John-Mark L. Miravalle |
Este
rapaz, mostrou Sócrates, era capaz de compreender um princípio geométrico e
depois aplicá-lo de forma universal, sem se preocupar com uma qualquer condição
física que se pudesse colocar num caso concreto.
Podemos
ilustrar o ponto de Sócrates de forma mais simples: quanto é que dá um bilião
de coisas mais dois biliões de coisas? Aposto que sabe a resposta, mas não é o
seu corpo que lha deu. Afinal de contas, você nunca viu um bilião de objetos,
contados e somados a outra pilha de precisamente dois biliões de coisas – e
depois verificados fisicamente para garantir que a nova pilha era composta de
três biliões de coisas.
Não
precisa de levar a cabo esta experiência fisicamente, e não precisa de inquirir
sobre a composição física de coisas, ou das forças físicas que operam na
região. Não precisa de quaisquer dados físicos, o que significa que, quando lhe
perguntam quanto é que é um bilião mais dois biliões e você sabe a resposta,
conhece algo que é imaterial.
E
se é capaz de conhecer algo imaterial – se é capaz de se relacionar de alguma
forma com o imaterial – isso significa que parte de si também é imaterial.
Mas
isso é só o começo. Porque quando compreende o imaterial pode começar a
relacionar-se com ele de outras formas.
Pode,
por exemplo, correr atrás do imaterial. Veja o exemplo da busca pela vantagem
económica, do dinheiro. Onde está o dinheiro? O que é o dinheiro? São notas,
moedas ou frações de código no computador do seu banco? Claro que pode ser
qualquer uma destas coisas. O dinheiro assemelha-se a um símbolo do potencial
legal e quantificável de receber bens e serviços materiais de outros a pedido –
e uma potencialidade não é algo que se possa ouvir, tocar ou saborear.
Chesterton
conta uma história engraçada sobre quando foi comprar um charuto durante umas
férias na Alemanha, mas esqueceu-se de pagar. Sem falar uma palavra de alemão,
regressou à loja para tentar pagar o charuto, mas o dono, que também não se
tinha apercebido que o charuto anterior não tinha sido pago, pensava que Chesterton
lhe estava a dar dinheiro para comprar um novo. Não há gesto ou expressão
facial que possa exprimir o conceito de dívida, porque aquilo que o dinheiro
simboliza não é algo a que se possa apontar ou ver. E por isso Chesterton não
pôde comunicar a situação e o vendedor de charutos não aceitou o seu dinheiro.
A
questão aqui é que toda a vida humana, sobretudo a vida contemporânea, é
indissociável de conceitos como dívida, finança e economia e estes são todos
conceitos imateriais. Alguns economistas definem-se como materialistas, mas na
verdade estão sempre a lidar com a dimensão espiritual.
Outro
exemplo: o medo de falar em público. Este fenómeno é, na verdade uma reação
emocional ao imaterial. Provavelmente já lhe aconteceu e sabe que envolve sintomas
físicos: tremores nos joelhos, palmas das mãos suadas, batimentos cardíacos
acelerados e as mãos a tremer. Mas do que é que o orador tem medo? Que o
público o agrida, lhe retire a comida ou lhe morda se o seu desempenho for mau?
É uma ameaça física que ele teme?
Claro
que não. Tem medo de ameaças não físicas, como a vergonha, o falhanço, parecer
ridículo. E o seu medo é tão real que o seu corpo está a reagir ao que é
incorpóreo. A carne está a reagir ao espiritual.
É
isto que significa ser humano: ter dupla cidadania, estar constantemente a
navegar entre dois mundos, o material e o imaterial, em simultâneo. É isto que
significa ser composto de corpo e alma.
Infelizmente
a satisfação de corpo e alma tende a ser mutuamente exclusiva – o prazer físico
e a alegria espiritual estão frequentemente em competição.
Mas
existe uma experiência em que o corpo sente alegria com aquilo que a alma entende
ser verdadeiro ou bom. Essa experiência é a apreciação da beleza.
A
beleza é claramente uma reação a algo imaterial. Pense no seu romance
preferido: aquilo que o atrai não é a cor da tinta nem o cheiro das páginas. É
algo que não está acessível aos sentidos.
E
porém, há algo no romance, algo na história que narra, que lhe cortou a
respiração. Talvez tenha chorado. Talvez tenha sentido um arrepio na espinha.
Mas alguma coisa sentiu.
Pode
conhecer a verdade e não sentir nada. Pode fazer o que é correcto e não sentir
nada. Mas só está a ter uma experiência estética – só está a apreciar a beleza
– se sentir algo.
Este
é o poder da beleza – a capacidade de unir as partes do ser humano, que tantas
vezes vivem em tensão. A beleza, que oferece uma imagem espiritualizada através
das cores, do som ou das palavras, une o corpo e a alma em alegria.
O
facto que é a beleza revela que não somos apenas máquinas compostas por átomos
e células e órgãos. Testemunha a existência da alma humana.
Mas
a beleza faz mais do que isso. A beleza diz-nos o que somos, mas também integra
o que somos. Se alguma vez quisermos ser humanos no mais pleno sentido, a
beleza tem de desempenhar um papel. Porque a beleza é que faz com que a humanidade
seja tão encantadora.
John-Mark
L. Miravalle é professor de Teologia Moral e Sistemática no Seminário de Mount
St. Mary, em Maryland. É doutorado em Sagrada Teologia pela Regina Apostolorum,
em Roma. É autor de quatro livros, incluindo o mais recente Beauty: What It Is & Why It Matters.
(Publicado
pela primeira vez em The Catholic Thing na quarta-feira, 5 de Junho de
2019)
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