Hadley Arkes |
Em
assuntos raciais essa engenharia tem sido em larga medida positiva, mas no que
diz respeito à vida humana e à sexualidade – à forma como nos entendemos
enquanto pessoas e portadores de direitos – o Supremo tem sido uma máquina de
profunda inversão moral.
Um
dos casos que vai servir de teste será apresentado ao Tribunal em breve. No segundo
dia do novo semestre do Supremo, os juízes vão analisar o caso de Harris
Funeral Homes v. Equal Employment Opportunity Commission. A agência funerária no Michigan está nas
mãos da mesma família há cinco gerações, mas um tal Anthony Stephens, que foi contratado
como director funerário em 2007, acabou por causar alguns distúrbios.
Trata-se
de uma posição com responsabilidade importante no acompanhamento de famílias durante
os seus momentos de luto. Mas essa situação complicou-se quando Stephens
anunciou, em 2013, que estava a experienciar “disforia de género”. Apesar de
ser casado (com uma mulher, entenda-se bem), estava convencido de que agora a
sua verdadeira identidade era a de uma mulher e que se queria apresentar, ao
nível de aparência e vestuário, como tal.
Stephens
insistiu que estava a respeitar o código de vestuário da empresa ao usar roupa
feminina, mas a questão nem era essa. Foi despedido e, como é evidente,
processou a agência por “discriminação” sexual, ao abrigo do artigo VII da Lei
de Direitos Civis de 1964. A sua posição foi apoiada por um tribunal distrital
federal, que se deixou levar de tal forma pelas suas premissas que insistiu em
referir-se a ele no feminino.
O
recurso chegou ao Supremo Tribunal e claro que a primeira coisa que os
advogados e os juízes vão fazer é considerar a lei ao abrigo da qual foi feita
a queixa de discriminação. Será sequer remotamente plausível que, em 1964,
quando o Congresso proibiu a discriminação por causa de sexo, alguém presumia
que isso iria abranger homens que querem usar as casas de banho ou balneários
femininos, independentemente do quanto se sentem
mulheres?
É
muito mais sensato presumir, como argumentam os advogados que representam
Harris, que “a discriminação sexual significa um tratamento diferenciado [e
adverso] com base no sexo biológico de alguém, algo fixo e objectivamente determinado
pelos cromossomas e a anatomia reprodutiva.”
Tudo
bem. Mas quando se começa a questionar o significado das palavras na lei, isso
é bem diferente de perguntar: o que significa verdadeiramente a palavra “sexo”,
independentemente de como era compreendido pelo legislador em 1964?
O casal Stephens |
Não
devemos ficar admirados ao ouvir os advogados do lado de Stephens a argumentar
que uma compreensão informada pelas mais recentes contribuições da “teoria de
género” nos daria uma visão mais abrangente do que significa ser maltratado com
base no “sexo”.
É
então que se torna necessário ir mais ao fundo da questão. E acontece que,
neste caso, isso foi feito, de forma decisiva e muito bonita. Foi dito num “Parecer
Académico”, escrito por Michael Hanby, David Crawford e Maggie McCarthy; um
parecer que merece ser lido por inteiro, pela forma graciosa como está escrito
e pela argumentação convincente.
Segundo
os autores, o que está verdadeiramente em causa neste caso é “inerentemente
filosófico, ou mesmo metafísico”, pois “diz respeito a verdades sobre a própria
natureza das coisas”. Existe uma verdade objetiva sobre o nosso corpo, ou
devemos entender o corpo “de acordo com os sentimentos ou escolhas de cada um,
e não de forma orgânica ou natural?” Aceitar essa perspectiva seria pôr em
causa “a realidade dos homens e das mulheres, sugerindo que aquilo que os torna
homens e mulheres são apenas os seus sentimentos sobre si mesmos, ou a
construção social desses sentimentos.”
Uma
criança tem um sentido natural de quem é e das pessoas que preenchem a sua vida,
dos seus pais e avós. Contudo, agora estamos a codificar uma “antropologia
filosófica” que põe em causa todo esse esquema como sendo “artificial e
arbitrário, em vez de natural”.
O
que Stephens afirma, segundo estes autores, “não é que tem o direito de se
vestir como lhe apetece, mas antes que é,
na verdade, uma mulher, e que por isso tem o direito a ser tratado como tal”.
Quem
olha de fora poderá ser levado ao engano pelo argumento de que tudo o que
Stephens quer é viver de acordo com o seu entendimento de si mesmo. Mas isso é
uma profunda falsidade, porque o seu processo implica “a afirmação, legalmente
imposta, da sua alegada identidade por todos os que trabalham com ele”. Ou
seja, toda a gente que trabalha no mesmo espaço que ele terá a obrigação de
admitir que aceita o seu direito a alterar a sua personalidade sexual, caso
contrário podem ser processados por contribuir para “um ambiente laboral hostil”
e assim criar ameaças legais para os seus empregadores.
Estas
são as implicações que continuam a surpreender advogados e cidadãos, que ainda
não estão habituados ao facto de a lógica do “certo ou errado” ganhar tanta
força ao levar com o carimbo da verdade à luz da lei.
Hadley Arkes é Professor de
Jurisprudência em Amherst College e director do Claremont Center for the
Jurisprudence of Natural Law, em Washington D.C. O seu mais recente livro
é Constitutional Illusions & Anchoring Truths: The Touchstone
of the Natural Law.
(Publicado
pela primeira vez na Terça-feira, 23 de Maio de 2019 em The Catholic Thing)
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