdade, é uma expressão Ídiche,
e não hebraica, embora aqui esteja escrita com caracteres hebraicos. O ídiche surgiu
no Século IX na Europa, uma amálgama de hebraico e aramaico misturada com
alemão e algumas línguas eslavas. A palavra em si vem de Yidish Taitsh, que
significa “judaico alemão”.
Embora não tenha sido o
último, o Nobel da Literatura Isaac Bashevis Singer é certamente o mais famoso
autor (e por ventura um dos últimos) a escrever exclusivamente em ídiche, e
disse o seguinte:
As pessoas perguntam-me porque é que escrevo numa língua moribunda. Eu
gosto de escrever contos de fantasmas e nada fica melhor a um fantasma do que
uma língua moribunda. Quanto mais morta a língua, mais vivo o fantasma. Os
fantasmas adoram o ídiche e, tanto quanto sei, todos a falam.
É um comentário que se aplica
charmosa mas tristemente bem ao que se vê na exposição de Colmar. Claro que o
museu – como todos os museus – está recheado de “fantasmas”. Mesmo o Museu de
Arte Moderna de Nova Iorque contém sobretudo artistas que já foram desta para
melhor. (Depois de uma longa restauração, o MoMA está prestes a reabrir em
Outubro).
No Cloisters, porém, os fantasmas
parece-me mais dolorosamente presentes, uma vez que esta exposição me parece
emblemática da história do antissemitismo: estamos perante obras de grandes
artesãos, membros de uma grande cultura, que devido à sua coragem e sabedoria
têm sido usados ao longo dos séculos como bodes expiatórios pelos cobardes e os
tolos.
Juntamente com os tesouros de
Colmar há outros dois itens da coleção permanente do Cloisters: uma Tanakh (ou Bíblia hebraica) e uma Haggadah com 700 anos, ambas originárias
de Espanha. A Haggadah, para quem não sabe, é o texto lido na refeição pascal,
recordando o início do Êxodo.
Como explica a curadora Barbara
Drake:
A sobrevivência da Bíblia hebraica é quase milagrosa… Os nomes e datas
inseridas nas suas páginas sugerem que saiu de Espanha até 1492, quando a
população judaica foi expulsa. Juntamente com os seus sucessivos donos a Bíblia
viajou para oriente pelo Mediterrâneo, aterrando depois na Grécia, mais tarde
no Egipto e voltando novamente para a Europa continental. Actualmente é uma de
apenas três Bíblias hebraicas iluminadas de Castilha do Século XIV.
É para nós uma especial honra que a Bíblia acabe a sua viagem no
Cloisters, onde transformará a nossa apresentação – e a compreensão dos nossos
visitantes – sobre a iluminação de manuscritos medievais. Todos os outros
livros que temos no Cloisters foram criados para uso cristão (três deles foram
feitos em Paris no espaço de 90 anos). Este manuscrito desperta-nos para a
comunidade judaica, que foi uma parte vibrante da cultura medieval de Espanha.
Pode parecer forçado, mas a
exposição Colmar deixa-me ainda mais entusiasmado com a viagem a Israel que
estou a planear com a minha mulher, onde anseio ver o local que Deus escolheu
para a sua Encarnação e a pátria de um povo sofredor que conseguiu ultrapassar
o sofrimento causado pela perseguição a que foi sujeito.
Devo acrescentar que o Cloisters,
um dos meus locais favoritos, é um museu que nos transporta para um mundo em
que o catolicismo definia todos os aspetos da vida, para bem e – como esta
pequena mostra de artefactos judaicos nos recorda – por vezes para pior.
“OTesouro de Colmar” está em exposição até ao dia 12 de janeiro de
2020.
(Publicado pela primeira vez
na segunda-feira, 16 de Setembro de 2019 em The
Catholic Thing)
Brad Miner é
editor chefe de The Catholic Thing, investigador sénior da
Faith & Reason Institute e faz parte da administração da Ajuda à Igreja que
Sofre, nos Estados Unidos. É autor de seis livros e antigo editor literário do
National Review.
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