Foi com grande alegria que acolhemos a notícia da
elevação de D. José Tolentino Mendonça a cardeal. Já era esperado que assim
fosse, mas a confirmação é sempre bem-vinda.
Curiosamente, D. José Tolentino será elevado no dia 5 de
outubro, o que até lhe fica bem, uma vez que ele é (tragicamente) republicano.
Como é natural, a nomeação de D. Tolentino centrou as
atenções dos portugueses, mas seria uma pena não perceber a relevância de muitas
das restantes nomeações, que mostram claramente as prioridades deste Papa e deste
pontificado.
Começo pelo diálogo inter-religioso. O Papa Francisco não
só nomeou cardeal o espanhol Miguel Ángel Ayuso Guixot, presidente do Conselho
Pontifício para o Diálogo Inter-religioso, como também o seu antecessor Michael
Louis Fitzgerald, que chefiou o Conselho entre 2002 e 2006.
A nomeação de Fitzgerald é particularmente interessante.
Em 2006 Bento XVI retirou-o do Conselho para o Diálogo Inter-religioso e
nomeou-o núncio apostólico para o Egipto. Ora, na altura a decisão causou alguma
confusão e não foi possível compreender se se tratava de uma despromoção, ou de
uma tentativa de aproveitar as grandes qualidades do arcebispo num país que é
crucial para as relações entre o Islão e o Cristianismo. Pouco tempo depois da sua retirada o Papa fez
o seu discurso de Ratisbona, que acabaria por danificar gravemente essas
relações.
A decisão de o nomear cardeal agora, que já tem 82 anos, pode
ser entendida, assim, como uma espécie de reabilitação, ou um tributo tardio a
um homem que dedicou a vida a tentar construir pontes com o Islão, coisa que o
Papa valoriza.
Para além destes dois especialistas em diálogo
inter-religioso, o Papa Francisco também nomeia cardeais os arcebispos de dois
países muito importantes para o mundo islâmico, Ignatius Suharyo Hardjoatmodjo,
de Jacarta, Indonésia – o maior país muçulmano em termos demográficos. Trata-se
apenas do terceiro cardeal da história da Indonésia, sendo que o primeiro já
morreu e o segundo, seu antecessor em Jakarta, tem já 84 anos. O outro novo
cardeal que vem do mundo islâmico é o arcebispo de Rabat, em Marrocos, Cristóbal
López Romero.
Recorde-se que o mesmo Papa Francisco já nomeou cardeais
do Burkina Faso (89% islâmica), da República Centro-Africana, onde os últimos
anos têm sido marcados por conflitos entre muçulmanos e cristãos, da Malásia
(61% muçulmanos, apenas 9% cristãos), Albânia, Mali (95% muçulmanos), Iraque e
Paquistão.
É verdade que com estas nomeações o Papa está a respeitar
a sua própria vontade expressa de dar importância às periferias, mas olhando
para estas nomeações parece também evidente que está, por um lado, a encorajar
e valorizar as comunidades cristãs nestes países, frequentemente vítimas de perseguição,
mas também a criar uma rede de conselheiros e actores que podem, agora com
maior autoridade, levar a cabo o diálogo com o Islão nestes países.
Pe. Michael Czerny |
A outra questão é a valorização do problema dos refugiados.
O Papa fez aqui uma nomeação curiosa, o padre canadiano Michael Czerny,
que é subsecretário da secção para os refugiados do Dicastério para a Promoção
do Desenvolvimento Humano Integral. O prefeito deste dicastério é Peter
Turkson, que já é cardeal, mas o secretário, o padre francês Bruno-Marie Duffé,
não é, o que cria uma situação peculiar, mas deixa muito, muito clara a
intenção do Papa de sublinhar a importância do trabalho desenvolvido por Czerny.
Repare-se que o jesuíta canadiano não é bispo. Ora isto
não é inédito, mas normalmente os padres nomeados cardeais são mais velhos, não-eleitores
ou muito perto de o serem, e muitos, sobretudo quando são jesuítas, pedem para não
ser ordenados bispos. Não se sabe ainda se Czerny, que entretanto foi também
nomeado secretário do sínodo dos bispos sobre a Amazónia, irá pedir esta
dispensa, mas se o fizer, e se lhe for concedida, haverá o caso raro de um
cardeal eleitor que não é bispo. Por exemplo, nos últimos conclaves não houve
um único caso de participante que não fosse bispo.
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