Stephen P. White |
Esta semana a Associated Press
publicou uma
reportagem sobre uma família alargada em Greenwood, Mississippi que
foi devastada por abusos sexuais na Igreja. Três dos rapazes da família, Joshua
e Raphael Love e o seu primo La Jarvis Love, alegam que foram abusados por dois
frades franciscanos na Escola São Francisco de Assis nos anos 90.
Certos aspetos destes casos de
abuso são por demais familiares: a forma como foram recrutados, as ameaças, o
silêncio, a ineficácia da resposta tanto das autoridades da Igreja como, pelo
menos de início, das autoridades. Mas alguns dos detalhes dos casos da família
Greenwood sobressaem.
Em primeiro lugar, os rapazes
de Greenwood são afro-americanos e de uma das zonas mais pobres de um dos
estados mais pobres. Os seus alegados abusadores eram ambos missionários
franciscanos de outros estados, que tinham vindo para Mississippi para
trabalhar numa paróquia missionária, para servir as populações mais
desfavorecidas.
Em 2006 a diocese católica local
– Jackson – chegou a um acordo judicial com dezanove vítimas de abusos, na
maioria brancos, por uma média de 250 mil dólares cada. Mas os franciscanos
ofereceram apenas 15 mil dólares a cada um dos Love, e apenas na condição de
que assinassem um acordo de confidencialidade.
“Eles sentiam que nos podiam
tratar assim porque somos pobres e porque somos pretos”, disse Joshua Love. E
compreende-se que tenha sido o caso. Sem advogados, dois dos três rapazes Love
aceitaram o acordo.
O terceiro Love, Raphael, não
aceitou o acordo. Actualmente está preso por um duplo homicídio cometido quando
tinha 16 anos. A sua vida teria sido diferente se não tivesse sido abusado? As
duas vítimas abatidas a tiro estariam vivas? O trauma de abusos sexuais na
infância tende a destruir vidas e é impossível saber o que poderia ter sido.
Mas também não podemos deixar de pensar no assunto.
Quanto aos abusadores, o frei
Paul West abandonou os franciscanos em 2002, mas ainda em 2010 estava a dar
aulas numa escola católica perto de Appleton, Wisconsin e o frei Donald Lucas
morreu em 1999, num aparente suicídio.
Mas os rapazes pobres do Delta
do Mississippi não são os únicos que têm razões para se sentirem duplamente
traídos – primeiro pelos seus abusadores, e depois pela Igreja, por os tratar
tão mal.
Os missionários jesuítas que trabalharam
com indígenas no Alasca amontoaram um registo assustador de vítimas ao longo de
várias décadas. Os números em si não são tão impressionantes como as que se
encontram em cidades com grandes populações católicas, mas dada a escassez da
população, as décadas de abusos e o número de padres e voluntários jesuítas
envolvidos, a imagem geral é terrível.
A Província Jesuíta de Oregon
nega ter usado o Alasca como depósito para padres suspeitos de abusos, mas os
números não mentem. Note-se neste parágrafo de um artigo do National Catholic Reporter sobre a bancarrota da
Província, em 2009.
Joshua Love, uma das vítimas dos franciscanos no Mississippi |
“Durante o período em questão,
segundo um advogado no Alasca, houve no máximo 29 padres a servir ao mesmo
tempo na diocese. Ao longo desses anos pelo menos 20 jesuítas foram
credivelmente acusados e houve alturas, disse, em que oito padres acusados
estavam a servir em simultâneo.”
Ou então tenha em conta estes números: A vila de Holy Cross, no Alasca, tem uma
população de 200 pessoas. Entre 1930 e 1971 houve dezasseis padres, irmãos e
voluntários jesuítas que trabalharam na Missão Holy Cross e que foram alvo de
pelo menos uma acusação credível de abuso sexual. Dezasseis abusadores numa
vila de cerca de 200 pessoas no espaço de 40 anos!
Talvez a faceta menos explorada
da crise de abusos nos Estados Unidos seja a forma como afectou os católicos
hispânicos. Tem sido referido que a resposta à crise de abusos tem sido
bastante diferente – menos estridente – entre católicos de língua espanhola nos
Estados Unidos do que nas partes anglófonas na Igreja. As razões destas
diferentes reacções deveriam ser escrutinadas, mesmo que uma significativa
minoria dos católicos americanos não fossem latinos.
Sejam quais forem as diferenças,
ou as razões por detrás, vale a pena referir que os católicos hispânicos têm
sido vítimas tanto de padres abusadores como de prelados à procura de um local
para os esconder.
A arquidiocese de Chicago removeu
um pároco o ano passado depois de ter sido detido
por praticar actos sexuais com outro padre no interior de um carro estacionado.
Embora essa história tenha sido muito divulgada, o que é menos conhecido é que
o pároco em questão não foi o primeiro a ser removido dessa paróquia – uma
missão de língua espanhola no que é de resto um subúrbio de classe média, em
larga medida branca. O seu antecessor foi detido por pornografia infantil. O
que é que uma missão de língua espanhola na terceira maior diocese do país
precisa de fazer para ter um pastor que não seja depravado?
Depois há o caso da
arquidiocese de Los Angeles, que sob o cardeal Roger Mahony enviou padres abusadores para paróquias de maioria hispânica, com grandes percentagens de imigrantes ilegais. Como
devem calcular, paroquianos pobres que estão no país de forma ilegal têm menos
tendência para recorrer às autoridades quando o sacerdote se porta mal.
Não é preciso considerar-se um
campeão da justiça social para se sentir enojado com estas histórias.
Os abusos sexuais praticados por
clero são uma praga, seja onde for e com quem aconteçam. Uma das verdades mais
dolorosas de toda esta terrível confusão é que tanto predadores como prelados
têm feito questão de concentrar os abusos nas periferias. Aqueles que lá vivem
é que têm acarretado com o grosso do problema. O seu sofrimento também clama
por justiça.
Stephen P. White é
investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em
Washington.
(Publicado pela primeira vez
em The Catholic Thing na Quinta-feira, 29 de Agosto
de 2019)
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