David Warren |
Ainda era novo quando fui exposto a este tipo de
argumentação pela primeira vez, bem como ao seu contrário, que há coisas que
não devemos fazer porque “ninguém” as faz. Na altura pareceu-me um argumento
fraco e fiz uma nota mental para nunca o usar.
Mas na verdade é mais forte do que parece. Se a
esmagadora maioria em qualquer sociedade fizesse exactamente como quer o
resultado seria a anarquia. Anarquia mesmo, não aquela que nos é vendida por Hollywood.
A vida valeria muito pouco e quem quisesse sobreviver até ao final do dia teria
de andar fortemente armado.
Talvez seja por isso que Deus nos fez na maioria
conformistas, por isso que o mundo está visivelmente ordenado e o homem seja
capaz de discernir, mesmo que vagamente, o bem do mal, o belo do feio, etc..
Deus também nos dotou de liberdade e deu-nos as consequências das nossas
escolhas.
O leitor poderá suspeitar que estou a preparar um
argumento a favor da censura. Estou mesmo.
Faz parte da natureza de qualquer cultura, sociedade ou
civilização (como preferir) introduzir sinais. Se focarmos a vista encontramo-los
em todo o lado, mesmo nas estradas. Também temos leis, nem sempre em forma de
sinais visíveis, mas disponíveis para inspeção pública. E temos ainda as leis
não escritas.
Consideremos a lei “não cometerás homicídio”. Tem sido
detalhada, com excepções, e os actos de homicídio podem ser julgados nos nossos
tribunais, mas não inventámos propriamente a lei. Foi inscrita nos nossos
corações; foi inscrita numa tábua e entregue a Moisés, muito antes de
nascermos.
O código criminal existe apenas para aperfeiçoar esta
“lei natural”; usamos advogados e legisladores para lhe dar a volta, caso se
torne inconveniente. O aborto e a eutanásia, e tudo o que possa vir a seguir,
estão agora entre as excpções permitidas.
A liberdade tornou-se a nossa palavra de ordem. Sermos
livres das crianças, livres dos avós – sempre no pressuposto de que são indesejados
– são agora os novos “bens” que o homem construiu. Sermos livres de outros
constrangimentos, como ser homem ou mulher, rico ou pobre ou qualquer outra
circunstância acidental do nosso ser, já fazem parte da lista de espera.
É verdade que há alguns “tradicionalistas” como eu que
lamentam a destruição da ordem moral e por vezes mesmo os seus apoiantes têm
golpes de consciência que precisam de ser suprimidos. Mas no geral a sociedade
é “progressista”. Não gostamos de criar ondas.
Antigamente – refiro-me à história antiga, ou seja o
tempo da minha infância – alinhávamos com as ideias herdadas e guardávamos os
nossos pequenos homicídios para nós mesmos. Hoje colocamo-los no Facebook.
“E porque não?”
Uma família infeliz, ou Suicídio de Octave Tassaert |
Recentemente uma conhecida minha decidiu deixar-se matar.
Tinha cancro; as perspetivas não eram boas. O seu caso chocou-me por duas
razões em especial. Por um lado, era uma mulher corajosa, que estava a
enfrentar a adversidade de forma brilhante. E segundo, ela era aquilo a que
chamamos “conservadora” e já tinha sofrido na pele por ter várias opiniões
“politicamente incorretas”. Até tinha tendências cristãs.
Mas de repente optou por um plano de fuga e rapidamente
encontrou “apoio” entre os seus “amigos” que se tinham reunido à volta da cama
de execução com sorrisos de encorajamento. Quando lhe perguntei em privado
sobre esta “escolha” de vida e de morte o seu argumento foi, para todos os
efeitos, “toda a gente o faz”.
O estigma deixou de existir. Os defensores de se matar os
velhos e os doentes, até os jovens e depressivos, conseguiram derrubá-lo.
Depois disso, derrubar a lei tornou-se fácil. E quando a lei foi alterada a menorização
da vida humana já se tinha tornado um passo importante “em frente” e a maioria
da sociedade já estava alinhada.
Em certo sentido “toda a gente o faz”. É conveniente.
Claro que nem todos se deixam executar, alguns instintos humanos sobrevivem,
mas este “toda a gente” gostaria de ter a “opção” caso se venha a encontrar
numa posição de o desejar.
A dor não tem piada alguma. Admito isso. A ideia de que
possa ter não só um sentido físico mas também um propósito moral, foi extinta.
A ideia de que o suicídio é “auto-homocídio” é hoje vista como ridícula. As
antigas leis que o proibiam não podiam ser cumpridas (a pessoa que se mata
conseguiu escapar impune, desse ponto de vista). Só se podia punir quem
“assistia”.
Muitas coisas que em tempos eram “impensáveis” afinal
sempre foram pensáveis. O homicídio é um bom exemplo. O infanticídio é algo que
já deve ter ocorrido a muitas mães, em certas fases da maternidade. Mas em vez
disso tem-se um ataque de nervos, ou parte-se alguma coisa, ou brinca-se com a
situação. Ninguém faria mesmo o que é “impensável”.
Era impensável, basicamente, porque as leis de Deus eram
reforçadas pelas leis do Estado e da cultura. Não se ia por aí porque “ninguém
vai por aí”. Excepto os que o fazem e em consequência se tornam infames.
Entre as travestias da Direita (deixemos a Esquerda em
paz por momentos) está a ideia de que a censura é inimiga da liberdade. Os que
se encontram deste lado argumentarão que todos têm direito à sua opinião,
excepto os que gritam “Fogo!” numa sala de cinema. Quem discorda com alguma
coisa que apresente argumentos, depois votamos.
Devíamos ter aprendido, nesta louca viagem desde os anos
sessenta (ou desde o Jardim do Éden, se quisermos recuar até aí), que esta é
uma perspetiva ingénua. Há coisas que devem permanecer tão “impensáveis” como
sempre foram naqueles tempos opressivamente cristãos em que a dissensão era
“censurada”.
A censura não tem nada de mal. A esquerda orgulha-se
imenso daquilo que censura: racismo, sexismo, transfobia, seja o que for.
Infelizmente, com as suas definições perversas, dão mau nome à censura.
A verdadeira questão não é saber se a censura é boa, é
saber o que devemos censurar.
David Warren é o ex-director da revista Idler e é
cronista no Ottowa Citizen. Tem uma larga experiência no próximo e extreme
oriente. O seu blog pessoal chama-se Essays in Idelness.
(Publicado pela primeira vez na sexta-feira, 26 de Abril
de 2019 em The Catholic Thing)
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