Richard Doerflinger |
Em Maio um homem chamado Robert Fuller, de 75 anos e
doente com cancro, foi sujeito a uma overdose letal de drogas, ao abrigo da lei
de “Morte com Dignidade” do Estado de Washington e planeou até ao último
detalhe o seu suicídio, com a ajuda de adeptos do suicídio, da organização “End
of Life Washington”. Organizou o seu enterro na paróquia católica de St.
Therese, que frequentava; teve uma festa de despedida no seu apartamento em
Seattle; casou com o seu parceiro de alguns anos e, mais tarde nesse mesmo dia,
diante de testemunhas, tomou as drogas e morreu. Tinha convidado um jornalista
e um fotógrafo da AP para o acompanhar durante todo o processo porque “queria
mostrar às pessoas do país como é que estas leis funcionam”.
Algo parecido (normalmente sem as festividades nem a
presença mediática orquestrada) já aconteceu no meu Estado de Washington cerca
de 1.200 vezes desde que o suicídio medicamente assistido foi legalizado, em
2008.
A AP acrescenta isto: No domingo antes do seu suicídio de
10 de maio, Fuller foi pela última vez à missa e alegadamente recebeu uma
bênção para aquilo que estava prestes a fazer (fotografada pela AP) do padre
local, o jesuíta Quentin Dupont, acompanhado de crianças com alvas brancas que
faziam a Primeira Comunhão. Em defesa desta narrativa, alguns já apontaram para
um post na página do Facebook de Fuller em que ele escreveu: “O meu
pastor/padrinho deu-me a sua bênção. E é jesuíta!!!”
A verdade é que Fuller publicou esse post em Março, por
isso não poderia estar a referir-se â bênção de Fuller no dia 5 de Maio. O
pároco, Pe. Maurice Mamba, não é jesuíta. Poderemos nunca saber quem era esse
jesuíta, ou se existe sequer.
Afinal de contas, ao que se soube, o padre Dupont mal
conhecia Fuller e não fazia a menor ideia que ele planeava suicidar-se.
Descendo o corredor no final da missa foi confrontado por um homem que pedia
uma bênção porque estava a morrer. O padre Dupont liderou as crianças numa
oração, pedindo força e coragem neste tempo difícil. Viu alguém a tirar uma
fotografia, mas não sabia que era um repórter e nunca assinou qualquer
documento a autorizar a sua publicação. Parece muito um esquema, pensado por
Fuller (ou pelos ativistas que o ajudaram) para colocar a Igreja numa posição
embaraçosa e minar o seu testemunho contra o movimento do suicídio assistido.
Quando o padre soube dos planos de Fuller visitou-o e
tentou dissuadi-lo – e quando isso não funcionou consultou a diocese para saber
se devia aceitar fazer o seu enterro. A decisão foi de avançar e fornecer
cuidados pastorais aos enlutados mas com o cuidado de ser claro que isso não
constituía uma concordância com a forma como ele pôs fim à vida.
O que é que podemos aprender com isto?
Em primeiro lugar, alguns paroquianos (sobretudo os seus
amigos de longa data que cantavam com ele no coro) sabiam dos seus planos e
aceitaram-nos, ao ponto de frequentarem aquela festa final. Isso é errado e um
grave escândalo. Contudo, alguns católicos têm dificuldade em acreditar que os
padres não estavam a par das intenções de Fuller. Como paroquiano da diocese de
Seattle, permitam-me discordar.
A falta de padres por estes lados é severa. O meu próprio
pároco cuida de quatro paróquias e uma missão e durante boa parte deste ano não
teve um vigário. Faz um trabalho magnífico em circunstâncias difíceis, com a
ajuda de padres reformados ou que estejam de visita e administradores leigos.
O padre Dupont, que é aluno a tempo inteiro na
Universidade de Washington, estava em St. Therese só para celebrar missa, como
já tinha feito antes (bem como noutra paróquia, apesar do trabalho académico).
O pároco, padre Maurice, cuida de duas paróquias sozinho e naquela manhã estava
a celebrar missa na outra igreja, onde reside.
Se não gosta do facto de que os nossos padres mal têm
tempo para celebrar os sacramentos, quanto mais conhecer os detalhes de vida
dos paroquianos, concordo plenamente. Juntem-se a mim, por favor, a rezar por
mais sacerdotes.
Em segundo lugar, alguém poderia ter feito alguma coisa
para impedir os planos de Fuller? Não me parece. Aparentemente, durante a maior
parte da sua vida mostrou estar “meio apaixonado com a morte fácil”. A AP
explica que aos oito anos, quando vivia em New Hampshire, a sua querida avó
afogou-se no Rio Merrimack. Com isto aprendeu que “se a vida se tornar
dolorosa, vai-se até ao Merrimack”.
Em 1975 tentou suicidar-se depois de ter dito à sua
mulher que era homossexual e o seu casamento ter acabado. Mais tarde ajudou a
cuidar de amigos com HIV, administrou uma dose letal de drogas a um deles e
levou uma vida sexual que “se aproximava do suicida” – aparentemente a tentar
contrair a doença porque “todos os meus amigos estavam a morrer”. Ainda antes
de ser diagnosticado com cancro fazia parte do Hemlock Society e revelou grande
interesse na lei de Washington quando uma mulher no seu prédio o usou para se
matar.
Porque é que esta obsessão de longa data pelo suicídio
não surgiu durante as suas avaliações psicológicas, ao abrigo da lei de
Washington? Porque 96% dos doentes que obtêm as drogas letais nunca chegam a
ser avaliadas. Tal como outras “salvaguardas” que a lei prevê contra abusos,
esta não passa de uma anedota.
Em terceiro lugar a Associated Press violou todas as
orientações da Organização Mundial de Saúde e de organizações para a prevenção
de suicídios, que estipulam que não se noticiem casos de suicídio, para evitar
que outras pessoas deprimidas e vulneráveis se matem. A reportagem da AP
fornece detalhes sobre o método utilizado, apresenta o suicídio como uma
solução e romantiza toda a questão (a manchete era “A Festa de uma Vida”). Se
mais pessoas se matarem por causa desta publicidade mal disfarçada, então a AP
tem sangue nas mãos.
Em quarto lugar, qual é a posição da Igreja? O Catecismo
da Igreja Católica (parágrafos 2280-83) deixa três coisas claras: O suicídio é
um mal grave; nestes casos a responsabilidade pessoal podem ser muito mitigadas
por fatores como angústia, medo do sofrimento ou distúrbios psicológicos; e a Igreja
não desespera da salvação daqueles que põem fim às suas próprias vidas, mas
reza por elas, sabendo que Deus pode conduzir as pessoas ao arrependimento em
qualquer momento, de formas que só Ele conhece.
Neste caso as ações do clero parecem estar em linha com a
máxima de Santo Agostinho de odiar o pecado mas amar o pecador (ou, melhor,
odiar o pecado porque se ama o pecador). Essa máxima, alvo de gozo por parte de
secularistas, é difícil de cumprir – sobretudo em assuntos de sexualidade ou da
vida. Alguns católicos são tentados a errar, odiando o pecado e o pecador em
conjunto, e outros acham que têm de amar e aceitar os dois. Quanto a mim, diria
que a manutenção dessas distinções – e desse equilíbrio – é central para a
nossa fé católica.
Richard Doerflinger trabalhou durante trinta e seis anos
como secretário de atividades pró-vida na Conferência Episcopal dos Estados
Unidos. Faz parte do Nicola Center for Ethics and Culture da Universidade de
Notre Dame e é professor associado no Charlotte Lozier Institute.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no sábado, 7 de Setembro de
2019)
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