Wednesday 4 September 2019

Abusos nas Periferias

Stephen P. White
Os abusos sexuais são uma praga, seja onde for, ou quem envolvam. Mas uma das facetas menos exploradas da crise de abusos sexuais praticados por padres nos Estados Unidos é a forma como as comunidades minoritárias e marginalizadas têm sido particularmente susceptíveis tanto aos abusadores como às más-práticas dos bispos e superiores religiosos que lidaram tão mal com os casos de que tiveram conhecimento.

Esta semana a Associated Press publicou uma reportagem sobre uma família alargada em Greenwood, Mississippi que foi devastada por abusos sexuais na Igreja. Três dos rapazes da família, Joshua e Raphael Love e o seu primo La Jarvis Love, alegam que foram abusados por dois frades franciscanos na Escola São Francisco de Assis nos anos 90.

Certos aspetos destes casos de abuso são por demais familiares: a forma como foram recrutados, as ameaças, o silêncio, a ineficácia da resposta tanto das autoridades da Igreja como, pelo menos de início, das autoridades. Mas alguns dos detalhes dos casos da família Greenwood sobressaem.

Em primeiro lugar, os rapazes de Greenwood são afro-americanos e de uma das zonas mais pobres de um dos estados mais pobres. Os seus alegados abusadores eram ambos missionários franciscanos de outros estados, que tinham vindo para Mississippi para trabalhar numa paróquia missionária, para servir as populações mais desfavorecidas.

Em 2006 a diocese católica local – Jackson – chegou a um acordo judicial com dezanove vítimas de abusos, na maioria brancos, por uma média de 250 mil dólares cada. Mas os franciscanos ofereceram apenas 15 mil dólares a cada um dos Love, e apenas na condição de que assinassem um acordo de confidencialidade.

“Eles sentiam que nos podiam tratar assim porque somos pobres e porque somos pretos”, disse Joshua Love. E compreende-se que tenha sido o caso. Sem advogados, dois dos três rapazes Love aceitaram o acordo.

O terceiro Love, Raphael, não aceitou o acordo. Actualmente está preso por um duplo homicídio cometido quando tinha 16 anos. A sua vida teria sido diferente se não tivesse sido abusado? As duas vítimas abatidas a tiro estariam vivas? O trauma de abusos sexuais na infância tende a destruir vidas e é impossível saber o que poderia ter sido. Mas também não podemos deixar de pensar no assunto.

Quanto aos abusadores, o frei Paul West abandonou os franciscanos em 2002, mas ainda em 2010 estava a dar aulas numa escola católica perto de Appleton, Wisconsin e o frei Donald Lucas morreu em 1999, num aparente suicídio.

Mas os rapazes pobres do Delta do Mississippi não são os únicos que têm razões para se sentirem duplamente traídos – primeiro pelos seus abusadores, e depois pela Igreja, por os tratar tão mal.

Os missionários jesuítas que trabalharam com indígenas no Alasca amontoaram um registo assustador de vítimas ao longo de várias décadas. Os números em si não são tão impressionantes como as que se encontram em cidades com grandes populações católicas, mas dada a escassez da população, as décadas de abusos e o número de padres e voluntários jesuítas envolvidos, a imagem geral é terrível.

A Província Jesuíta de Oregon nega ter usado o Alasca como depósito para padres suspeitos de abusos, mas os números não mentem. Note-se neste parágrafo de um artigo do National Catholic Reporter sobre a bancarrota da Província, em 2009.

Joshua Love, uma das vítimas dos franciscanos no Mississippi
“Durante o período em questão, segundo um advogado no Alasca, houve no máximo 29 padres a servir ao mesmo tempo na diocese. Ao longo desses anos pelo menos 20 jesuítas foram credivelmente acusados e houve alturas, disse, em que oito padres acusados estavam a servir em simultâneo.”

Ou então tenha em conta estes números: A vila de Holy Cross, no Alasca, tem uma população de 200 pessoas. Entre 1930 e 1971 houve dezasseis padres, irmãos e voluntários jesuítas que trabalharam na Missão Holy Cross e que foram alvo de pelo menos uma acusação credível de abuso sexual. Dezasseis abusadores numa vila de cerca de 200 pessoas no espaço de 40 anos!

Talvez a faceta menos explorada da crise de abusos nos Estados Unidos seja a forma como afectou os católicos hispânicos. Tem sido referido que a resposta à crise de abusos tem sido bastante diferente – menos estridente – entre católicos de língua espanhola nos Estados Unidos do que nas partes anglófonas na Igreja. As razões destas diferentes reacções deveriam ser escrutinadas, mesmo que uma significativa minoria dos católicos americanos não fossem latinos.

Sejam quais forem as diferenças, ou as razões por detrás, vale a pena referir que os católicos hispânicos têm sido vítimas tanto de padres abusadores como de prelados à procura de um local para os esconder.

A arquidiocese de Chicago removeu um pároco o ano passado depois de ter sido detido por praticar actos sexuais com outro padre no interior de um carro estacionado. Embora essa história tenha sido muito divulgada, o que é menos conhecido é que o pároco em questão não foi o primeiro a ser removido dessa paróquia – uma missão de língua espanhola no que é de resto um subúrbio de classe média, em larga medida branca. O seu antecessor foi detido por pornografia infantil. O que é que uma missão de língua espanhola na terceira maior diocese do país precisa de fazer para ter um pastor que não seja depravado?

Depois há o caso da arquidiocese de Los Angeles, que sob o cardeal Roger Mahony enviou padres abusadores para paróquias de maioria hispânica, com grandes percentagens de imigrantes ilegais. Como devem calcular, paroquianos pobres que estão no país de forma ilegal têm menos tendência para recorrer às autoridades quando o sacerdote se porta mal.

Não é preciso considerar-se um campeão da justiça social para se sentir enojado com estas histórias.

Os abusos sexuais praticados por clero são uma praga, seja onde for e com quem aconteçam. Uma das verdades mais dolorosas de toda esta terrível confusão é que tanto predadores como prelados têm feito questão de concentrar os abusos nas periferias. Aqueles que lá vivem é que têm acarretado com o grosso do problema. O seu sofrimento também clama por justiça.


Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em Washington.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Quinta-feira, 29 de Agosto de 2019)

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