Monday, 2 September 2019

Diálogo inter-religioso e migrações: Temas cardeais para o Papa Francisco

Foi com grande alegria que acolhemos a notícia da elevação de D. José Tolentino Mendonça a cardeal. Já era esperado que assim fosse, mas a confirmação é sempre bem-vinda.

Curiosamente, D. José Tolentino será elevado no dia 5 de outubro, o que até lhe fica bem, uma vez que ele é (tragicamente) republicano.

Como é natural, a nomeação de D. Tolentino centrou as atenções dos portugueses, mas seria uma pena não perceber a relevância de muitas das restantes nomeações, que mostram claramente as prioridades deste Papa e deste pontificado.

Começo pelo diálogo inter-religioso. O Papa Francisco não só nomeou cardeal o espanhol Miguel Ángel Ayuso Guixot, presidente do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-religioso, como também o seu antecessor Michael Louis Fitzgerald, que chefiou o Conselho entre 2002 e 2006.

A nomeação de Fitzgerald é particularmente interessante. Em 2006 Bento XVI retirou-o do Conselho para o Diálogo Inter-religioso e nomeou-o núncio apostólico para o Egipto. Ora, na altura a decisão causou alguma confusão e não foi possível compreender se se tratava de uma despromoção, ou de uma tentativa de aproveitar as grandes qualidades do arcebispo num país que é crucial para as relações entre o Islão e o Cristianismo.  Pouco tempo depois da sua retirada o Papa fez o seu discurso de Ratisbona, que acabaria por danificar gravemente essas relações.

A decisão de o nomear cardeal agora, que já tem 82 anos, pode ser entendida, assim, como uma espécie de reabilitação, ou um tributo tardio a um homem que dedicou a vida a tentar construir pontes com o Islão, coisa que o Papa valoriza.

Para além destes dois especialistas em diálogo inter-religioso, o Papa Francisco também nomeia cardeais os arcebispos de dois países muito importantes para o mundo islâmico, Ignatius Suharyo Hardjoatmodjo, de Jacarta, Indonésia – o maior país muçulmano em termos demográficos. Trata-se apenas do terceiro cardeal da história da Indonésia, sendo que o primeiro já morreu e o segundo, seu antecessor em Jakarta, tem já 84 anos. O outro novo cardeal que vem do mundo islâmico é o arcebispo de Rabat, em Marrocos, Cristóbal López Romero.

Recorde-se que o mesmo Papa Francisco já nomeou cardeais do Burkina Faso (89% islâmica), da República Centro-Africana, onde os últimos anos têm sido marcados por conflitos entre muçulmanos e cristãos, da Malásia (61% muçulmanos, apenas 9% cristãos), Albânia, Mali (95% muçulmanos), Iraque e Paquistão.

É verdade que com estas nomeações o Papa está a respeitar a sua própria vontade expressa de dar importância às periferias, mas olhando para estas nomeações parece também evidente que está, por um lado, a encorajar e valorizar as comunidades cristãs nestes países, frequentemente vítimas de perseguição, mas também a criar uma rede de conselheiros e actores que podem, agora com maior autoridade, levar a cabo o diálogo com o Islão nestes países.

Pe. Michael Czerny
A outra questão é a valorização do problema dos refugiados. O Papa fez aqui uma nomeação curiosa, o padre canadiano Michael Czerny, que é subsecretário da secção para os refugiados do Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral. O prefeito deste dicastério é Peter Turkson, que já é cardeal, mas o secretário, o padre francês Bruno-Marie Duffé, não é, o que cria uma situação peculiar, mas deixa muito, muito clara a intenção do Papa de sublinhar a importância do trabalho desenvolvido por Czerny.

Repare-se que o jesuíta canadiano não é bispo. Ora isto não é inédito, mas normalmente os padres nomeados cardeais são mais velhos, não-eleitores ou muito perto de o serem, e muitos, sobretudo quando são jesuítas, pedem para não ser ordenados bispos. Não se sabe ainda se Czerny, que entretanto foi também nomeado secretário do sínodo dos bispos sobre a Amazónia, irá pedir esta dispensa, mas se o fizer, e se lhe for concedida, haverá o caso raro de um cardeal eleitor que não é bispo. Por exemplo, nos últimos conclaves não houve um único caso de participante que não fosse bispo.

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